20 Abril 2024
"Como Francisco nunca se cansa de dizer, 'o tempo está acima do espaço'. Sempre é tempo de 'iniciar processos', novos!", escreve Riccardo Cristiano, jornalista italiano, em artigo publicado por Settimana News, 18-04-2024
Pergunto-me se está para se abrir um novo confronto entre Verdade e Misericórdia. Tento me explicar.
O líder supremo da revolução iraniana, o aiatolá Ali Khamenei, comentou imediatamente a operação militar lançada contra Israel pelo seu país, com estas palavras: "Libertaremos Jerusalém, que será governada pelos muçulmanos". Isso me impressiona.
Khamenei pretende se apresentar como líder de uma frente pan-islâmica que conquiste a simpatia de todos os cidadãos árabes e muçulmanos que estão exasperados com os terríveis acontecimentos em Gaza?
Seu discurso é, claramente, opositivo: de um lado o bem - o dele - do outro o mal absoluto. Portanto: quanto mais o mal se revela como tal, melhor é para ele. Se, de outra forma, no caso em questão, se conviesse sobre a constituição de um Estado palestino ao lado de Israel - como proposto pelos regimes árabes moderados e por muitos outros - seu esquema entraria em crise. Ele sabe disso e faz tudo para impedi-lo, há anos.
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Pergunto-me qual discurso pode tornar mais compreensível o projeto de Khamenei. Vem-me à mente o que disse o Papa Urbano II, o papa que convocou a primeira cruzada, no Concílio de Clermont em 1095. Antes do famoso "Deus o quer!", talvez nem mesmo seu, mas sim da assembleia, Urbano II expressou, diante dos pais conciliares, palavras claras, compreensíveis até para alguém que, como eu, não acredita que Deus tenha jamais querido as guerras:
"Esta terra que vocês habitam, cercada de todos os lados pelo mar ou por montanhas, é estreita devido à sua multidão, nem é abundante em riqueza e mal supre o necessário para sustentar quem a cultiva. Por isso, vocês se ofendem e se opõem uns aos outros, fazem guerra e tantas vezes se matam entre si. Então que cessem suas rivalidades internas, cessem as contendas, se acalmem as guerras e se aquiete todo desacordo e toda inimizade. Tomem o caminho do Santo Sepulcro, arranquem aquela terra daquela gente ímpia e submetam-na a vocês".
A diferença entre Urbano II e Khamenei me parece enorme. Urbano II falou com grande franqueza e transparência, o que falta completamente em Khamenei. A franqueza de Urbano, no entanto, talvez ajude a perceber o que Khamenei cala: a ligação entre religião e política.
O plano de Khamenei é silenciar o enorme desacordo interno no Irã, consolidar a tomada das terras árabes que contribuiu para devastar - basta ver como estão reduzidos os territórios por onde passou, do Iraque ao Líbano, da Síria ao Iêmen - talvez pior do que o saque de Constantinopla que os cruzados realizaram dois séculos depois de Urbano II. Mas assim como foi difícil justificar o saque de Constantinopla com a ideia de guerra santa contra os infiéis, também é difícil explicar a devastação khomeinista das terras árabes.
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O objetivo é evidente: esconder as intenções de expansão conquistando as emoções de um mundo exasperado, principalmente pela guerra de Gaza, com seu peso de horror diário. Khamenei pensa em absorver as emoções em sua guerra, visando estender sua liderança no mundo islâmico.
Os muçulmanos que vivem nos países árabes sabem muito bem que estão empobrecidos e divididos, em terras frequentemente desérticas e atrasadas, cujas riquezas são confiscadas por poucas famílias reais de cleptocratas. A eles, Khamenei gostaria de vender a ilusão de recuperar aquelas riquezas que os sátrapas guardam para si. (O Irã também acumulou riquezas enormes, expropriando as riquezas do povo iraniano em favor dos membros do regime. Mas isso Khamenei, obviamente, não diz).
Aqui se insinua a propaganda - mais do que a vontade divina - que cobre o desejo de poder e conquista. Assim, os jordanianos - também em sua maioria muçulmanos - por terem derrubado alguns mísseis iranianos, são chamados de traidores, defensores de Israel que bombardeia Gaza. Quem pediu a eles consentimento para usar seu espaço aéreo para uma ação militar tão importante?
