A ceia do Senhor. Artigo de Giuseppe Barbaglio

Foto: Annie Theby | Unsplash

04 Janeiro 2022

 

“A morte de Jesus é um gesto de oblatividade amorosa: ele deu a sua vida como dom de amor. Mas estamos tão habituados à terminologia do sacrifício, que se consolidou ao longo do tempo, que, na missa [em italiano], se diz: ‘Este é o meu corpo dado em sacrifício por vós’. Essas palavras, porém, não estão escritas no Evangelho. Lá se diz apenas: ‘Este é o meu corpo dado por vós’ (a vosso favor).”

 

A opinião é do teólogo e biblista italiano Giuseppe Barbaglio (1934-2007), em texto retirado de um congresso realizado na Diocese de Terni, na Itália, e publicado no livro “I segni di Dio” [Os sinais de Deus], em uma coletânea dirigida por Vincenzo Paglia, publicada pela Leonardo International.

 

O texto foi publicado em Fine Settimana, 29-12-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

 

Eis o texto.

 

Sobre o tema da “Ceia do Senhor”, gostaria de comentar duas páginas muito importantes do Novo Testamento em que se fala, respectivamente, da ceia que Jesus consumou na vigília da sua morte com os seus discípulos e das “ceias do Senhor” que os primeiros fiéis celebravam, isto é, as comunidades cristãs que estão por trás dos Evangelhos.

 

Por meio de uma leitura atenta dos textos em questão, gostaria de tentar evidenciar o significado que a “ceia do Senhor” tem para os primeiros fiéis e o significado que, por sua vez, tem para nós. Entre nós, filhos deste mundo globalizado, e os primeiros cristãos que se espalharam pelos territórios do grande Império Romano, existe uma grande distância cronológica e, sobretudo, cultural.

 

Acima de tudo, gostaria de gastar algumas palavras sobre o significado etimológico dos nomes.

 

A expressão “ceia do Senhor” é uma definição típica de Paulo (1Cor 11): é uma ceia caracterizada pelo Senhor Jesus. Uma expressão análoga, também de Paulo (1Cor 10), é “mesa do Senhor”. Trata-se de duas expressões que implicam a comensalidade. Outra expressão muito prática para indicar o mesmo conceito é “partir o pão” por parte do chefe de família que o dá, depois, aos outros comensais.

 

No relato do Evangelho, os discípulos de Emaús encontram um misterioso viandante; vem a noite, e ele é convidado a ficar com eles. Juntos, consomem uma modesta ceia, e o desconhecido “parte o pão”. Diante desse gesto, os olhos dos dois discípulos “se abrem”, e eles reconhecem Jesus.

 

Também nos Atos dos Apóstolos, em que se descreve a primeira comunidade cristã de Jerusalém, diz-se que os fiéis eram perseverantes na doutrina dos Apóstolos, em pôr os bens em comum, na oração e no “partir o pão” (a nossa celebração eucarística).

 

Em todos os relatos da última ceia do Senhor, diz-se que Jesus tomou o pão e depois elevou a oração. No Evangelho de Marcos, fala-se de “bênção”: Jesus bendisse a Deus. Em outros textos, como a Primeira Carta aos Coríntios, diz-se que Jesus agradeceu a Deus. É a partir dessas palavras que deriva a nossa expressão habitual “eucaristia”, que significa “agradecimento”: o agradecimento que Jesus elevou na última ceia e o agradecimento que os primeiros fiéis elevam pela celebração chamada de “eucarística”. Existem, portanto, diversas expressões que enfatizam a comensalidade.

 

Os dois textos que quero examinar em seguida são:

 

- Evangelho de Marcos 14,22-25, com os textos paralelos (Marcos foi a fonte de Mateus e Lucas nesta e em muitas outras partes) [1];

- Primeira Carta aos Coríntios 11,17-34 [2].

 

No texto de Marcos, com os paralelos de Lucas, Mateus e Paulo, distinguimos dois níveis: por trás desses textos que refletem a práxis litúrgica dos primeiros cristãos (primeiro nível), podemos entrever aquela que foi a “ceia do Senhor” (segundo nível). Jesus havia consumado diversas ceias com os seus; frequentemente era convidado pelos simpatizantes e pelos amigos para “consumar” com o seu grupo de seguidores.

