19 Abril 2023
"Há uma lei na Igreja: sofre-se pela Igreja de hoje e é-se beatificado pela Igreja de amanhã. Francisco, recebendo Gaillot no Vaticano em 2015, disse-lhe: 'Nós somos irmãos'. E isso significava não apenas irmãos no episcopado, mas no sofrimento", escreve Enzo Bianchi, fundador da Comunidade de Bose, em artigo publicado por La Repubblica, 17-04-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
A morte por câncer do bispo Jacques Gaillot, já octogenário, torna-se para nós uma oportunidade para apresentar perguntas para a Igreja, para nós católicos e para aqueles que buscam caminhos de veracidade e justiça. Muitos se esqueceram de quem foi Gaillot: um bispo francês, à frente da diocese de Évreux desde 1982, brutalmente deposto pelo Papa João Paulo II do exercício episcopal por sua diferença de posições eclesiais e morais em relação ao magistério intransigente que dominava naqueles anos na Igreja Católica.
Ele vinha de um catolicismo rígido, mas tinha vivido uma conversão ao ir ao encontro dos pobres, dos imigrantes, dos sem-papéis, os descartados da sociedade. Antes que as periferias se tornassem um tema evocado na evangelização, ele as havia eleitas como destinatárias do Evangelho. Nesse sentir amplo da missão cristã não podia deixar de colocar o problema dos casais divorciados mas firmes na fé, de uma pastoral cega e sem misericórdia para quem tem uma mesma orientação sexual e tenta vias de amor.
Ele queria uma Igreja diferente, olhava a humanidade como uma fraternidade. Sim, o Bispo Gaillot se sentou à mesa dos pecadores sem se sentir imune às fragilidades humanas, partilhadas com realismo e humildade, e soube tomar a palavra em nome da justiça. Voz solitária, se separou do coro dos bispos que aceitam os armamentos nucleares e assumiu a defesa dos objetores de consciência. Eu conheci Gaillot porque era amigo do abade Pierre, quando estávamos juntos numa ocupação parisiense, no meio dos rejeitados pela sociedade e pela Igreja.
Pedia transparência, e aos seus coirmãos bispos que lhe diziam: “Jacques, é demais”, respondia: “Digam-me onde está o meu erro... o que estou dizendo contra o Evangelho...”. E assim também foi no confronto com o ex-ministro do Interior, Charles Pasqua, e sua política restritiva sobre a imigração, Gaillot é chamado a Roma, onde não se encontra com o Papa, mas com o Cardeal Gantin. Este lhe comunica que foi deposto do cargo de bispo e lhe é confiada a diocese de Partenia, na Argélia, sem fiéis nem território, uma igreja que não existe mais há quinze séculos. Gaillot torna-se o bispo daqueles de fora - "bispo dos pagãos", é chamado - e continua seu ministério episcopal com uma pastoral evangelizadora digital alcançando as periferias mais extremas. Sem rancor, sem ódio, persevera no ministério da palavra libertadora do Evangelho.
Depois, eis que chega o Papa Francisco: os pedidos de Francisco estavam em sintonia com aqueles de Gaillot.
Julgado antes um rebelde, nos tempos de Francisco pareceria um exemplar “bispo de rua”.
Muito cedo ousou falar?
Há uma lei na Igreja: sofre-se pela Igreja de hoje e é-se beatificado pela Igreja de amanhã.
Francisco, recebendo Gaillot no Vaticano em 2015, disse-lhe: "Nós somos irmãos". E isso significava não apenas irmãos no episcopado, mas no sofrimento.
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Gaillot, bispo dos últimos. Artigo de Enzo Bianchi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU