21 Setembro 2023
O secretário da ONU ataca empresas que tentam bloquear a luta contra as alterações climáticas com o seu dinheiro e influência. Segundo ele, “a era do aquecimento global acabou. A era da ebulição global chegou”.
A reportagem é de Manuel Planelles e María Antonia Sánchez-Vallejo, publicada por El País, 20-09-2023.
Com uma comparação retumbante, António Guterres, secretário-geral da ONU, iniciou esta quarta-feira o seu discurso na reunião do clima que organizou na sede das Nações Unidas, em Nova York. “A humanidade abriu as portas ao inferno”, disse, para sublinhar os efeitos que as alterações climáticas que estão em curso depois do verão boreal mais quente já registado e da sucessão de tremendos incêndios na América do Norte e de poderosas tempestades no Mediterrâneo, às quais alguns estudos já associaram ao aquecimento global.
“O calor terrível terá efeitos terríveis”, lembrou Guterres, referindo-se aos “agricultores angustiados” que veem as suas colheitas serem arrastadas pelas inundações, doenças ligadas às altas temperaturas e “incêndios históricos”. “A ação climática é ofuscada pela magnitude do desafio”, alertou o chefe da ONU.
"Todos estes impactos ocorrem num planeta cerca de 1,2ºC mais quente do que na era pré-industrial. E, embora os países do mundo tenham prometido planos para reduzir as suas emissões de gases do efeito estufa (os responsáveis por esta crise), a soma de todos os esforços não é suficiente e levará a um aquecimento de 2,8ºC neste século. Ou seja, “rumo a um mundo perigoso e instável”, explicou o secretário-geral.
Guterres não só lamentou a falta de ambição dos governos como também visou grandes empresas. Criticou as “promessas obscuras” feitas por algumas empresas que se apresentam comprometidas com as alterações climáticas. Lembrou que, “vergonhosamente” algumas empresas “até tentaram bloquear a transição” para um mundo livre de emissões. Estas empresas usaram o seu dinheiro e influência “para atrasar, distrair e enganar”.
No fim do ano passado, Guterres convocou esta reunião sobre a ação climática para coincidir com a Assembleia Geral da ONU, que se realiza todos os anos em setembro, em Nova York. O objetivo foi divulgar os planos climáticos das nações e cerca de trinta líderes internacionais participaram do evento, incluindo líderes da Alemanha, França, Canadá, Colômbia e Chile. “Temos que aumentar o nosso nível de ambição”, reconheceu o presidente espanhol, Pedro Sánchez, que também falou nesta conferência.
Desta reunião de Nova York não se espera nenhum compromisso que implique uma mudança de direção na trajetória das emissões globais, que continuam sem cair da forma drástica necessária para deixar o aquecimento em 1,5ºC, o limite mais seguro que a ciência estabeleceu. O que se pretende é que o evento desta quarta-feira seja um impulso para a reunião anual do clima, COP28, a ser realizado em dezembro no Dubai e reunirá representantes dos quase 200 países que participam nas negociações sobre o aquecimento global.
Na reunião do Dubai será feita a primeira avaliação oficial do desenvolvimento do Acordo de Paris, assinado em 2015. Embora já se saiba que a humanidade não está no caminho certo para cumprir este tratado neste momento, uma vez que a trajetória do gás, as emissões do efeito estufa levarão a um aquecimento de cerca de 2,8ºC, como lembrou Guterres esta quarta-feira. “Ainda podemos limitar o aumento da temperatura global a 1,5 graus”, disse também.
Mas, para corrigir a trajetória, é essencial desligar a economia mundial dos combustíveis fósseis. “A transição dos combustíveis fósseis para as energias renováveis está a acontecer, mas estamos décadas atrasados”, acrescentou. “Devemos recuperar o tempo perdido”.
Guterres apelou aos principais países emissores, “que mais beneficiaram dos combustíveis fósseis”, para que fizessem esforços adicionais para reduzir as suas emissões dos gases do efeito de estufa. “E aos países ricos para apoiarem as economias emergentes a fazê-lo”, sublinhou. Especificamente, Guterres destacou que é necessário que os países membros da OCDE parem de usar o carvão (o pior dos combustíveis fósseis) em 2030 e o resto das nações em 2040. Além disso, a ajuda pública aos combustíveis fósseis, que um relatório recente do Fundo Monetário Internacional estimado em sete biliões de dólares só em 2022 (cerca de 6,5 bilhões de euros, equivalente a 7,1% do PIB global).
O secretário-geral da ONU também apelou aos países para que estabeleçam “objetivos ambiciosos em matéria de energias renováveis”. Na última reunião do G-20, as principais economias mundiais concordaram em triplicar a implantação de energias renováveis até 2030. Na reunião do Dubai espera-se que este objetivo possa ser impulsionado. Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, salientou isto no seu discurso na reunião organizada por Guterres, onde destacou que a União Europeia está empenhada no objetivo de triplicar a energia renovável até 2030 e em promover este objetivo global. Sánchez também apoiou este objetivo e destacou a importância de avançar na tributação internacional que também favoreça a luta contra as alterações climáticas.
Guterres enfatizou a importância da justiça climática. Ele referiu-se ao direito que muitos países pobres têm de estar zangados por estarem “sofrendo mais com uma crise climática” pela qual não são responsáveis. Até porque a ajuda financeira que lhes foi prometida não se concretizou e pelo elevado endividamento que sofrem. A anterior reunião do clima, realizada no fim de 2022 na cidade egípcia de Sharm el Sheikh, encerrou com o compromisso de criar um fundo para as nações mais vulneráveis para que possam enfrentar as perdas e danos que as mudanças climáticas geram e irão gerar. Guterres exigiu nesta quarta-feira que este fundo seja colocado em funcionamento na COP28 (algo que concentrará parte das negociações mais duras da reunião de Dubai). Além disso, o secretário-geral lembrou que os países desenvolvidos se comprometeram a mobilizar 100 mil milhões de dólares (cerca de 93,4 mil milhões de euros) por ano em financiamento climático para as nações em desenvolvimento. Embora o compromisso fosse para 2020, esse valor ainda não foi atingido. Guterres também pediu que todos os países sejam “cobertos” por sistemas de alerta precoce até 2027, essenciais para evitar tragédias como a da Líbia.
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“A humanidade abriu as portas do inferno”, alerta António Guterres, secretário-geral da ONU - Instituto Humanitas Unisinos - IHU