 

Portanto, a “ceia do Senhor” é a expressão última de uma comensalidade repetida de Jesus com os seus.

 

Os três Evangelhos sinóticos (Marcos, Mateus e Lucas) apresentam essa ceia como “a ceia pascal”.

 

Marcos 14,12-16 [trad. Bíblia Pastoral]

 

No primeiro dia dos Ázimos, quando matavam os cordeiros para a Páscoa, os discípulos perguntaram a Jesus: “Onde queres que vamos preparar para que comas a Páscoa?”. Jesus mandou então dois de seus discípulos, dizendo: “Vão à cidade. Um homem carregando um jarro de água virá ao encontro de vocês. Sigam-no e digam ao dono da casa onde ele entrar: ‘O Mestre manda dizer: Onde é a sala em que eu e os meus discípulos vamos comer a Páscoa?’ Então ele mostrará para vocês, no andar de cima, uma sala grande, arrumada com almofadas. Preparem aí tudo para nós”. Os discípulos saíram e foram à cidade. Encontraram tudo como Jesus havia dito. E prepararam a Páscoa.

 

Mateus 26,17-19 [trad. Bíblia Pastoral]

 

No primeiro dia dos ázimos, os discípulos se aproximaram de Jesus, e perguntaram: “Onde queres que façamos os preparativos para comermos a Páscoa?”. Jesus respondeu: “Vão à cidade, procurem certo homem, e lhe digam: ‘O Mestre manda dizer: O meu tempo está próximo, eu vou celebrar a Páscoa em sua casa, junto com os meus discípulos’”. Os discípulos fizeram como Jesus mandou, e prepararam a Páscoa.

 

Lucas 22,7-13 [trad. Bíblia Pastoral]

 

Chegou o dia dos Ázimos, em que se matavam os cordeiros para a Páscoa. Jesus mandou Pedro e João, dizendo: “Vão, e preparem tudo para comermos a Páscoa”. Eles perguntaram: “Onde queres que a preparemos?”. Jesus respondeu: “Quando vocês entrarem na cidade, um homem carregando um jarro de água virá ao encontro de vocês. Sigam a ele até a casa onde ele entrar, e digam ao dono da casa: ‘O Mestre manda dizer: ‘Onde é a sala em que eu e os meus discípulos vamos comer a Páscoa?’ Então ele mostrará para vocês, no andar de cima, uma sala grande, arrumada com almofadas. Preparem tudo aí”. Os discípulos foram, e encontraram tudo como Jesus havia dito. E prepararam a Páscoa.

Por outro lado, quando lemos o texto de João, encontramos escrito que Jesus morreu no dia da vigília da Páscoa, portanto, a ceia que ele consumou na noite anterior não podia ser pascal.

 

João 19,30-31 [trad. Bíblia Pastoral]

 

Ele tomou o vinagre e disse: “Tudo está realizado”. E, inclinando a cabeça, entregou o espírito. Era dia de preparativos para a Páscoa. Os judeus queriam evitar que os corpos ficassem na cruz durante o sábado, porque esse sábado era muito solene para eles. Então pediram que Pilatos mandasse quebrar as pernas dos crucificados e os tirasse da cruz.

 

Em geral, do ponto de vista histórico, a versão dos Evangelhos sinóticos é mais confiável do que a de João; neste caso, ao contrário, é preferível o texto de João, e, portanto, podemos afirmar que a “ceia do Senhor” de Jesus não foi uma ceia pascal. Então, por que os Evangelhos sinóticos afirmam o contrário? Porque os evangelistas não tinham a preocupação histórica de dizer que a ceia havia ocorrido em um dia e não no outro; o importante era difundir um determinado significado teológico: Jesus é a “Nova Páscoa” para os fiéis.

 

Embora nem todos concordem com o fato de que a morte de Cristo ocorreu no dia da vigília da Páscoa, é unânime a afirmação de que a morte ocorreu em uma sexta-feira. Isso também é afirmado por um texto rabínico (o Talmude Babilônico, n. 43a).

