17 Abril 2023
Bispo de Evreux, ele havia sido exonerado de suas funções pelo Vaticano em 1995, após repetidas tomadas de posição que a Igreja da França considerava hostis. Jaques Gaillot morrei na quarta-feira, 12 de abril, em Paris, aos 87 anos, conforme anunciou a Conferência Episcopal Francesa.
O jornalista especialista em temas religiosos Henri Tincq, falecido em 29 de março de 2020, havia deixado este retrato biográfico de Jacques Gaillot.
O artigo de Henri Tincq é publicado por Le Monde, 13-04-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Bispo emérito de Evreux, afastado do cargo pelo Vaticano em 1955, Jacques Gaillot continuou sua luta em favor dos sem-teto, dos sem-documentos, dos refugiados e de profundas reformas na Igreja. Nunca um bispo francês havia encarnado tão bem o papel de “sinal de contradição” exigido de um cristão. Nas décadas de 1980 e 90, a história da Igreja da França se resume à polarização em torno do nome desse bispo anticonformista, iconoclasta e provocador, que entusiasma ou irrita, figura marginal no episcopado, sempre engajado na defesa dos marginalizados da sociedade.
As polêmicas que suscitou e a seu afastamento têm a ver com o papel de bispo: basicamente, deve seguir a disciplina da Igreja a que pertence ou, como pede o exemplo de Cristo, deve dar prioridade aos excluídos e aos pobres?
Para Jacques Gaillot, não há dúvida na resposta. Pretende ser "o bispo dos outros", título de um de seus livros: a tarefa do bispo não é tanto cuidar daqueles 1% ou 2% que vão à missa, mas sim daqueles que nunca colocam o pé na igreja. Ele não merecia ser "santificado", mas nada poderia justificar as campanhas de ódio e denúncia feitas contra ele até em Roma pelas coortes conservadoras da Igreja.
O "caso Gaillot" começa com sua nomeação em 1982 como bispo de Evreux. Já o ano seguinte, na assembleia dos bispos em Lourdes, vota contra a declaração Vencer a Paz, que, no meio da polêmica sobre os euromísseis, pretende ser um apoio condicional para a força francesa de dissuasão nuclear. Apesar do voto secreto, Gaillot proclama sua hostilidade àquele texto para todos os meios de comunicação. É a primeira provocação.
Em 1984, quando a esquerda no poder ameaça a escola particular (de maioria católica), novamente dissocia-se do episcopado e expressa sua simpatia pela escola... leiga. Em 1988 se manifesta favorável à ordenação sacerdotal de homens casados e pela reintegração de padres casado. No ano seguinte, publica um artigo na revista Lui em que pede para guardar os preservativos para os... canhões. No Gai pied, se posiciona a favor da ampliação dos direitos dos homossexuais.
Em plena assembleia dos bispos, o cardeal Lustiger se volta para ele e grita: "Gaillot, você é um irresponsável!". Em 3 de janeiro de 1989, recebe uma primeira carta de advertência do cardeal Decourtray, presidente da Conferência Episcopal: “Caro Jacques, seu comportamento é deplorável. Suas declarações contradizem publicamente a disciplina da Igreja da qual você é bispo".
Três vezes foi criticado pelos seus: pelo bispo de Nouméa, que o repreende por sua participação, em Mururoa (Polinésia Francesa) na manifestação contra os testes nucleares; pelo seu predecessor em Evreu, Jean Honoré, futuro cardeal, acusado num livro com prefácio de Gaillot, de ter frequentado principalmente aos burgueses e ter desprezado o seu clero; por Joseph Duval, presidente da Conferência Episcopal, que o repreendia por um artigo no Le Monde sobre a crise do clero, não conforme, mais uma vez, com a solução pretendida por Roma.
A ameaça de sanções torna-se cada vez mais evidente. São criticadas suas ausências contínuas, suas visitas intempestivas às dioceses, das quais nunca avisa os bispos, suas intervenções na mídia, suas declarações contra as posições morais do Papa João Paulo II, suas participações em programas polêmicos, o tratamento favorável que ele reserva à revista contestatória Golias, sua denúncia da política de imigração do governo Balladur. Para ganhar audiência, as redes de televisão disputam essa voz doce e provocadora. Em maio de 1994, é recebido pelo núncio em Paris, que lhe ordena que se cale. Ele responde: “Como pedir a um bispo para ficar calado? Um bispo ou fala ou apresenta as suas demissões”.
As autoridades episcopais fazem de tudo para que o caso permaneça restrito à França, mas os ambientes tradicionalistas de que Gaillot é o bode expiatório são influentes em Roma. Em 13 de janeiro de 1995, o bispo de Evreux é convocado ao Vaticano pelo cardeal de Benin, Gantin, prefeito da Congregação para os Bispos, que o repreende por suas faltas com a solidariedade episcopal (mas que o esnoba quando ele vai a Evreux encontrar seus amigos que falam mal de seu bispo) e pelo francês Jean-Louis Tauran que, na época ministro das Relações Exteriores de João Paulo II, não tem nenhuma competência direta sobre o caso. O papa nem mesmo está em Roma, está viajando nas Filipinas.
As explicações não resolvem. O caso está sendo investigado há tempo e a condenação não tem recurso. O bispo de Evreux é afastado de suas funções, transferido como "bispo titular" de Partenia, um bispado desaparecido da Mauritânia (atual região de Sétif, na Argélia).
O protesto é violento. Em apoio ao bispo deposto, milhares de católicos invadem a catedral de Evreux e outros locais de culto. Mesmo no episcopado, muitas vozes se levantam para deplorar tal resultado.
Um ano mais tarde haverá, é verdade, um encontro amistoso com João Paulo II, depois esforços para reintegrá-lo no âmbito da Conferência Episcopal Francesa. Mas, teimoso e determinado, Jacques Gaillot permanecerá fiel ao seu personagem de bispo às "periferias" da Igreja, preanunciando, em certo sentido, as opções do Papa Francisco, eleito em 2013.
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Morreu Jacques Gaillot, bispo emérito e figura contestatória do episcopado - Instituto Humanitas Unisinos - IHU