14 Julho 2023
O Papa Francisco espera que as pessoas escolhidas para a assembleia do Sínodo em outubro possam ajudar a mover o catolicismo de seu paradigma europeu para se tornar uma Igreja verdadeiramente global.
O comentário é do historiador italiano Massimo Faggioli, professor da Villanova University, nos Estados Unidos. O artigo foi publicado por La Croix International, 13-07-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Segundo ele, "o Sínodo sobre a Sinodalidade é um momento-chave na tentativa do Papa Francisco de fazer a transição da Igreja Católica para um catolicismo mais global".
"O Vaticano II - assinala Faggioli - ocorreu em grande parte graças a uma nouvelle théologie da Europa ocidental. Agora, a Igreja Católica sinodal está nas mãos de uma teologia católica global, cujos contornos estão ganhando forma e tentando encontrar uma voz unificadora".
A assembleia de 2023 do Sínodo dos Bispos, que ocorrerá de 4 a 29 de outubro em Roma, será a mais importante reunião da Igreja Católica desde o Concílio Vaticano II (1962-1965). Ela será precedida por um consistório no dia 30 de setembro, quando o Papa Francisco criará 21 novos cardeais. Ambos os eventos são indicativos de como são altos os riscos para a Igreja nos próximos meses.
As assembleias sinodais anteriores também foram muito importantes, especialmente as reuniões iniciais durante o pontificado de Paulo VI, a assembleia de 1985 sob João Paulo II para marcar o 20º aniversário do Concílio e as assembleias convocadas por Francisco em 2014-2015 sobre a família e o matrimônio.
Mas nenhuma dessas assembleias anteriores foi sobre o futuro do próprio Sínodo e nenhuma delas tinha entre suas prioridades “alargar o espaço” da Igreja, que era o título do documento para as reuniões sinodais continentais, que ajudaram a preparar a assembleia deste mês de outubro.
A lista recentemente revelada das pessoas que foram escolhidas para participar da próxima assembleia oferece algumas pistas sobre como o Sínodo – que Francisco está continuamente reformando – encarna (ou não encarna) a Igreja Católica global hoje.
Foi observado como o papa fez um trabalho impressionante ao tentar encontrar um equilíbrio ao nomear pessoalmente os membros para a assembleia, que compensarão os delegados que algumas conferências episcopais elegeram (vejam-se os casos semelhantes e opostos dos Estados Unidos e da Alemanha).
As únicas pessoas que são realmente eleitas para a assembleia do Sínodo são os delegados das conferências episcopais e os superiores das congregações religiosas. Estes últimos são eleitos pelas duas uniões de superiores gerais (masculinos e femininos) com sede em Roma.
Outros membros da assembleia sinodal (incluindo 54 mulheres que terão pleno direito a voto pela primeira vez na história) foram avaliados e aprovados pela Secretaria do Sínodo e pelo papa, que já deixaram claro que a sinodalidade é algo diferente (mas não necessariamente oposto) à democracia. Não basta ser católico “em boa posição” para ser nomeado membro. É preciso também ser “patrocinado”, ter grande estima e estar na lista de quem tem o poder de propor um nome àqueles que têm autoridade para nomear.
Há características desta assembleia do Sínodo de 2023 que também são importantes a partir de um ponto de vista sistêmico. O Sínodo dos Bispos (ainda seu nome oficial) não faz parte da Cúria Romana. No entanto, os prefeitos dos principais dicastérios da Cúria são membros votantes ex officio das assembleias do Sínodo, e suas vozes serão ouvidas com particular atenção neste mês de outubro pelos demais membros.
Mas haverá muito mais cardeais do que apenas aqueles que trabalham no Vaticano. Sessenta e três homens com barretes vermelhos serão membros da próxima assembleia. Cinquenta e cinco deles estavam na lista de participantes que a secretaria revelou no dia 7 de julho. Outros oito dessa lista estão entre os 21 novos cardeais que Francisco anunciou no dia 9 de julho (incluindo os três prefeitos recém-nomeados de dicastérios romanos: Robert Prevost, do Dicastério para os Bispos, Claudio Gugerotti, do Dicastério para as Igrejas Orientais, e Víctor Manuel Fernández, do Dicastério para a Doutrina da Fé).
Francisco reuniu todo o Colégio dos Cardeais para discussões aprofundadas em um consistório extraordinário apenas duas vezes em dez anos (em fevereiro de 2014 e em agosto de 2022). E, assim, as duas assembleias do Sínodo sobre sinodalidade (2023 e 2024) serão raras ocasiões em que muitos dos cardeais eleitores no próximo conclave terão a oportunidade de conversar e trabalhar juntos por um período prolongado de tempo – cada uma das vezes durante um mês inteiro.
Muitos papáveis – aqueles que são considerados os principais candidatos para suceder o papa de quase 87 anos de idade – estarão nessas assembleias do Sínodo. Mas haverá uma notável exceção – o cardeal Peter Erdö, arcebispo de Esztergom-Budapeste e primaz da Hungria. No entanto, ele desempenhou um papel importante como relator geral nas assembleias sobre o matrimônio e a família de 2014-2015.
Prefeitos e cardeais da Cúria Romana à parte, o Sínodo sobre a Sinodalidade tem alguns representantes preeminentes que dominarão a composição da assembleia em termos numéricos. Obviamente, os bispos eleitos pelas conferências episcopais foram originalmente nomeados a seus cargos diocesanos por Francisco ou por um de seus antecessores. Os papas nem sempre nomeavam os bispos em todo o mundo. Esse é um lembrete de que o “novo” Sínodo que Francisco está tentando moldar é um experimento no desenvolvimento do “Sínodo dos Bispos” que Paulo VI criou em setembro de 1965 no início da quarta e última sessão do Vaticano II.
Há também uma forte representatividade das ordens religiosas atuantes no mundo, especialmente em questões sociais, embora vastamente superadas em número pelos cardeais e bispos. A característica mais interessante é a significativa presença do pensamento teológico proveniente de outros lugares além da Europa ocidental. É mais proeminente do que no Concílio Vaticano II ou em qualquer uma das assembleias sinodais anteriores. Há uma robusta representatividade da África, da Ásia e, especialmente, da América Latina, que é o principal exemplo de sinodalidade, tanto em termos de prática eclesial quanto de reflexões teóricas.
A decisão de dar a cada um dos continentes dez “testemunhas do processo sinodal” – todos membros votantes da assembleia – reflete a opção de Francisco em favor da diversidade e da inclusão. Mas isso também significa que a América Latina e a África (com o maior número de católicos) têm o mesmo número de testemunhas que o Oriente Médio e as Igrejas orientais. É muito interessante o fato de a Europa oriental estar intencionalmente representada de uma forma muito forte, se olharmos, por exemplo, para a escolha do papa das dez “testemunhas” da Europa. Isso é notável, dadas as grandes diferenças dentro da Europa que surgiram nas fases anteriores, sobre questões como a recepção do Vaticano II ou sobre como lidar com questões como a inclusão de pessoas LGBTQ.
Há algumas ausências notáveis ou, melhor, presenças que são marginais em relação ao papel que têm desempenhado na história da Igreja e nos debates intraeclesiais atuais. Por exemplo, há muito poucos párocos e diáconos permanentes, aqueles que estão na linha de frente da sinodalidade. Mas um problema é como escolher clérigos que representem seus coirmãos.
Os movimentos eclesiais dirigidos por leigos e leigas também parecem estar ausentes, exceto por três movimentos associativos (principalmente leigos) – um é italiano (Azione Cattolica), outro é uma iniciativa espanhola (Frater España – Fraternidad Cristiana de Personas con Discapacidad), e o terceiro é o movimento internacional dos Focolares (também de origem italiana).
Há também um representante de uma ONG italiana chamada Mediterranea Saving Humans, criada em 2018 para ajudar no resgate de migrantes no mar. Mas essa inclusão é diferente, porque, formalmente, não é um movimento ou organização católica.
A pequena representatividade dos movimentos leigos e das novas comunidades eclesiais pode refletir a política do papa e do cardeal Kevin Farrell – prefeito do Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida – de manter um olho atento sobre esses grupos.
