12 Abril 2023
"É necessário refletir sobre o fato de que a comunidade cristã, quando se reúne no dia do Senhor, celebre a ceia do Senhor e sobre a mesa os discípulos (cristãos hoje!) trazem pão e vinho não como oferenda a Deus, mas como um compartilhamento na bênção e no agradecimento ao Criador, ao Senhor da terra e da humanidade. Isso é o que contemplamos durante a liturgia no altar: pão, um pão verdadeiro, pão visível e não uma hóstia como infelizmente ainda acontece, e o vinho no cálice da exultação. Já esta realidade no altar é um ícone que fala ao coração do cristão, mas também ao coração de cada homem e mulher", escreve Enzo Bianchi, fundador da Comunidade de Bose, em artigo publicado por Vita Pastorale, abril de 2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
A Eucaristia exerce um magistério silencioso, mas performativo em sua própria materialidade: pão e vinho colocados na mesa; pão partido e compartilhado; vinho bebido de um único cálice... Essa dimensão material, acompanhada de gestos e palavras, é capaz de exprimir o grande mistério.
Infelizmente, no passado recente, pouca atenção foi dada a essa materialidade até não permitir à materialidade expressar plenamente o nome que o homem lhe deu como vocação e promessa, quase a ponto de impedir que os sinais do pão e do vinho sejam eloquentes, de manifestar aquilo para os quais são pedidos na Eucaristia.
O título do Congresso Eucarístico de Matera, T'orniamo al gusto del pane (setembro de 2022), chama a atenção para a necessidade de conhecer o mistério eucarístico a partir da realidade do pão e de seus muitos significados. A referência ao pão implica uma referência ao vinho porque juntos, nunca separados, são uma introdução necessária à exegese do gesto e das palavras de Jesus na Última Ceia, quando entregou aos discípulos o mandamento de repetir seu gesto lembrando-se dele, até ele retornar na glória.
Portanto, é necessário refletir sobre o fato de que a comunidade cristã, quando se reúne no dia do Senhor, celebre a ceia do Senhor e sobre a mesa os discípulos (cristãos hoje!) trazem pão e vinho não como oferenda a Deus, mas como um compartilhamento na bênção e no agradecimento ao Criador, ao Senhor da terra e da humanidade. Isso é o que contemplamos durante a liturgia no altar: pão, um pão verdadeiro, pão visível e não uma hóstia como infelizmente ainda acontece, e o vinho no cálice da exultação. Já esta realidade no altar é um ícone que fala ao coração do cristão, mas também ao coração de cada homem e mulher.
O pão é o alimento do Mediterrâneo, que surgiu no Egito no II milênio a.C., mas depois foi cozinhado em fornos de lenha pelos gregos e espalhado por todo o Médio Oriente. É significativo que na língua acadiana do III milênio a.C. exista uma conexão entre o verbo acalu, comer, e akilu, termo para indicar o pão. Comer era, portanto, comer pão, o alimento por excelência. Na Bíblia, a terra de Israel é muitas vezes referida como “terra de trigo e mosto, terra de pão e vinhas" (2 Reis 18,32), e o pão é considerado o alimento por excelência, "pão da terra", portanto um dom do Criador, mas também fruto do trabalho do homem que deve ganhá-lo com esforço e suor do rosto.
O pão, feito com farinha de cereais, água e às vezes fermento, é depois cozinhado no fogo sobre pedras ou no forno e se torna o alimento dos hebreus ainda nômades, daqueles no Egito e daqueles que se estabeleceram na terra de Israel. Para os povos do Oriente Médio, a falta de pão, principalmente ligada à carestia, significava fome, existência precária e, portanto, o pão não era apenas precioso, mas também considerado símbolo da vida. A falta de pão, ainda hoje, significa doença, morte! Por isso o pão expressa a "necessidade", é algo necessário, alimento de cada dia, cotidiano porque esse é o ritmo em que o ser humano se alimenta.
O pão tem uma história maravilhosa que é preciso conhecer para entender como possa ser e se tornar um sinal na Eucaristia. Só se vivermos uma relação autêntica e sábia com o pão, o vinho, a natureza, podemos "fazer todas as coisas uma Eucaristia" (cf. Ef 5,20) e acompanhar as criaturas que agora gemem e anseiam pela salvação na transfiguração cósmica que o Reino glorioso realiza.
