25 Fevereiro 2023
“No Vaticano, houve uma evolução na interpretação da invasão russa da Ucrânia”, explica o historiador Massimo Faggioli, da Villanova University. Mas, "dentro da Igreja Católica, assim como no Ocidente em geral, há uma divisão importante sobre o significado dessa guerra".
A entrevista é de Gabriele Carrer, publicada por Formiche, 24-02-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
“O apoio do Santo Padre foi essencial para o nosso país. No ano passado, ouvimos mais de 100 discursos e apelos do papa pela paz na Ucrânia, uma forma para encorajar os ucranianos a permanecerem fortes.” Foi o que disse Andrij Yurash, embaixador ucraniano junto à Santa Sé. Segundo ele, a visita do Papa Francisco à Ucrânia “está muito perto, mas a resposta não pode vir de mim, virá do pontífice. Porém, acho que a data está próxima”, explicou novamente.
Como mudou a posição da Igreja Católica e da Santa Sé nesses 12 meses de guerra? Conversamos sobre isso com Massimo Faggioli, professor de Teologia Histórica na Villanova University, na Pensilvânia, nos Estados Unidos.
Como mudou a interpretação da guerra por parte do Vaticano nesse ano?
No Vaticano, houve uma evolução na interpretação da invasão russa da Ucrânia nesses 12 meses. Entendeu-se que não era possível manter uma neutralidade absoluta: a Santa Sé deve ser neutra pela sua posição particular no ordenamento internacional, mas a Igreja não podia ser neutra diante de um agredido e de um agressor. Francisco foi percebido inicialmente como pró-russo devido à sua disponibilidade a não condenar Moscou explicitamente. Mas seus contínuos convites a rezar pela “Ucrânia mártir” também fizeram com que ele parecesse, aos olhos de Moscou, inclinado ao governo de Kiev.
Ainda existem divisões dentro da Igreja Católica?
A linguagem foi modulada ao longo dos meses, mas dentro da Igreja Católica, assim como no Ocidente em geral, há uma divisão importante sobre o significado dessa guerra. O Papa Francisco a lê dentro daquela que ele chamou de “Terceira Guerra Mundial em pedaços” e como uma continuação da Guerra Fria. Exemplo disso são suas referências ao papel da Otan e às provocações da Aliança Atlântica à Rússia.
Mas depois há uma outra visão dentro do catolicismo, mais próxima da Igreja ucraniana e à Europa oriental, que interpreta essa guerra como uma ruptura na história da Europa moderna contemporânea, que, ao mesmo tempo, tem raízes que remontam a antes da Guerra Fria, às intervenções da Rússia na Europa oriental (Polônia, Finlândia, Países Bálticos). Essa diferença de leituras históricas ainda está no centro do debate após 12 meses e está na base das dificuldades para o Vaticano e para o Papa Francisco de se fazerem compreender pelos ucranianos (na Ucrânia, mas também na diáspora) e na Europa oriental. Além disso, reflete uma cisão presente dentro da Europa, entre Ocidente e Oriente, não apenas na política, mas também dentro das Igrejas.
A Santa Sé pode ser a mediadora que todos estão procurando?
A tentativa da Santa Sé de se apresentar como mediadora ou pelo menos como facilitadora do diálogo não me parece levar a lugar nenhum neste momento. A invocação de um “novo espírito de Helsinque” é ousada, mas hoje não existem mais as condições para a neutralidade daquela parte da Europa que tornou possível Helsinque 1975. Não está claro quais são as reais possibilidades de atuação do Vaticano, pois sua diplomacia depende em grande parte das entrevistas do Papa Francisco.
Como?
Trata-se de externalizações que, às vezes, fogem de um certo rigor da linguagem diplomática. E, nesse cenário, a posição da Igreja Católica não saiu fortalecida. É claro, ela ainda é um ator de primeira importância, é a mais importante das Igrejas e das religiões. Mas esses 12 meses não fortaleceram sua posição. O “ministro das Relações Exteriores” do papa, o arcebispo Paul Gallagher, não teve contatos com seu homólogo russo, Sergei Lavrov, desde a visita a Moscou em novembro de 2021. Ao mesmo tempo, o papa continuou ativo nos bastidores, facilitando diversas trocas de prisioneiros entre as partes em guerra, e a autoridade moral da Santa Sé e do papado continua sendo única.
Diante da guerra “santa” do líder russo Vladimir Putin, que também recebeu o apoio do Patriarca Kirill, percebe-se a falta de um papel para a Igreja Católica?
Nos anos 1960 e 1970, com a Ostpolitik vaticana, a Igreja Católica certamente tinha mais autoridade no mundo, pois não tinha a ver com rachaduras internas que já são visíveis há anos, desde muito antes do pontificado de Francisco. Trata-se de divisões que dizem respeito a questões políticas e teológicas às quais se soma o prolongamento dos escândalos dos abusos sexuais. Este último aspecto foi referido, ainda que vagamente e com fins de propaganda, pelo líder russo Vladimir Putin em seu discurso de 21 de fevereiro passado. Além disso, é uma Igreja Católica que está se globalizando, que está mais voltada para a Ásia e para o Sul do mundo e que está menos atenta à Europa. Aos olhos do Kremlin e do Patriarcado de Moscou, essas são fraquezas internas a serem exploradas.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Papa Francisco e a Ucrânia, 12 meses depois. Entrevista com Massimo Faggioli - Instituto Humanitas Unisinos - IHU