09 Junho 2023
"Em vez de entrar na Terceira Guerra Mundial como sonâmbulos ou assistir silenciosamente a essa perda de vidas sem sentido, estamos construindo um movimento global de base para apoiar as iniciativas de líderes de todo o mundo que ajudarão a pôr um fim a esta guerra rapidamente e conduzir a uma paz estável e duradoura. Junte-se a nós".
O convite é de Medea Benjamin e Nicolas JS Davies, autoras de War in Ukraine: Making Sense of a Senseless Conflict, publicado pela OR Books em novembro de 2022, em artigo publicado por Chiesa di tutti, chiesa dei poveri, 07-06-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Medea Benjamin é cofundadora do CODEPINK for Peace e autora de vários livros, entre os quais All’interno dell’Iran: la vera storia e la politica della Repubblica islamica dell’Iran.
Nicolas JS Davies é uma jornalista independente, pesquisadora do CODEPINK. CODEPINK é uma organização de mulheres estadunidenses, nascida em 2002 em oposição à guerra contra o Iraque, e luta contra o militarismo da política dos EUA e contra a guerra.
Enquanto a OTAN e a Europa criam obstáculos para as negociações, a grande maioria dos povos e uma parte da própria sociedade estadunidense reivindicam a passagem para a diplomacia. A cúpula de Hiroshima.
A decisão inicial dos Estados Unidos e dos países membros da OTAN de ajudar a Ucrânia a resistir à invasão russa teve amplo apoio da opinião pública. No entanto, a natureza da guerra e o papel dos Estados Unidos mudaram quando as negociações de paz inicialmente promissoras foram paralisadas e se escolheu prolongar deliberadamente o conflito, tornando-o uma oportunidade para pressionar a Rússia e enfraquecê-la, tornando assim os líderes ocidentais partes ativas em uma guerra na qual, no entanto, não colocam suas próprias forças em jogo.
Quando o Japão convidou os líderes do Brasil, Índia e Indonésia para participar da cúpula do G7 em Hiroshima (19 a 21 de maio de 2023), acenderam-se vislumbres de esperança de que seria um fórum no qual essas potências emergentes do hemisfério sul poderiam discutir sua posição a favor da paz na Ucrânia com os ricos países ocidentais do G7 aliados militarmente com a Ucrânia e até agora refratários às políticas de paz.
Mas não foi assim. Os líderes do Sul Global foram forçados a sentar e ouvir enquanto seus anfitriões expunham seus últimos planos de endurecer as sanções contra a Rússia e aumentar o nível da guerra com o envio de aviões F-16 fabricados nos EUA para a Ucrânia.
A cúpula do G7 contrastou fortemente com os esforços de líderes de todo o mundo que buscam acabar com o conflito. No passado, os líderes da Turquia, Israel e Itália se apresentaram para tentar uma mediação. Seus esforços deram frutos em abril de 2022, mas foram bloqueados pelo Ocidente, em particular pelos Estados Unidos e Reino Unido, que não queriam que a Ucrânia estipulasse de forma independente um acordo de paz com a Rússia.
Agora que a guerra se arrasta há mais de um ano sem um fim à vista, outros líderes se manifestaram para tentar empurrar os dois lados para a mesa de negociações. Em um novo desenvolvimento intrigante, a Dinamarca, que é um país da OTAN, se ofereceu para sediar negociações de paz. Em 22 de maio, poucos dias após a reunião do G-7, o ministro das Relações Exteriores da Dinamarca, Lokke Rasmussen, disse que seu país estaria pronto para sediar uma cúpula de paz em julho se a Rússia e a Ucrânia concordassem em conversar.
“Devemos trabalhar para construir um compromisso global para organizar tal encontro”, afirmou Rasmussen, argumentando que isso exigiria o apoio da China, Brasil, Índia e outras nações que expressaram interesse em mediar em vista das negociações de paz. Ter um membro da UE e da OTAN promovendo as negociações poderia representar uma mudança na forma como os europeus veem o caminho a seguir na Ucrânia.
Uma reflexão sobre essa mudança também foi feita por um relatório de Seymour Hersh, que cita fontes dos serviços secretos dos EUA, segundo o qual os dirigentes da Polônia, República Checa, Hungria e dos três Estados Bálticos, todos membros da OTAN, estão conversando com o Presidente Zelenskyy sobre a necessidade de acabar com a guerra e começar a reconstruir a Ucrânia para que os 5 milhões de refugiados que agora vivem em seus países possam começar a voltar para casa. Em 23 de maio, o presidente húngaro de direita, Viktor Orbán, declarou que "levando em conta o fato de que a OTAN não pretende enviar tropas", era óbvio que não haveria "vitória para os pobres ucranianos no campo de batalha" e que a única maneira para acabar com o conflito seria que Washington negociasse com a Rússia.
Enquanto isso, a iniciativa de paz da China avançou, apesar da apreensão dos EUA. Li Hui, representante especial da China para assuntos da Eurásia e ex-embaixador na Rússia, reuniu-se com Putin, Zelenskyy, o ministro das Relações Exteriores da Ucrânia, Dmytro Kuleba, e outros líderes europeus para promover o diálogo. Dada a sua posição de principal parceiro comercial da Rússia e da Ucrânia, a China está em uma boa posição para se empenhar com ambos os lados.
Outra iniciativa partiu do presidente Lula da Silva, do Brasil, que está criando um "clube da paz" de países de todo o mundo para trabalharem juntos na resolução do conflito na Ucrânia. Ele nomeou o famoso diplomata Celso Amorim como seu enviado de paz. Amorim foi ministro das Relações Exteriores do Brasil de 2003 a 2010 e foi eleito o "melhor ministro das Relações Exteriores do mundo" pela revista Foreign Affairs. Ele também foi ministro da Defesa do Brasil de 2011 a 2014 e agora é o principal assessor de política externa do presidente Lula. Amorim já teve encontros com Putin em Moscou e com Zelenskyy em Kiev, e foi bem recebido por ambas as partes.
