Fiducia supplicans. Os coptas suspendem o diálogo. Artigo de Lorenzo Prezzi

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15 Março 2024

"Apesar de um século de empenho, o caminho ecumênico ainda é frágil, mas continua a ser uma tarefa essencial para o futuro", escreve Lorenzo Prezzi, teólogo italiano e padre dehoniano, em artigo publicado por Settimana News, 14-03-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.

Eis o artigo.

A Igreja Copta Ortodoxa do Egito suspende o diálogo teológico com a Igreja Católica devido à declaração do Dicastério para a Doutrina da Fé sobre a bênção dos casais homossexuais, Fiducia supplicans (18 de dezembro de 2023). A decisão foi tomada em 7 de março de 2024 na sessão plenária do Santo Sínodo, presidida pelo Papa Tawadros II. Estavam presentes 110 dos 133 membros.

Dos nove pontos da pauta, um dizia respeito à homossexualidade. “A Igreja anunciou a sua opinião sobre a questão da ‘homossexualidade’ por um comunicado do Santo Sínodo. Na sua declaração, a Igreja sublinhou a sua rejeição das relações homossexuais. Apoiando sua opinião com muitos versículos bíblicos que expressam claramente a rejeição de tais relações contrárias à natureza humana que Deus criou”.

“Depois de consultar as Igrejas irmãs da família ortodoxa oriental, decidiu-se suspender o diálogo teológico com a Igreja Católica, reavaliar os resultados que o diálogo obteve desde o seu início, há vinte anos, e estabelecer novos padrões e mecanismos para que o diálogo possa prosseguir”.

Na declaração acrescentada para explicar o comunicado se citam 6 passagens do Antigo Testamento (Gênesis e Levítico) e cinco do Novo Testamento (1 Tessalonicenses, Hebreus, Romanos e Primeira Coríntios). “A Igreja acredita que a Sagrada Escritura, em ambos os seus Testamentos, é a palavra da verdade, válida para todas as épocas, e proíbe as práticas sexuais entre pessoas do mesmo sexo”.

A Escritura denuncia a homossexualidade

“Qualquer um que sofra atração pelo mesmo sexo, mas controla esse desejo, é louvado pelos seus esforços e permanece sujeito às mesmas tentações dos indivíduos heterossexuais, como pensamentos, visões e atrações. É essencial que aqueles que lutam contra a homossexualidade busquem o verdadeiro arrependimento. O mesmo vale para quem cai no pecado do adultério por causa da sua natureza heterossexual. Ambos requerem apoio espiritual e compassivo, que se revela eficaz para enfrentar essas tendências.

Se alguém escolhe abraçar a sua tendência homossexual e se recusa a procurar uma ajuda espiritual e compassiva, mas continua a infringir os mandamentos de Deus, então a sua situação torna-se a mesma de quem vive em adultério. Nesses casos, devem ser advertidos e aconselhados a absterem-se da comunhão, voltando-se para o arrependimento”.

“Consequentemente, a Igreja Copta Ortodoxa opõe-se firmemente a todas as formas de atividade sexual fora dos limites do casamento, que julga como distorção sexual. Rejeita firmemente a ideia de que diferentes contextos culturais possam ser utilizados para justificar as relações entre pessoas homossexuais sob o pretexto da liberdade humana, pois acredita que isso seja prejudicial para a humanidade. Ao mesmo tempos em que a Igreja acredita nos direitos humanos e nas liberdades, também enfatiza que essas liberdades não são absolutas e não devem ser usadas para violar as leis do Criador”.

Reafirma-se que a Igreja não rejeita os homossexuais, está disponível a ajudá-los para “uma solução compassiva e espiritual” com plena confiança na força do Senhor Jesus.

Bênção, não legitimação

A posição tem toda a autoridade e expressa a crença de que a possível bênção representa uma rendição ao espírito do tempo e à condição ocidental e europeia, uma legitimação dos comportamentos homossexuais. Em janeiro, o Card. Kurt Koch, prefeito do Dicastério para a Unidade dos Cristãos, recebeu uma longa carta de todas as Igrejas Ortodoxas Orientais que aguardam explicações e esclarecimentos sobre a Fiducia supplicans.

Tanto no texto da declaração como no comunicado que a explica, os bispos coptas partem de uma legitimação moral da homossexualidade que não está presente no documento do Vaticano, preocupados em evitar uma formalização litúrgica da bênção e ao mesmo tempo desenvolver uma abordagem pastoral não insistente e impositiva em relação aos homossexuais.

Julgá-lo como uma grave rendição à cultura ambiental deveria sugerir semelhante uma distância crítica em relação ao seu próprio contexto. As citações são pertinentes e partilhadas pela Igreja Católica, mas a sua interpretação e significado devem ser calibrados no conjunto do texto sagrado e no anúncio cristão de hoje.

A percepção das Igrejas Orientais, no entanto, denuncia algumas limitações do texto católico, tão facilmente interpretável em sentido contrário às suas intenções. Elemento que permitiu unir aqueles que se opunham à abertura ecumênica de Roma, obrigando os “dialogantes” a submeter à análise um caminho que já dura cinquenta anos.

O peso dos “não-dialogantes” é difícil de estabelecer, mas parece urgente que uma delegação católica de alto nível possa explicar e avaliar junto às Igrejas Orientais como entender Fiducia supplicans e como reiniciar o diálogo teológico e pastoral.

Vamos continuar bons irmãos

Uma importante declaração cristológica comum (1973) selou o encontro histórico de Paulo VI com Shenuda III. Constituiu a base teológica dos Princípios para orientar a busca pela unidade entre a Igreja Católica e a Igreja Copto Ortodoxa de 1979 e para a expansão da comissão mista a outras Igrejas Orientais, como a Igreja Síria Ortodoxa Malankara e a Igreja Síria Ortodoxa da Antioquia.

Um diálogo que se tornou habitual se o Papa Francisco teve oportunidade dizer a Tawadros II: “Conversamos por telefone, nos cumprimentamos e continuamos bons irmãos” (10 de maio de 2023). O patriarca tinha vindo a Roma para cumprimentar Francisco algumas semanas depois da sua eleição, em maio de 2013, e retornou em maio de 2023. Um diálogo que chegou ao reconhecimento comum do martírio.

Assim se expressava o Papa Francisco na saudação do último encontro: “Não tenho palavras para expressar a minha gratidão pelo precioso dom de uma relíquia dos mártires coptas mortos na Líbia em 15 de fevereiro de 2015. Esses mártires foram batizados não apenas na água e no Espírito, mas também no sangue que é semente de unidade para todos os seguidores de Cristo. Tenho a satisfação de anunciar hoje que, com o consenso de Vossa Santidade, esses 21 mártires serão inseridos no Martirológio romano como sinal da comunhão espiritual que une as nossas duas Igrejas”.

Já constatamos a reação negativa à Fiducia supplicans da Igreja Ortodoxa Russa. Ao contrário da reação copta ortodoxa, a Igreja Russa há tempo interrompeu todo diálogo teológico, deslegitimou-se devido ao seu apoio obtuso à agressão bélica contra a Ucrânia e utiliza o dissenso com Roma para fins de hegemonia na Ortodoxia pouco coerentes com o Evangelho.

Apesar de um século de empenho, o caminho ecumênico ainda é frágil, mas continua a ser uma tarefa essencial para o futuro.

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