 

A última ceia de Jesus é uma ceia “solene”, pois ele se encontrava diante da perspectiva da morte (mesmo que artificial, pois Jesus estava preparado). Entre os judeus, eram solenes (religiosas) não só as ceias pascais, mas também todas as outras ceias em que a consumação ocorria em um clima de oração. O momento mais significativo dessas ceias era quando o chefe de família tomava o pão grosso em suas mãos, o partia e o dava aos comensais, que o tomavam recitando uma oração como invocação da bênção divina.

 

Na “Última Ceia”, Jesus é o chefe de família dos seus discípulos e repete os dois gestos fundamentais da ceia judaica: parte o pão e partilha o vinho (o chefe de família e todos os comensais tinham um cálice) com uma oração em que se invoca a bênção divina.

 

Qual é a originalidade de Jesus em repetir esses dois ritos? Ela se manifesta nas novas palavras que ele pronuncia, palavras que indicam novos significados: “Eu garanto a vocês: nunca mais beberei do fruto da videira, até o dia em que beberei o vinho novo no Reino de Deus” (Mc 14,25; trad. Bíblia Pastoral).

 

O significado de beber o vinho juntos, portanto, é o de um adeus: Jesus se despede dos seus porque sabe que a morte está prestes a vir ao seu encontro. Mas a despedida ocorre com a esperança de que, além da morte, Deus o acolherá no seu reino. E o texto de Mateus (26,29; trad. Bíblia Pastoral) acrescenta: “Eu lhes digo: de hoje em diante não beberei desse fruto da videira, até o dia em que, com vocês, beberei o vinho novo no reino do meu Pai”.

 

Ao lado da originalidade das palavras relativas ao vinho, há aquelas que acompanham o gesto do partir o pão: “Este pão é o meu corpo”, isto é, Jesus na sua totalidade. Para os discípulos que estavam com Ele, comer e compartilhar aquele pão significa ter uma comunhão com Jesus, e é essa comunhão que é a fonte da bênção. Enquanto nas ceias judaicas o símbolo da bênção divina era o pão que era partido, agora o símbolo é o corpo de Cristo: Jesus que vai ao encontro da morte, uma morte que tem um valor positivo em sentido espiritual.

 

Quando os primeiros fiéis começaram a se reunir com base na convicção de que Jesus havia sido ressuscitado por Deus, eles retomaram o clima das suas ceias. Mas, com o passar do tempo, essas comunidades (particularmente as gregas) modificaram as palavras significativas e, ao lado da frase “este é o meu corpo”, referida ao pão, acrescentaram a frase “este é o meu sangue, o sangue da Aliança, derramado por vós e por todos em remissão dos pecados”, em referência ao vinho.

 

Não há mais apenas a indicação “comei”, mas também a “bebei”; o sangue indica igualmente a morte de Jesus, mas como cofundador da Nova Aliança. Portanto, na ceia pós-pascal dos primeiros cristãos, acrescentam-se significados: a morte de Jesus não é somente um sinal de bênção, mas, à luz da ressurreição, também se torna instituidora da Nova Aliança.

 

No Antigo Testamento, o Povo de Sião havia se unido a Deus por meio da ação de Moisés e com um rito de sangue. E eis então esse sangue (a morte de Jesus) que se torna fundador da Nova Aliança: um novo vínculo entre Deus e o seu povo, que agora é um povo ampliado para todos os povos.

 

A Primeira Carta aos Coríntios de Paulo é um texto que é lido na liturgia da Quinta-Feira Santa e é enquadrado na prática concreta de uma comunidade cristã da antiguidade, a de Corinto, que era uma comunidade paulina, isto é, fundada por Paulo e por ele dirigida pastoralmente mesmo depois da sua partida.

 

Paulo culpa a comunidade cristã de Corinto pois ela se reúne dando lugar a algo negativo na vida espiritual. A causa da repreensão são os cismas dentro da comunidade, mas ele também afirma que é necessário que essas divisões ocorram para que aqueles que passam no teste (os habilitados) apareçam claramente. As divisões são uma prova, e quem a supera está habilitado a ser um fiel autêntico.