Movimentos católicos progressistas com uma pauta de mudança (por exemplo, a promoção da ordenação de mulheres) também não estão representados em um número significativo na assembleia de outubro. Eles terão que estar pelos corredores de Roma e abrir espaço no chamado “perissínodo”, que provavelmente consistirá em palestras de especialistas, coletivas de imprensa e eventos midiáticos não convencionais. Essa atividade às margens foi um aspecto muito importante no Vaticano II.
De acordo com os documentos preparatórios, a próxima assembleia sinodal também debaterá o diaconato para as mulheres, mas não está claro como a discussão se relacionará com as duas comissões de estudo que Francisco nomeou sobre o assunto. O Instrumentum laboris (documento de trabalho) para o próximo Sínodo, que foi publicado em 20 de junho, parecia ser mais um documento para uma Igreja de pessoas celibatárias. Não está claro como a voz das famílias será ouvida na próxima assembleia. No entanto, o mundo das comunidades monásticas e contemplativas parece estar ausente, pelo menos em termos de membros fisicamente presentes no Sínodo (embora tenham sido convidados a estar espiritualmente presentes por meio de suas orações).
Algo que deveria aliviar a ansiedade das pessoas que veem o Sínodo como um cavalo de Troia destinado a provocar algum tipo de revolução liberal na Igreja é o fato de que representantes da teologia católica acadêmica dos Estados Unidos e da Alemanha estão quase totalmente ausentes. Comparativamente falando, teólogos do Reino Unido, Irlanda, Canadá e Austrália estão mais presentes.
Isso diz algo sobre o que está acontecendo no catolicismo anglo-americano e sugere que as experiências vitais da sinodalidade concebida ante litteram em outros lugares (como o Concílio Plenário na Austrália) posicionaram bem essas Igrejas para o Sínodo em Roma. Isso confirma o distanciamento quase total entre o processo sinodal e a teologia ensinada e pesquisada nas mais importantes instituições católicas de Ensino Superior dos Estados Unidos, pelo menos por enquanto.
As grandes faculdades teológicas do catolicismo alemão desempenharam um papel no processo sinodal, mas elas não têm ninguém entre os membros da assembleia do Sínodo de 2023. Essa é uma grande mudança em relação ao passado, inclusive em relação ao Vaticano II. Mas alguns dos teólogos mais proeminentes da sinodalidade estarão no encontro de outubro. Outros, que trabalharam sobre esse tema nos últimos 30 anos e tornaram possível o próprio fato de falarmos sobre isso hoje, não estarão. Mas o trabalho deles e delas esteve e estará muito presente – explícita e implicitamente – nos debates sinodais em Roma ao longo dos próximos dois anos e nas assembleias.
Um comentário recente, muito crítico sobre a lista de membros, lamentava que “ainda não está claro se o processo será necessariamente mais representativo do Povo de Deus, incluindo os acadêmicos católicos, os empregados diocesanos e os membros das equipes de paróquias progressistas atípicas”. O fato é que o Povo de Deus está por toda parte, e tornou-se impossível que qualquer reunião ou instituição seja “politicamente” representativa de um corpo grande e diverso. E, no mundo de hoje, dificilmente existe uma comunidade de pessoas tão grande e diversa quanto a Igreja Católica.
A lista dos que participarão da assembleia do Sínodo de 2023 tem limites e inclui algumas escolhas estranhas, mas não constitui um roteiro pré-escrito a ser seguido. A característica mais importante é que, de um ponto de vista histórico, olhando para as presenças e para as ausências, o Sínodo sobre a Sinodalidade é um momento-chave na tentativa do Papa Francisco de fazer a transição da Igreja Católica para um catolicismo mais global.
O Vaticano II ocorreu em grande parte graças a uma nouvelle théologie da Europa ocidental. Agora, a Igreja Católica sinodal está nas mãos de uma teologia católica global, cujos contornos estão ganhando forma e tentando encontrar uma voz unificadora.
Evento IHU.
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O que a lista dos membros do Sínodo nos diz sobre o estado atual da Igreja. Artigo de Massimo Faggioli - Instituto Humanitas Unisinos - IHU