29 Junho 2024
Jean-Baptiste Fressoz (França, 1977) é historiador da ciência, tecnologia e meio ambiente e professor da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais de Paris. Acaba de publicar Sans transition: Une nouvelle histoire de l'énergie (Seuil) [Sem transição: uma nova história da energia]. É também autor, junto com Christophe Bonneuil, de O acontecimento Antropoceno: A Terra, a história e nós (Quina Editora) e de L’Apocalypse joyeuse: Une histoire du risque technologique (Seuil) [O Apocalipse alegre: Uma história do risco tecnológico].
A entrevista é de Hervé Kempf, publicada por Ctxt, 14-06-2024. A tradução é do Cepat.
Em sua opinião, a transição energética não está acontecendo. Qual é o problema?
A transição é a ideia de que mudaremos o nosso sistema energético, dentro de 30 ou 40 anos, para enfrentar a crise climática. Contudo, se analisarmos historicamente, veremos até que ponto esta noção introduziu vieses científicos. Não realizamos a transição da madeira para o carvão durante a Revolução Industrial, por exemplo. A Revolução Industrial não foi uma transição, em absoluto, foi uma enorme expansão material.
Em 1900, a Inglaterra, um grande país mineiro, consumia 4,5 milhões de m3 de madeira por ano para utilizar como suporte nas galerias das minas. Nos anos 1750, os ingleses queimavam 3,6 milhões de m3. Sendo assim, só para extrair carvão, os ingleses utilizavam mais madeira em 1900 do que queimavam em 1750.
Então, o petróleo não substituiu o carvão?
Não, é uma visão equivocada. Por exemplo, o petróleo é usado para fazer os carros funcionarem. Nos anos 1930, eram necessárias cerca de sete toneladas de carvão para fabricar um carro, ou seja, a mesma quantidade em peso do petróleo que queimava durante a sua vida útil.
Para reduzir o minério de ferro, é necessário coque, cuja produção consome uma grande quantidade de energia. Por muito tempo, foi obtido exclusivamente a partir do carvão. Ainda hoje, produz-se 1,7 bilhão de toneladas de aço por ano. Se quiséssemos tornar a produção ecológica, precisaríamos de 1,2 milhão de aerogeradores. E se para isso quiséssemos usar o hidrogênio, precisaríamos da quantidade de eletricidade que os Estados Unidos produzem atualmente.
Mais do que uma soma de energias, trata-se de uma expansão simbiótica. Até os anos 1960, era impossível extrair carvão sem madeira. Uma coisa que devemos lembrar sobre a industrialização é que consumimos uma variedade maior de materiais, e cada um deles tem sido consumido em quantidades maiores. E se está havendo a diminuição do uso de alguns materiais é por causa das proibições. Por exemplo, o uso de amianto caiu de 40 a 50%, desde os anos 1990.
Você defende uma história material, no sentido de que o mundo é feito de materiais...
Se quisermos pensar seriamente na crise ambiental, não devemos nos concentrar na tecnologia, mas nas quantidades de materiais. O importante é que, apesar das inovações, o consumo de todos os materiais cresce.
Todos os seus antecessores na história da energia se equivocaram?
Até os anos 1970, os especialistas não falaram em transição porque viam que o carvão não era eliminado. Foram os “futurólogos” que começaram a falar a esse respeito e, a partir dos anos 1980, os historiadores adotaram o vocabulário tecnocrático. Estavam entusiasmados: você era um historiador da máquina a vapor e, de repente, torna-se um historiador da transição. É muito mais chique.
Atualmente, a transição permanece estagnada e, apesar da ascensão das energias renováveis, os combustíveis fósseis continuam representando 80% do consumo mundial de energia...
Sim, mantém-se mais ou menos estável desde os anos 1980. Ainda não ultrapassamos o pico do carvão e do petróleo. Ainda existe uma grande quantidade de combustíveis fósseis. No momento, não iniciamos a transição energética. O que fizemos, graças ao progresso tecnológico, foi reduzir a intensidade de carbono da economia. Para produzir um dólar do PIB, é necessário metade do CO2 dos anos 1980. No entanto, em termos de volume, os combustíveis fósseis são mais importantes agora do que antes.
Por que a ideia da transição energética é tão popular?
O discurso da transição é, antes de tudo, um discurso da “era”: a era do carvão, a era do vapor, a era da eletricidade, a era do petróleo. É um discurso clássico de promoção industrial. Permite situar uma nova tecnologia no grande esquema da história da humanidade. O problema é que os intelectuais levaram isso a sério.
Nos anos 1860, começou-se a falar da “era do vapor” como uma forma de marginalizar o poder humano. Os trabalhadores eram apresentados como resistentes ao progresso, à modernidade como o encontro do gênio e a matéria. Depois, no final do século XIX, quando se começou a falar da eletricidade, falar de uma era elétrica permitiu fazer um gesto bastante clássico no mundo intelectual, o da tábula rasa, a tábula rasa da qual se parte novamente.
Como chegamos ao conceito de transição?