 

De acordo com Paulo, os fiéis de Corinto se iludiam em celebrar a “ceia do Senhor”, enquanto, ao invés disso, consumavam apenas uma ceia individualista. Por que era uma ceia individualista? De acordo com uma interpretação, os ricos iam ao lugar da assembleia, traziam comida e comiam entre si; depois, mais tarde, chegavam os fiéis de baixa condição (não podiam chegar antes porque trabalhavam) e celebraram, entre si, a “ceia do Senhor” (partiam o pão e bebiam o vinho). E isso significava que os primeiros a chegarem se “empanturravam”, e os últimos não tinham nada.

 

De acordo com outra interpretação, os ricos não chegavam primeiro; ricos e pobres chegavam juntos, mas a ceia era consumada separadamente, em dois agrupamentos diferentes [3].

 

Paulo diz aos ricos: “Se vocês vêm à Assembleia Eclesial para consumar uma ceia privatista, excluindo aqueles que têm necessidade e ficam com o estômago vazio, fiquem na casa de vocês!”. E continua: “Vocês desprezam a Igreja de Deus (a comunhão) e fazem corar aqueles que não têm nada (isto é, vocês os convencem de que não merecem nada). O que vou lhes dizer? Elogiá-los, talvez? Não, nisso eu absolutamente não posso lhes elogiar, mas os culpo”.

 

Paulo, portanto, repreende a comunidade de Corinto, porque o que ocorre sob a ilusão de uma celebração da “ceia do Senhor” é na realidade uma refeição que os ricos consomem por conta própria, deixando os outros de estômago vazio. O defeito mais grave evidenciado por Paulo é a não partilha daquela ceia. Consequência: se não há uma ceia compartilhada, também não há uma “ceia do Senhor”, mas tudo se reduz a um ato tribalista entre aqueles que estão bem.

 

E, para mostrar o erro, Paulo diz: “De fato, eu recebi pessoalmente do Senhor aquilo que transmiti para vocês. Na noite em que foi entregue, o Senhor Jesus tomou o pão e, depois de dar graças, o partiu e disse: ‘Isto é o meu corpo que é para vocês; façam isto em memória de mim’”.

 

Jesus oferece a sua vida como fonte de salvação para os participantes da ceia. A repetição dessa ceia é um “memorial”, palavra que não significa recordar algo de que se esqueceu em nível psicológico, mas significa chamar novamente ao presente aquilo que é passado (atualizar).

 

Mas atenção! Paulo não diz “comam este corpo” nem “bebam este sangue”: estas são expressões do capítulo VI do Evangelho de João, que as usa porque precisava se posicionar contra os cristãos gnósticos [4]. Ele enfatiza muito o conceito de encarnação (o verbo se fez carne, isto é, um ser humano mortal) e, por esse motivo, relê a memória da “ceia do Senhor” em chave polêmica em relação aos gnósticos, acentuando a densidade humana (mortal) de Jesus com as afirmações de que, durante a última ceia, come-se o corpo de Jesus e se bebe o seu sangue [5].

 

Mas, muito provavelmente, Jesus nunca disse “bebam o meu sangue”; ele disse “este é o meu corpo”, isto é, “sou todo eu”, sem distinção entre corpo e sangue, “dado por vocês na morte como sinal de bênção” (todas as vezes que comerem este pão e beberem deste cálice, vocês anunciam a morte do Senhor até o dia em que Ele retornará).

 

Todo o gesto da ceia é uma boa notícia dada aos fiéis e centrada na morte de Jesus, pois ela é o evento da salvação. Em particular, para Paulo, é o evento pelo qual os fiéis se tornam um só corpo.

 

1Cor 10,14-17 [trad. Bíblia Pastoral]

 

Por isso, amados, fujam da idolatria. Falo a vocês como a pessoas sensatas; julguem vocês mesmos o que estou dizendo. O cálice da bênção que nós abençoamos, não é comunhão com o sangue de Cristo? O pão que partimos, não é comunhão com o corpo de Cristo? E como há um único pão, nós, embora muitos, somos um só corpo, pois participamos todos desse único pão.

 

Nós diríamos que a “ceia do Senhor” é uma participação mística na morte de Jesus: há um só pão, e nós todos que compartilhamos esse único pão somos um só corpo social, somos o corpo de Cristo, ou seja, uma coletividade unida a ele. Esse é o ponto final de todo o problema: para Paulo, a participação na “ceia do Senhor” é esse sacramento eclesial no qual a comunidade se torna um só corpo em Cristo, isto é, uma comunidade unida e animada por Cristo.

 

A participação na ceia, portanto, tem o significado de socialidade: muitos dos que participam dão origem a uma unidade profunda, constituem um só corpo. Qual é, então, o pecado da comunidade de Corinto? É o de se iludir de que pode se unir ao Senhor Jesus sem se unir entre si. Ela não negava a presença de Jesus na Eucaristia, mas negava a presença da Igreja como único corpo em Cristo.

 

É um pecado social que nega a solidariedade profunda, não só a vertical (nós participamos da morte de Cristo), mas também a horizontal (entre nós). A comunidade cristã é um só corpo, uma só socialidade, mantida unida pela fé em Cristo e pela sua ação salvífica por todos nós.

 

É com o Batismo que a pessoa se torna um só corpo em Cristo; na “ceia do Senhor”, se reatualiza essa unidade corporal que subsiste, no entanto, independentemente do rito do Batismo e do rito da “ceia do Senhor”, razão pela qual aquela socialidade (partilha) que Paulo pede na participação na ceia é uma partilha que deve subsistir em toda a vida [6].

 

A solidariedade humana assume um aspecto formal de celebração. A “ceia do Senhor” é o teatro da nossa solidariedade real com Ele. Referindo-se a uma célebre obra de Pirandello, “Seis personagens à procura de um autor”, poderíamos dizer que, na “ceia do Senhor”, os personagens personificam a solidariedade. A morte de Jesus é um gesto de oblatividade amorosa: ele deu a sua vida como dom de amor.

 

Mas nós estamos tão habituados com a terminologia do sacrifício, que se consolidou ao longo do tempo, que, na missa [em italiano], se diz: “Este é o meu corpo dado em sacrifício por vós”. Essas palavras, porém, não estão escritas no Evangelho. Lá, se diz apenas: “Este é o meu corpo dado por vós” (em vosso favor).

 

Refletir sobre os significados profundos que a “ceia do Senhor” teve para Marcos, Mateus, Lucas e Paulo pode ser, para nós, um estímulo para crescer na fé, mas também um impulso para participar com maior consciência na nossa “ceia do Senhor”, que é, sim, comunhão vertical, mas é também solidariedade entre os fiéis.

 

Notas

 

1. Mc 14: 22-25 [trad. Bíblia Pastoral]: “Enquanto comiam, Jesus tomou um pão e, tendo pronunciado a bênção, o partiu, distribuiu a eles, e disse: ‘Tomem, isto é o meu corpo’. Em seguida, tomou um cálice, agradeceu e deu a eles. E todos eles beberam. E Jesus lhes disse: ‘Isto é o meu sangue, o sangue da aliança, que é derramado em favor de muitos. Eu garanto a vocês: nunca mais beberei do fruto da videira, até o dia em que beberei o vinho novo no Reino de Deus’”.

