21 Junho 2023
“Como podemos criar espaços onde aqueles que se sentem feridos pela Igreja e indesejados pela comunidade possam se sentir reconhecidos, acolhidos, não julgados e livres para fazer perguntas? À luz da exortação apostólica pós-sinodal Amoris laetitia, que passos concretos são necessários para ir ao encontro das pessoas que se sentem excluídas da Igreja por causa de sua afetividade e sexualidade (por exemplo, divorciados recasados, pessoas em um casamento polígamo, pessoas LGBTQ+, etc.)?". Essa é uma das questões a que vai ter de responder a primeira sessão do Sínodo dos bispos que acontecerá de 4 a 29 de outubro de 2023.
A reportagem é de Francesco Antonio Grana, publicada por Il Fatto Quotidiano, 20-06-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
A assembleia, que pela primeira vez contará também a participação de leigos, tanto homens como mulheres, com direito de voto, terá como tema Por uma Igreja sinodal: comunhão, participação, missão. O Sínodo, que terminará em outubro de 2024, às vésperas do Jubileu de 2025, foi precedido por uma ampla e capilar consulta bienal envolvendo paróquias, dioceses, nações e continentes. Uma consulta que também levou em consideração a opinião de crentes de outras confissões religiosas e não crentes que quiseram dar a sua contribuição para esse caminho sobre o futuro da Igreja Católica.
“Os documentos finais das assembleias continentais – lê-se no instrumentum laboris, ou seja, o documento preparatório do Sínodo dos Bispos – mencionam frequentemente aqueles que não se sentem acolhidos na Igreja, como os divorciados e recasados, as pessoas em casamento polígamo ou as pessoas LGBTQ+”. A partir disso, terão de ser feitas propostas concretas para testemunhar aquela inclusão eclesial sempre fortemente reiterada pelo Papa Francisco que quis o processo sinodal. Sobre esse ponto, de fato, Bergoglio dirigiu muitas vezes convites para o respeito e o acolhimento de cada pessoa, protegendo também seus direitos legítimos. Bastante significativa foi sua primeira e histórica abertura poucos meses depois de sua eleição ao pontificado: "Se uma pessoa é gay e busca o Senhor e tem boa vontade, quem sou eu para julgá-la?". Aberturas sempre reafirmadas em mais de dez anos de pontificado, mas que muitas vezes se chocaram com vergonhosos episódios de intolerância e racismo dentro da Igreja contra pessoas homossexuais. Agora caberá ao Sínodo dar respostas concretas.
Muitos são os temas que serão examinados. Será uma oportunidade para uma avaliação sobre o sacerdócio, especialmente diante da grave crise vocacional que o catolicismo está vivendo: "É possível, como alguns continentes estão propondo, iniciar uma reflexão sobre a possibilidade de revisar, pelo menos em algumas áreas, a disciplina sobre o acesso ao sacerdócio para homens casados?". Amplo espaço também ao papel das mulheres na Igreja. Uma questão que vem sendo discutida há muito tempo, mas sempre sem propostas concretas e incisivas. “As mulheres – lê-se no documento preparatório – desempenham um papel de primeiro plano na transmissão da fé, nas famílias, nas paróquias, na vida consagrada, nas associações, movimentos e instituições leigas, e como professoras e catequistas. Como podemos reconhecer, apoiar e acompanhar a sua já notável contribuição? Como valorizá-la para aprender a ser uma Igreja cada vez mais sinodal?”. E ainda: “Todas as assembleias continentais pedem para abordar a questão da participação das mulheres no governo, nos processos de tomada de decisão, na missão e nos ministérios em todos os níveis da Igreja, com o apoio de estruturas adequadas para que isso não fique apenas como uma aspiração geral". Sem esquecer as violências que escandalosamente emergiram nos últimos anos: "Assim como na vida consagrada as mulheres podem ser melhor representadas na governança e nos processos de tomada de decisão, melhor protegidas de formas de abuso e também remuneradas de forma mais justa pelo seu trabalho?”. Com uma indicação já muito concreta: “A maioria das assembleias continentais e as sínteses de numerosas conferências episcopais pedem que se considere novamente a questão do acesso das mulheres ao diaconato. É possível prevê-lo e de que forma?”. Uma hipótese já há muito avaliada por Francisco.