Em 16 de maio, o presidente sul-africano Cyril Ramaphosa e outros líderes africanos entraram na confusão, manifestando a seriedade com que esta guerra está afetando a economia global por meio do aumento dos preços da energia e dos alimentos. Ramaphosa anunciou uma missão de alto nível de seis presidentes africanos, liderada pelo presidente Macky Sall, do Senegal. Ele foi até recentemente presidente da União Africana e nessa posição, defendeu com veemência a paz na Ucrânia na Assembleia Geral das Nações Unidas em setembro de 2022.
Os outros membros da missão são os presidentes Nguesso do Congo, Al-Sisi do Egito, Musevini de Uganda e Hichilema da Zâmbia. Os líderes africanos pedem um cessar-fogo na Ucrânia, seguido de negociações sérias para chegar a "um quadro para uma paz duradoura". O secretário-geral da ONU, Guterres, foi informado sobre seus planos e "recebeu favoravelmente a iniciativa".
O Papa Francisco e o Vaticano também estão tentando mediar o conflito. “Não vamos nos acostumar com conflitos e violência. Não vamos nos acostumar com a guerra”, disse o Papa. O Vaticano já contribuiu para facilitar o sucesso das trocas de prisioneiros entre a Rússia e a Ucrânia, e a Ucrânia pediu a ajuda do Papa para reunir as famílias que foram separadas pelo conflito. Um sinal do empenho do Papa é a nomeação do veterano negociador cardeal Matteo Zuppi como seu enviado de paz. Zuppi foi fundamental na intermediação das negociações que acabaram com as guerras civis na Guatemala e em Moçambique.
Alguma dessas iniciativas dará frutos? A possibilidade de conseguir um diálogo entre a Rússia e a Ucrânia depende de muitos fatores, incluindo sua percepção dos ganhos potenciais diante da continuação dos combates, sua capacidade de manter suprimentos de armas adequados e o crescimento da oposição interna. Mas também depende da pressão internacional, razão pela qual esses esforços externos são tão críticos e motivo pelo qual a oposição dos Estados Unidos e dos países da OTAN às negociações deve ser revertida de alguma forma.
A rejeição ou negativa dos EUA pelas iniciativas de paz ilustra a distância entre duas abordagens diametralmente opostas para a solução das controvérsias internacionais: diplomacia contra a guerra. Também ilustra a desconexão entre o crescente sentimento público contra a guerra e a determinação dos políticos estadunidenses de prolongá-la, incluindo a maioria dos democratas e republicanos.
Um crescente movimento de base nos Estados Unidos está trabalhando para mudar a situação.
Em maio, especialistas em política externa e ativistas de base publicaram anúncios pagos no New York Times e no The Hill para exortar o governo dos Estados Unidos a agir como uma força para a paz. O anúncio publicado pelo The Hill foi endossado por 100 organizações em todo o país, e os líderes das comunidades se organizaram em dezenas de distritos congressuais para entregar esse anúncio a seus representantes.
Os líderes religiosos, dos quais mais de 1.000 assinaram uma carta ao presidente Biden em dezembro pedindo uma trégua natalícia, estão mostrando seu apoio à iniciativa de paz do Vaticano.
A Conferência dose Prefeitos dos EUA, uma organização que representa cerca de 1.400 cidades em todo o país, adotou por unanimidade uma resolução pedindo ao presidente e ao Congresso que "maximizem os esforços diplomáticos para acabar com a guerra o mais rápido possível, colaborando com a Ucrânia e a Rússia para chegar a um acordo imediato", um cessar-fogo e negociações com concessões mútuas em conformidade com a Carta das Nações Unidas, sabendo que os riscos de uma guerra mais ampla aumentam quanto mais tempo a guerra durar.
Os principais líderes ambientalistas dos EUA reconheceram como esta guerra está sendo desastrosa para o meio ambiente, considerando a possibilidade de uma guerra nuclear catastrófica ou uma explosão em uma usina nuclear, e enviaram uma carta ao presidente Biden e ao Congresso pedindo um acordo negociado.
Nos dias 10 e 11 de junho, ativistas estadunidenses se juntarão a pacificadores de todo o mundo em Viena, na Áustria, para uma cúpula internacional de paz na Ucrânia.
Alguns dos candidatos presidenciais, tanto democratas quanto republicanos, apoiam uma paz negociada na Ucrânia, entre os quais Robert F. Kennedy e Donald Trump.
Os nossos líderes devem esperar até que uma guerra assassina de desgaste mate toda uma geração de ucranianos e deixe a Ucrânia em uma posição de negociação mais fraca do que em abril de 2022 antes de atender ao apelo internacional por um retorno à mesa de negociações?
Ou os nossos líderes devem nos levar à beira da Terceira Guerra Mundial, com todas as nossas vidas em jogo em uma guerra nuclear total, antes de permitir um cessar-fogo e uma paz negociada?
Em vez de entrar na Terceira Guerra Mundial como sonâmbulos ou assistir silenciosamente a essa perda de vidas sem sentido, estamos construindo um movimento global de base para apoiar as iniciativas de líderes de todo o mundo que ajudarão a pôr um fim a esta guerra rapidamente e conduzir a uma paz estável e duradoura. Junte-se a nós.
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O mundo pede a paz. Como acabar com a guerra na Ucrânia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU