07 Novembro 2023
Jornalista, figura da esquerda radical e do movimento pela paz em Israel, autor de vários livros nos quais denuncia a ocupação e a colonização da Palestina, Michel Warschawski publicou pela Editora Syllepse o seu último livro, intitulado Israël: chronique d’une catastrophe annoncée… et peut-être évitable (Israel: crônica de uma catástrofe anunciada… e talvez evitável).
A entrevista é de Benjamin König e Rosa Moussaoui, publicada por L’Humanité e reproduzida por Alencontre, 05-11-2023. A tradução é do Cepat.
O dia 7 de outubro representa o maior massacre de judeus desde a Segunda Guerra Mundial. Como se sente diante desse paradoxo de um Estado criado para permitir que judeus ameaçados em todo o mundo encontrassem refúgio, mas que se mostrou incapaz de proteger e garantir a segurança dos seus cidadãos?
Há uma imagem muito relevante do historiador judeu inglês Isaac Deutscher. Um fugitivo é perseguido por alguém que o ameaça com uma faca. Ele entra na primeira casa que aparece para encontrar refúgio. Mas em vez de dizer “Com licença, lá fora corro risco de vida, terei que ficar um certo tempo na sua casa”, muito rapidamente, ele começa a afastar os proprietários da entrada em direção à sala, da sala em direção à cozinha, para acabar confinando-os na despensa. E no final diz: “Aqui sempre foi meu lugar”.
Não foi a escolha de pedir asilo ou refúgio que foi feita, mas a escolha do regresso e a ideologia que nela foi enxertada. Espero que hoje consigamos nos recompor e confiar no bom senso. Herdamos dos nossos antepassados a experiência legada por séculos de vida diaspórica, o que implica um certo bom senso e a capacidade de evitar comportamentos suicidas.
Vozes em Israel defendem o princípio da troca de reféns detidos em Gaza pelo Hamas por prisioneiros palestinos. Qual é a sua opinião?
Espero que possamos chegar a esse acordo. Infelizmente, estas vozes estão isoladas, enquanto a classe política e uma grande parte da opinião pública são movidas pela hubris (arrogância), o que realmente não é bom. Yonatan Ziegen, filho da ativista pacifista Vivian Silver, desaparecida desde o ataque do Hamas em 7 de outubro, repete que a vingança não é uma estratégia.
Isso pode ser ouvido em Israel hoje?
Isto me parece ser de muito bom senso… Mas o país está no limite. Muitos pensam assim, mas por enquanto estão em silêncio. Não só por medo de falar, mas também porque têm de se justificar, explicar que isto não significa apoio ao Hamas, etc.
Muitos ativistas do campo da paz em Israel dizem que nunca viveram uma situação tão catastrófica. Você compartilha desse sentimento?
Quem diz isso é jovem ou tem memória curta. Continuo dizendo que deste ponto de vista o pior já passou. Entre 1967 e a Guerra do Yom Kippur, vivemos um período de consenso nacional total. As vozes dissidentes eram ultraminoritárias, consideradas loucas, e foi só em 1973 que as pessoas abriram os olhos e disseram: “O que vocês diziam era verdade”. Mas é verdade, já faz muito tempo que não vivemos tais momentos de isolamento das vozes do “bom senso”, que nem sequer são vozes radicais.
Hoje, estas vozes da razão parecem ser conduzidas em primeiro lugar pelas famílias e pelos entes queridos dos reféns dos massacres perpetrados em 7 de outubro pelo Hamas.
Para eles, não se trata de slogans, mas do concreto, da realidade. Netanyahu fala de vingança. Ele não está sozinho: uma parte significativa da sociedade israelense une-se a estas posturas beligerantes, ao som de “Nós vamos vencer, nós vamos pegá-los”, mas não são eles que pagam. Embora Netanyahu, na minha opinião, acabe pagando.
Poderá ele pagar o preço político por estes acontecimentos atrozes, pela espiral a que conduziram? Onde está sua responsabilidade?
A responsabilidade é toda dele. Ele não se apercebeu de nada, não deu ouvidos a quem o avisou; “Vai explodir”. Ele sempre foi arrogante e cego. Ele se cercou muito mal; seu governo de extrema direita é composto por criminosos e malucos. Este país não é mal administrado: já não está sendo administrado.
Com este governo, a extrema direita religiosa, os milenaristas e os colonos ganharam um peso desproporcional. Eles agora têm poder em Israel?
Os colonos têm muito poder, suficiente para orientar a política governamental. Dito isto, o poder em Israel também está nas mãos da alta tecnologia, cujos interesses não são os dos colonos. Da perspectiva do capitalismo moderno, a política que os colonos representam não é boa para os negócios. Há uma divisão dentro das forças dominantes em Israel, que estão sendo puxadas em diferentes direções políticas.
Isso poderia levar a mudanças políticas no futuro próximo?
Ninguém sabe. Se acreditarmos no que dizem as pesquisas e os jornais, as intenções de voto no Likud de Benjamin Netanyahu despencaram vertiginosamente. Dito isto, a opinião pública israelense é extremamente volátil; eu me absteria de fazer previsões.
A opinião pública israelense, mesmo politicamente dividida, apoia amplamente a guerra contra Gaza. Como poderão, nestas condições, ser ouvidas as vozes da paz, daqueles que exigem uma solução política?
Sem sequer mencionar os colonos, existem vários Israéis. Existe Tel Aviv, uma cidade, uma sociedade, uma cultura que dá as costas ao conflito, que olha para o mar e se vê como uma bolha europeia, com um elevado nível de vida. E depois há outro Israel, o de cidades pobres como Sderot, que neste momento sofre as consequências da guerra. É aí que está instalada a maior parte dos imigrantes do Norte da África, que são mais sensíveis ao discurso nacionalista, que pensam que aí encontrarão a dignidade perdida – é bastante comum. É um fenômeno que acompanhou Israel desde quase sempre.