No documento preparatório, consta ainda um importante mea culpa sobre a pedofilia do clero. “Em muitas regiões – lê-se no texto – as Igrejas são profundamente afetadas pela crise dos abusos: sexuais, de poder e de consciência, econômicos e institucionais. Trata-se de feridas abertas, cujas consequências ainda não foram totalmente enfrentadas. Ao pedido de perdão dirigido às vítimas dos sofrimentos causados, a Igreja deve associar o crescente empenho de conversão e de reforma para evitar que situações semelhantes voltem a acontecer no futuro". E ainda: "Em muitos contextos, as crises ligadas aos abusos sexuais, econômicos, de poder e de consciência levaram a Igreja a um exigente exame de consciência porque, sob a ação do Espírito Santo, não pare de se renovar, num caminho de arrependimento e de conversão que abre percursos de reconciliação, cura e justiça". Já chegaram indicações concretas da consulta que precedeu o Sínodo: "Os documentos das assembleias continentais observam que é necessário manter o vínculo entre conversão sinodal e cuidado das vítimas e das pessoas marginalizadas dentro da Igreja; em particular, colocam grande ênfase na necessidade de aprender a exercer a justiça como forma de acolhimento aqueles que foram feridos por membros da Igreja, especialmente vítimas e sobreviventes de todas as formas de abuso”.
Mas o caminho ainda é muito longo: “Como podemos continuar a dar passos concretos para oferecer justiça a vítimas e sobreviventes de abusos sexuais, espirituais, econômicos, de poder e de consciência cometidos por pessoas que exerciam um ministério ou um ofício eclesial?”. Sem esquecer que "em numerosas regiões, a confiança nos ministros ordenados, naqueles que exercem ofícios eclesiais, nas instituições eclesiais e na Igreja como um todo é abalada pelas consequências do escândalo dos abusos cometidos por membros do clero ou por pessoas que desempenhavam um cargo eclesial: em primeiro lugar e acima de tudo os abusos de menores e pessoas vulneráveis, mas também os abusos de outro tipo (espiritual, sexual, econômico, de autoridade, de consciência). Trata-se de uma ferida aberta que continua a infligir dor às vítimas e aos sobreviventes, às suas famílias e às suas comunidades”. Disso a pergunta que os padres e madres sinodais terão de responder: "Como podem uma concepção do ministério ordenado e uma formação de candidatos mais enraizada na visão da Igreja sinodal missionária contribuir para o empenho de evitar a repetição de abusos sexuais e de qualquer outro tipo?”.
Existe, além disso, um problema que diz respeito à hierarquia: “As assembleias continentais também relatam fenômenos de apropriação de poder e dos processos de tomada de decisão por parte de alguns que ocupam cargos de autoridade e responsabilidade. A esses fenômenos associam a cultura do clericalismo e as diversas formas de abuso (sexual, financeiro, espiritual e de poder), que corroem a credibilidade da Igreja comprometendo a eficácia da sua missão, sobretudo naquelas culturas onde o respeito pela autoridade é um valor importante". Por isso, “o pedido de uma reforma de estruturas e instituições e mecanismos de funcionamento no sentido da transparência é particularmente forte nos contextos mais marcados pela crise dos abusos (sexuais, econômicos, espirituais, psicológicos, institucionais, de consciência, de poder, de jurisdição). Parte do problema é muitas vezes a inadequação da gestão dos casos de abuso e isso chama em causa os mecanismos e procedimentos de funcionamento das estruturas e instituições, além da mentalidade das pessoas que nelas operam. A perspectiva de transparência e da corresponsabilidade também desperta temores e resistências; por isso é necessário aprofundar o diálogo, criando oportunidades de partilha e discussão em todos os níveis”.
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O papel das mulheres, LGBTQI+, padres casados e abusos: o Sínodo dos Bispos reflete sobre o futuro da Igreja - Instituto Humanitas Unisinos - IHU