O pão: basta considerá-lo em sua materialidade para acolher uma profusão de símbolos e significados, uma fartura de transposições e metáforas. O pão com a sua crosta dourada ou castanha, as suas formas múltiplas, é sempre pão a partir, a comer, a assumir como alimento para a vida. O pão: basta sentir o cheiro quando sai do forno e já se fica inebriado de alegria, de vontade de viver! É como uma promessa!
O pão: basta trazê-lo à mesa, colocá-lo majestosamente num guardanapo ou numa cesta, pegá-lo nas mãos com veneração e parti-lo com aquele estilhaçar da crosta para fazer um gesto de acolhimento e compartilhamento. O pão: basta colocá-lo na boca e saboreá-la para dizer que é bom, experiência que nos permite dizer de uma pessoa: “É bom como o pão!”. Saborear o pão sozinho ou com os outros, embebido em um copo de vinho ou aromatizado com um véu de azeite perfumado, é fazer um gesto carregado de sabedoria, prazer e alegria!
O pão: infelizmente hoje é desperdiçado, muitas vezes jogado fora... um pecado que clama por vingança diante de Deus em nome de tantos faminto na terra! O pão exige respeito, veneração, e então se torna eloquente. É por isso que Jesus partiu o pão e pediu que fizessem o mesmo em memória dele, para torná-lo presente e vivo entre nós! Ele é o pão que é vida, o pão que desceu do céu, a vida partida por nós até a morte na cruz. Ele é o pão antídoto para a morte, o pão que faz ressuscitar os mortos. E assim na eucaristia começa aquela transfiguração que faz dessa criação o reino de Deus, da humanidade o corpo de Cristo e tudo em Deus pela ação dinâmica do Espírito Santo.
Ao lado da necessidade do pão está a gratuidade do vinho. A videira também cresce nos países mediterrâneos e cresce ao lado do trigo: a vinha nas colinas e nas encostas, o trigo nas planícies e vales! Israel, além disso, é “terra de trigo e mosto” (Dt 33,28), e não por caso, os exploradores enviados por Moisés para conhecer a terra prometida voltaram com um galho ao qual grandes cachos de uvas estavam presos! É Deus, portanto, quem deu como dom ao seu povo a "terra onde escorre o vinho", em hebraico jajin, em aramaico chamar, literalmente "o vermelho", o dom mais abençoado junto com o pão. A Bíblia coloca a origem do vinho nos tempos pós-dilúvio, quando Noé saiu da arca e encontrou vinho para se consolar, recuperar as forças e se alegrar.
O vinho não é necessário para a existência como o pão, pode-se viver mesmo sem beber vinho, portanto o vinho indica a gratuidade, está fora do espaço da necessidade. Mas na gratuidade há o prazer, a alegria, a possibilidade de festa, a exultação dos corações... Diz o Eclesiástico: “Que vida é onde falta o vinho que Deus criou desde o princípio para a alegria dos homens?” (Ecl 31,27). O vinho é o fruto da videira, uma planta que exige muito trabalho, muito cuidado, muitos anos para dar bons frutos! Só o sedentário, aquele que habita a terra, pode conhecer o cultivo da vinha e quando pode dizer: "Tenho uma vinha!" é como se dissesse: “Tenho uma casa, tenho uma esposa!”.
É quase impossível para quem não a vivenciou compreender a ligação que existe entre um viticultor e a sua vinha: é uma relação de paixão, é uma verdadeira partilha das estações, do bom e do mau tempo. Há sempre algo que fazer pela vinha: no inverno a poda dos galhos, na primavera a amarração, depois no verão a combinação dos brotos, o desbaste das folhas... e finalmente, depois de tantas trepidações, no início do outono, a colheita! É feita cantando, depois tem a prensagem com o perfume do mosto.
E, finalmente, eis o vinho em todas as suas cores! Para isso, quando é derramado nos cálices deve-se contemplá-la erguendo a taça para a luz. Depois deve ser absolutamente cheirado porque libera perfumes inefáveis. Quando é levado à boca, deve ser provado e saboreado. E aí está o prazer: vinho da felicidade, da amizade, dos amantes!
Não é por acaso que o Cântico dos Cânticos celebra o amor com o vinho, e Jesus em Canãa doa o vinho novo, o vinho bom que marca a festa e celebra a alegria. Não esqueçamos que Jesus nos prometeu poucas coisas para o além vida, mas certamente uma está entre elas: que beberá conosco vinho novo no reino de Deus (cf. Mc 14,25).
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Sinais eloquentes do grande mistério. Artigo de Enzo Bianchi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU