03 Agosto 2018
Publicamos aqui o comentário do monge italiano Enzo Bianchi, fundador da Comunidade de Bose, sobre o Evangelho deste 18º Domingo do Tempo Comum, 5 de agosto (Jo 6, 24-35). A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Depois do sinal da multiplicação-partilha dos pães, Jesus, rejeitando a aclamação mundana por parte da multidão que queria fazê-lo rei, porque ele tinha fornecido alimentos, fugiu em solidão para o monte (cf. Jo 6, 14-15), deixando os discípulos que tentavam retornar de barco para a outra margem do mar, rumo a Cafarnaum (cf. Jo 6, 16-17). Mas já era noite, e uma violenta tempestade havia se desencadeado sobre o lago.
Naquela situação de dificuldade, os discípulos entrevem Jesus caminhando sobre as águas do lago, vindo na direção deles e são tomados pelo medo. Mas ele diz: “Egó eimi, Eu sou, não tenham medo!”, depois desembarca com eles na terra firme e entra em Cafarnaum (cf. Jo 6, 18-21).
E eis que, “no dia seguinte” (Jo 6, 22) a multidão, que havia comido o pão, põe-se no seu rastro, alcança-o atravessando o lago, por sua vez, em diversas barcas e lhe pergunta com respeito: “Rabi, mestre, quando chegaste aqui?” Mas Jesus, conhecendo as motivações daquela busca, não responde à curiosidade da multidão, mas revela com autoridade como ela é insuficiente, ambígua e enganosa: “Em verdade, em verdade, eu vos digo: estais me procurando não porque vistes sinais (semeîa), mas porque comestes pão e ficastes satisfeitos”.
Essa busca faz de Jesus aquele que satisfaz as necessidades humanas e preenche a falta, mas desconhece a sua verdadeira identidade, aquela de quem veio não para dar um alimento que tira a fome material, mas para dar aquilo que nutre para a vida eterna.
Aqueles galileus viram o prodígio, mas não leram nele o sinal, ou seja, aquilo que aquela ação de Jesus significava. Sentiram a saciedade, mas não compreenderam que aquele pão era o dom da vida de Jesus.
Portanto, revelada a atitude da multidão, na sinagoga de Cafarnaum, Jesus faz um longo discurso, anunciando seu tema nas suas primeiras palavras: “Esforçai-vos não pelo alimento que se perde, mas pelo alimento que permanece até a vida eterna, e que o Filho do Homem vos dará. Pois este é quem o Pai marcou com seu selo”.
Jesus pede aos seus ouvintes um compromisso, revela o dom que ele, como Filho do homem, dá às pessoas e se manifesta como aquele sobre o qual o Pai colocou a sua bênção. Portanto, é preciso se esforçar, entrar em ação por um alimento que nutre para a vida eterna. É verdade que é preciso se esforçar para receber do Pai o pão de cada dia (cf. Mt 6, 11; Lc 11, 3), alimento para o corpo destinado à morte; mas, ao mesmo tempo, Jesus exorta a desejar, isto é, a trabalhar com igual intensidade e convicção em vista daquele alimento que só ele pode dar, o alimento que dá a vida para sempre, a vida que permanece além da morte.
Preste-se atenção: Jesus não despreza o alimento material, mas, sabendo que “não só de pão vive o homem” (Dt 8, 3; Mt 4, 4), ele exorta a trabalhar com convicção e intensidade em vista daquele alimento que dá a vida para sempre, alimento que só ele, o Filho do homem, pode dar.
De fato, enviando-o ao mundo, o Pai o marcou com o seu selo, pôs nele a sua marca (cf. Hb 1, 3), sendo ele “a imagem do Deus invisível” (Cl 1, 15), o rosto da sua glória, palavra e relato que narra o verdadeiro e único Deus (cf. Jo 1, 18).
Mas, mesmo diante dessa revelação da sua identidade, aqueles galileus não compreendem e, então, perguntam a Jesus: “O que fazer? Que devemos fazer para realizar as obras de Deus? Qual mandamento devemos cumprir?”. Jesus, em resposta, revela a obra, o agir por excelência, que também parece uma não ação, algo que, segundo o sentimento humano, carece de concretude: a ação das ações, a ação por excelência que Deus quer e pede é crer, aderir àquele que ele mandou.