2. 1Cor 11,17-34 [trad. Bíblia Pastoral]: “Dito isso, não posso elogiar vocês, porque as suas assembleias, em vez de ajudá-los a progredir, os prejudicam. Antes de tudo, ouço dizer que, quando estão reunidos em assembleia, há divisões entre vocês. E, em parte, eu acredito nisso. É preciso mesmo que haja divisões entre vocês, a fim de que se veja quem dentre vocês resiste a essa prova. De fato, quando se reúnem, o que vocês fazem não é comer a Ceia do Senhor, porque cada um se apressa em comer a sua própria ceia. E, enquanto um passa fome, outro fica embriagado. Será que vocês não têm suas casas onde comer e beber? Ou desprezam a Igreja de Deus e querem envergonhar aqueles que nada têm? O que vou dizer para vocês? Devo elogiá-los? Não! Nesse ponto não os elogio. De fato, eu recebi pessoalmente do Senhor aquilo que transmiti para vocês. Na noite em que foi entregue, o Senhor Jesus tomou o pão e, depois de dar graças, o partiu e disse: ‘Isto é o meu corpo que é para vocês; façam isto em memória de mim’. Do mesmo modo, após a Ceia, tomou também o cálice, dizendo: ‘Este cálice é a Nova Aliança no meu sangue; todas as vezes que vocês beberem dele, façam isso em memória de mim’. Portanto, todas as vezes que vocês comem deste pão e bebem deste cálice, estão anunciando a morte do Senhor, até que ele venha. Por isso, todo aquele que comer do pão ou beber do cálice do Senhor indignamente, será réu do corpo e do sangue do Senhor. Portanto, cada um examine a si mesmo antes de comer deste pão e beber deste cálice, pois aquele que come e bebe sem discernir o Corpo, come e bebe a própria condenação. É por isso que entre vocês há tantos fracos e enfermos, e muitos morreram. Se nós examinássemos a nós mesmos, não seríamos julgados; mas, o Senhor nos corrige por meio de seus julgamentos, para que não sejamos condenados com o mundo. Em resumo, irmãos, quando vocês se reúnem para a Ceia, esperem uns pelos outros. Se alguém tem fome, coma em sua casa. Assim vocês não estarão se reunindo para a própria condenação. Quanto ao resto darei instruções quando aí chegar”.

3. Corinto era uma colônia romana, e, portanto, vigoravam os costumes romanos; os ricos, fiéis ou não, tinham casas romanas e comiam no triclínio; os pobres, no vestíbulo e/ou no átrio. Quem se sentava perto do triclínio degustava comidas boas, iguarias, bebiam o melhor vinho e eram servidos por escravos jovens e belos; quem comia no vestíbulo e/ou no átrio, por outro lado, ingeria os alimentos piores, bebiam o vinho decadente e eram servidos por escravos velhos e desdentados.

4. Os cristãos gnósticos negavam a encarnação de Jesus: o filho de Deus não se tornou verdadeiramente homem, mas assumiu o semblante de um homem e nem mesmo morreu verdadeiramente na cruz. Eles faziam essas afirmações porque consideravam “a carne” como um elemento negativo que não podia ser atribuído ao filho de Deus; a redenção, por sua vez, era a libertação da carne, do mundo, da história. Em outras palavras, os gnósticos eram espiritualistas.

5. As expressões “comer o corpo” e “beber o sangue” de Jesus não podiam ter sido ditas por Paulo, porque ele era judeu e, na tradição judaica, era absolutamente proibido beber sangue.

6. No capítulo XII da Primeira Carta aos Coríntios, Paulo desenvolve uma metáfora do corpo humano formado por muitos membros. Tal metáfora estava presente no mundo greco-romano. Menêmio Agripa, para convencer alguns sediciosos a voltarem à cidade, visto que tinham ido ao Aventino, havia contado o apólogo do organismo humano que é constituído por muitos membros e um só corpo; consequentemente, se os membros se dividem, não há mais o organismo (se a cidade se divide, não há mais a cidade). Paulo tomou essa metáfora política e social e a aplicou à comunidade cristã, naturalmente com ênfases originais em relação à relação com Cristo, pois não se trata de uma socialidade criada “a partir de baixo”, mas de uma socialidade decorrente da iniciativa salvífica de Cristo, da participação na sua morte. Desenvolvendo a metáfora do organismo, Paulo evidencia que, no único corpo, há diversos membros (a mão, o braço, o estômago), assim como na comunidade cristã há diversidade. A unidade da comunidade cristã não é uma redução de todos ao uno, mas é uma diversidade harmoniosa como no organismo humano. Os membros mais nobres do corpo, como por exemplo o olho (na antiguidade, algumas partes do corpo eram consideradas mais preciosas do que outras), devem cuidar dos membros mais pobres e sofredores. Eis, portanto, o conceito de “cuidar” uns dos outros, da partilha dentro da celebração eucarística que, na época, era também material.

 

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