Depois de 1945, um grupo de cientistas começou a falar de transição: os “atômicos” estadunidenses do Projeto Manhattan. Havia sido realizado um cálculo que demonstrava a extraordinária eficiência da geração nuclear. Esses cientistas queriam demonstrar que não tinham inventado apenas uma ferramenta para uma morte catastrófica, mas também a chave para a sobrevivência da humanidade. Forneceria energia abundante e ilimitada. Depois, durante os anos 1970 e as crises do petróleo, espalhou-se a noção de crise energética, bem como a de transição energética.
O presidente estadunidense Jimmy Carter desempenhou um papel crucial nesta difusão, com um importante discurso pronunciado em 18 de abril de 1977. Disse: “No passado, já fizemos duas transições energéticas, da madeira para o carvão, e depois do carvão para o petróleo. Agora, temos que fazer uma terceira transição”. Ele previa uma duplicação da extração de carvão nos Estados Unidos. Haverá menos petróleo, então, retiraremos mais carvão e o liquefaremos.
Depois, quando Ronald Reagan assumiu o poder, sua equipe para o setor energético era conduzida por um petroleiro do Texas, cuja grande programa era liberalizar e perfurar mais, alegando que o preço do petróleo baixaria graças ao mercado e à inovação. Foi o que aconteceu com o gás de xisto. A transição já não fazia muito sentido, exceto para aumentar a independência energética estadunidense.
Contudo, os ambientalistas começaram a retomar este vocabulário, que naturaliza as decisões energéticas. É uma invenção do lobby atômico e uma antífrase da crise ambiental.
O Grupo 3 do IPCC explica, em seu último relatório, que a transição é uma coisa boa e que iremos alcançá-la.
O IPCC é um grupo intergovernamental, não internacional. Isto é muito importante: significa que os governos designam quem participa neste órgão. Quando foi criado, em 1988, os Estados Unidos – que era de longe o maior emissor de CO2 – nomearam representantes dos ministérios da Indústria, Energia e Agricultura para o Grupo 3. Os representantes dos ministérios da Indústria, Energia e Agricultura foram nomeados pelos governos. Tinham que internalizar a restrição econômica, e esse é o papel deste grupo. Os Estados Unidos promoverão o cartão tecnológico como meio de transição.
Como resultado, até o sexto relatório, não houve nenhum capítulo sobre a sobriedade. O outro problema é que foram feitas escolhas tecnológicas inacreditáveis, como o armazenamento de carbono. E, aqui, penso que há uma influência do lobby do petróleo.
Se não há transição energética, o que podemos fazer diante do desastre ecológico?
A primeira coisa a fazer é olhar com realismo o que podemos fazer tecnologicamente. Meu argumento não é tecnofóbico. Houve grandes avanços tecnológicos em determinadas áreas, como a energia solar. Contudo, não conseguiremos descarbonizar certas coisas antes de 2050, como o cimento, o aço e os plásticos. A sobriedade é a chave. Temos de reconhecer que uma das questões cruciais é o nível de produção.
Se vamos produzir carros elétricos em larga escala, que não são de forma alguma isentos de carbono, isso não muda o problema. Permanece sendo necessário fabricar o carro, que é de aço, e o aço continua sendo carbono. A energia solar deve ser considerada no contexto de um sistema em seu conjunto, o que levanta um problema. Meu livro não é uma crítica às energias renováveis, mas à ideia da transição energética. Precisamos voltar a situar as energias renováveis no conjunto do sistema que vão alimentar.
Então, como podemos avançar em direção à sobriedade?
Temos que parar de falar bobagens. Quando os nossos governos insistem na ideia de que o decrescimento é uma idiotice, que há um desacoplamento, que vamos fabricar aviões a hidrogênio sem emissões de carbono, inevitavelmente, as pessoas querem acreditar nisso. É uma perspectiva muito atraente. No entanto, se não falarmos seriamente sobre este assunto, nunca alcançaremos a sobriedade.
A questão se tornará inevitavelmente mais urgente à medida que o muro climático se consolidar, as crises climáticas se repetirem e os objetivos de descarbonização se tornarem absolutamente utópicos. A sobriedade será cada vez mais importante.
Começaria uma nova história, a do decrescimento?
Quando digo sobriedade, refiro-me ao decrescimento material. Poderíamos parar de construir estradas na França, sem que fosse uma catástrofe. Poderíamos parar muitos aviões, sem que acontecesse muita coisa. Como vimos durante a pandemia, não morremos de fome.
Por que ainda há tanta esperança na tecnologia?
Devido a uma atenção sem precedentes na inovação. A inovação tem sido confundida com o fenômeno técnico em geral, que é muito mais intenso e amplo. O que realmente precisamos? Como os benefícios e impactos do carbono são distribuídos?
Podemos compensar massivamente as populações que não poderão mais viver onde vivem e imaginar acolhê-las. É sobre isso que deveríamos falar, não fantasiar sobre um mundo sem carbono em 2050.
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“A transição energética ainda não começou”. Entrevista com Jean-Baptiste Fressoz - Instituto Humanitas Unisinos - IHU