A única obra é a fé, diz Jesus. É obra de Deus, porque permite que Deus opere no ser humano, na história, na vida daquele que crê. Sim, aqui está a diferença cristã: no coração da vida do fiel, não está a lei, mas sim a fé. Nunca se repetirá isso o suficiente, e não nos esqueçamos de que o primeiro nome dado aos discípulos de Jesus no Novo Testamento após a ressurreição foi precisamente “os crentes” (At 2, 44; 4, 32). A fé faz os cristãos, molda os cristãos, salva os cristãos.
Essa verdade central, porém, deve ser bem compreendida: a fé não é um ato intelectual, gnóstico, mas é uma adesão vital a Jesus Cristo, é um estar no seu seguimento, envolvido com a sua própria vida. Desse modo, são varridas as contraposições intelectuais entre fé e ações-obras, entre contemplação e ação. A obra do cristão é crer, é acolher o dom da fé para assumir a própria responsabilidade, a própria obra, a própria luta, a própria custódia. Só assim se reconhece o primado da graça, do amor gratuito e sempre antecipado do Senhor, que é um dom a ser acolhido com espírito de estupor e de agradecimento, por ser capaz de gerar no fundo do coração responsabilidade e desejo de responder ao dom ou, melhor, ao Doador.
Crer em Jesus Cristo, o Enviado de Deus ao mundo, significa estar onde ele está (cf. Jo 12, 26; 14, 3; 17, 24), compartilhando com ele a mesma vida, “aonde quer que ele vá” (Ap 14, 4), radicalmente e “até o fim” (eis télos: Jo 13, 1).
Mas aquela multidão revela a própria identidade: para crer, quer um sinal! Tinham visto o sinal da multiplicação-partilha dos pães, mas, como ele não havia desembocado naquilo que eles queriam, na proclamação de Jesus Rei e Messias mundano, agora exigem outro, como aquele feito por Moisés através do dom do maná (cf. Sl 78, 24).
Desse modo, mostram que não são sequer capazes de ler a Torá, porque nela – explica-lhes Jesus – “não foi Moisés quem vos deu o pão que veio do céu. É meu Pai que vos dá o verdadeiro pão do céu. Pois o pão de Deus é aquele que desce do céu e dá vida ao mundo”.
Assim, Jesus revela que se sente chamado não a dar algo, mas a dar tudo de si mesmo! Então, eles pedem a Jesus que lhes dê esse pão e que o dê para sempre. E ele responde com a revelação inédita: “Egó eimi, eu sou o pão da vida”. Portanto, o pão para a vida eterna não é um simples dom da parte de Jesus, mas é Jesus mesmo, que dá toda a sua pessoa.
O que significa essa linguagem que corre o risco de ser compreendida por nós de modo abstrato? Significa que Jesus é alimento, e, nessa primeira parte do seu longo discurso, ele se apresenta como alimento como Palavra, Palavra do Pai, Palavra feita carne (cf. Jo 1, 14), Palavra descida do céu, Palavra enviada por Deus aos humanos.
A Palavra de Deus sempre foi lida no Antigo Testamento como alimento, pão que dá a vida à humanidade (cf. Is 55, 1-3, Pr 9, 3-6 etc.); mas agora essa Palavra, dita muitas vezes e de diversos modos nos tempos antigos aos seres humanos através de Moisés e dos profetas (cf. Hb 1, 1), é um homem: é Palavra de Deus humanizada em Jesus de Nazaré. Nesse sentido, Jesus se entrega aos humanos como “pão da vida”, pão que traz a vida.
Essa linguagem é tão vertiginosa que não é possível comentar tais palavras de Jesus: elas devem ser apenas acolhidas em adoração. Jesus, sim, justamente Jesus, um homem, um judeu marginal da Galileia, o filho de Maria e de José, proveniente de Nazaré, é na verdade a Palavra de Deus e, como tal, é alimento, pão para a nossa vida de crentes nele.
Quem pode dizer que é capaz de entender e de sustentar essas palavras? De todos os modos, talvez o Senhor nos peça apenas que tentemos acolher essas palavras; e que façamos isso sabendo que o seu dom, a sua graça nos permite torná-las palavras acolhidas por cada um de nós de modo muito pessoal, isto é, como somente o Senhor pode nos fazer conhecê-las e entendê-las.
Assim, assimilamos o alimento para a vida eterna, segundo a promessa de Jesus: “Quem vem a mim não terá mais fome, e quem acredita em mim nunca mais terá sede” (Jo 6, 35). Uma promessa paralela àquela feita por Jesus à mulher da Samaria: “Aquele que beber a água que eu vou dar, esse nunca mais terá sede” (Jo 4,14).
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Jesus, o pão da vida - Instituto Humanitas Unisinos - IHU