Será que esta sociedade israelense fragmentada estaria preparada para pagar o preço das pesadas perdas de soldados que uma ofensiva terrestre em Gaza envolveria e, possivelmente, de uma conflagração regional?
Tel Aviv, claramente, não. A prova vem dos habitantes desta cidade que agora abandonam o país. Eles gostariam especialmente de se livrar de Netanyahu, isso está claro. Já vivemos este fenômeno de forma limitada em 1967, com a emigração de vários milhares de famílias abastadas que sentiam muito medo desta guerra que estava por vir – e que veio.
O ministro das Comunicações, Schlomo Karhi, ameaça processar e confiscar os bens das pessoas suspeitas de “fazer o jogo do inimigo”. O deputado Ofer Cassif foi suspenso do Knesset devido à sua oposição à guerra em Gaza. Como você analisa esses novos excessos autoritários?
Para dar outro exemplo, um advogado palestino acaba de ser excluído da Ordem dos Advogados sem qualquer procedimento, simplesmente por ter publicado uma bandeira palestina numa rede social.
Esta evolução não me surpreende, mas me assusta: a deterioração é brutal, muito rápida. Não existe um núcleo comum de valores. A divisão dentro da sociedade israelense sempre foi profunda, mas esta ainda vai mais longe. Muitas vezes me perguntaram sobre os riscos de uma guerra civil: sempre disse que isso não era possível.
Hoje tenho muito menos certeza. E isso não tem nada a ver com Gaza. Não existem simplesmente dois Israéis sociológicos. Estamos diante de dois projetos sociais irreconciliáveis. Com o governo mais fraco que alguma vez tivemos à frente do país, e Netanyahu incapaz de controlar ministros que para alguns são loucos delirantes.
A este respeito, Itamar Ben Gvir, ministro da Segurança Nacional, tomou a iniciativa de distribuir cerca de 15.000 armas a colonos e civis em cidades mistas. Estará ele à procura de uma conflagração, na Cisjordânia e mesmo em Israel?
Isto reflete o desejo de uma parte significativa da opinião pública e da classe política de completar a Nakba: “Não terminamos o trabalho em 48-49, quem sabe possamos fazê-lo agora”. Os palestinos veem no que está acontecendo em Gaza um desejo de expulsar parte da população deste território para o Sinai...
É um projeto que está nas mentes de alguns líderes israelenses. Há apenas um ou dois anos, eu teria dito: “São sonhos malucos”, mas hoje nada pode ser descartado.
Vou lhe dizer uma coisa muito difícil, mas na qual acredito absolutamente: se acordássemos uma manhã e descobríssemos que não há mais palestinos, nem árabes, nem em Gaza, nem na Cisjordânia, nem em Israel, sem que tivéssemos que fazer nada de errado, sem que tivéssemos que sujar as mãos por isso, o sentimento da maioria dos israelenses seria de alívio. Não é um desejo, é um sonho: é pior. Não é nem um plano, é: “Ah, seria legal…”.
Há também a situação do movimento pacifista israelense, que tirou a sua verdadeira força do seu caráter judaico-árabe. Tínhamos 20% da população conosco. Em 2000, esta frente se desfez e os árabes já não vinham manifestar-se em Tel Aviv. Os judeus foram os porta-vozes, os árabes foram a massa destas manifestações. Os palestinos em Israel dizem-nos: “Se querem manifestar-se, venham conosco. Nós não vamos mais fazer manifestações com vocês”. É uma derrota pesada.
Acha que os Estados Unidos estão prontos para seguir o governo israelense até ao fim, à custa de uma imensa catástrofe humanitária e de uma conflagração regional que leve a um confronto direto com o Irã?
Não sei. Na minha opinião, devemos prestar atenção ao desenvolvimento positivo de uma parte da comunidade judaica americana, que já não se identifica com Israel. A longo prazo, penso que este é um grande problema para Israel. Os Estados Unidos não são mais um aliado incondicional. Eles dizem: “Nós apoiamos você, mas temos uma palavra a dizer”.
Em 2001, você escreveu um livro intitulado Israël-Palestine: Le défi binational (Israel-Palestina: o desafio binacional). Você ainda acredita nesse horizonte?
É importante evitar os mal-entendidos que muitas vezes enfrento. Nunca falei de uma “solução binacional”, mas de um desafio. Aconteça o que acontecer, seja qual for o resultado político – um Estado, uma federação, dois Estados, que ninguém pode prever – há duas entidades, duas comunidades que vivem aí.
Se quisermos uma solução pacífica, estas duas entidades terão de poder existir independentemente do quadro político. E será necessária a igualdade, que é o mais difícil, tendo como ponto de partida uma situação de total desigualdade. Este princípio de igualdade é essencial se quisermos encarar uma verdadeira coexistência.
Quanto à sua forma... O Talmude diz: "Desde a destruição do templo em Jerusalém, a profecia foi dada às crianças e aos simples de espírito". Não sou mais criança e espero não ser simples de espírito... Por isso tomo cuidado para não fazer profecias. Qual será a melhor solução, a longo prazo, não sei.
Na França, qualquer demonstração de solidariedade com os palestinos é confundida com “apologia ao terrorismo”…
A França é um péssimo país, com uma péssima liderança. Não sei mais o que dizer, é realmente o que sinto... Ouvi De Villepin com nostalgia: houve um tempo em que a França tinha algo a dizer ao mundo. Já não é mais o caso.
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“Israel está dividido entre dois projetos sociais irreconciliáveis”. Entrevista com Michel Warschawski - Instituto Humanitas Unisinos - IHU