As emoções contam em todos os lugares e as opiniões públicas, mesmo não desejando a guerra, terão uma ideia do flagelo da ajuda humanitária negada à população de Gaza e da ausência de uma perspectiva de paz. Isso é um fato, também devido às escolhas do Irã e do Hamas. Mas isso Khamenei não diz.
O resultado político que Khamenei visa é apagar o sujeito palestino - e qualquer outro sujeito - e apresentar uma encruzilhada: ou com ele ou contra ele. Seu plano pan-islâmico prevê os mais fiéis, o Hezbollah e as milícias xiitas iraquianas, os amigos afins, ou seja, os Houti iemenitas, Assad com seus aliados e depois os aliados do Hamas. Há uma alternativa à cruzada islâmica? Eu digo que a cruzada não existe, mas ainda é necessária uma alternativa.
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Quando, há poucos dias, Israel derrotou a agressão iraniana, não apenas com sua própria força, mas também com o apoio das grandes potências ocidentais e a ajuda de importantes atores árabes, Khamenei viu isso como traição por parte destes últimos.
Precisamente essa ação deveria agora ser transformada em uma aliança baseada na criação de um Estado palestino ao lado de Israel, como proposto pelos próprios árabes acusados de traição. Esta é a grande oportunidade histórica que Khameney sempre combateu.
Este caminho me parece o vencedor, porque finalmente permitiria falar sobre o futuro, desenvolvimento, integração, bem-estar, projetos econômicos globais. Até mesmo "aquelas pessoas ímpias" - como ainda eram vistas por Urbano II - preferem, como todas as pessoas, estar melhor do que pior, ter amigos em vez de inimigos.
A perspectiva cultivada por Biden me parece ser, essencialmente, esta. Mas o tempo está se esgotando. É necessário um trabalho eficaz para derrotar o esquema binário. Existe?
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O esquema binário também ganha terreno entre nós. A via do choque de civilizações também funcionou no Ocidente, atingindo seu auge após os ataques às Torres Gêmeas. Desde então, teoriza-se a guerra ao terrorismo. Mas contra o terrorismo, acredito que o diálogo fez mais, especialmente nos países ricos do Golfo, após 2001. Esses países estão mudando a teologia do Estado: um processo complexo, pouco discutido, mas existente. E depois há os poços de desespero, esquecidos há muito tempo, e lá o terrorismo sempre encontra dinheiro, como demonstra o recente atentado em Moscou.
O professor Massimo Borghesi escreveu, sobre o ano de 2001, em seu volume decisivo "O dissídio católico":
"No novo clima de confronto, a soldagem entre religião e o Ocidente em guerra torna-se poderosa, coercitiva. Diálogo, solidariedade, empenho pela paz, parecem suspeitos. Uma desconfiança que envolve até mesmo a herança conciliar da Igreja. O 11 de setembro muda o cenário do mundo e a Igreja sofre o impacto disso".
O cristão muitas vezes se torna "cristianista". Borghesi nos lembra que o desiludido republicano americano David Brooks escreveu: "A causa trumpiana é mantida unida pelo ódio ao outro. Como os trumpistas vivem em um estado de guerra perpétua, eles precisam inventar continuamente inimigos existenciais: teoria crítica racial, banheiros sem gênero, imigração descontrolada".
Eu concluiria a citação do livro de Borghesi com palavras que parecem escritas para hoje:
"A direita política se alia à religiosa a partir de uma visão maniqueísta da história. A batalha, em uma espécie de Armagedom final entre justos e corruptos, assumiu a forma da luta pelo primado da Verdade contra o da Misericórdia".
Parece-me que estas palavras se encaixam perfeitamente para a página de hoje. Alguém poderá dizer: mas os árabes chamados moderados são corruptos. Certamente, mas hoje estão apresentando - com enormes limitações e defeitos - uma perspectiva de coexistência, a partir da qual se pode iniciar um processo adicional.
Como Francisco nunca se cansa de dizer, "o tempo está acima do espaço". Sempre é tempo de "iniciar processos", novos!
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Diário de guerra (47). Khamenei e as Cruzadas. Artigo de Riccardo Cristiano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU