O batismo de Jesus na perspectiva judaica e seu significado para os cristãos (Lc 3,15-16.21-22)

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07 Janeiro 2022

 

"Uma criança batizada é confirmada na Graça de Deus, na qual ela nasceu sem pecado. Ser batizado é um recomeçar nas águas que nos lava no Espírito e no fogo que purifica", escreve Frei Jacir de Freitas Faria ao comentar o Evangelho deste domingo, 9 de janeiro de 2022, solenidade do Batismo do Senhor (Lc 3,15-16.21-22).

 

Frei Jacir é Sacerdote Franciscano, doutor em Teologia Bíblica pela FAJE (BH), mestre em Ciências Bíblicas (Exegese) pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma e professor de Exegese Bíblica. É também membro da Associação Brasileira de Pesquisa Bíblica (ABIB) e autor de dez livros e coautor de quinze.

 

Eis o comentário. 

 

O texto sobre o qual vamos refletir hoje é tirado de Lc 3,15-16.21-22. Trata-se do Batismo do Senhor, festa celebrada na Igreja Católica para encerrar o tempo litúrgico do Natal e iniciar o Tempo Comum. O batismo para o cristão é o início de uma vida de fé na comunidade, a partir do qual, ele se torna discípulo de Jesus e filho de Deus.

 

Tendo como base o texto de Lucas, vamos refletir sobre o batismo de Jesus na perspectiva judaica e seu significado no cristianismo a partir dos simbolismos do tempo, da pomba, da Torá (a Lei judaica), da água e do fogo.

 

O tempo cronológico de nossas vidas é marcado pelo nascimento e pela morte. E entre esses dois pontos, para o cristão, está a encarnação de Jesus, que veio nos trazer a Boa Nova do Reino de Deus e nos convocar a sermos seus evangelizadores.

 

Judeus e cristãos das comunidades dos evangelhos não se contentaram em reconhecer que Jesus fora judeu plenamente, mas era preciso demonstrar que a Torá, a Lei, também se encarnou Nele. Como isso aconteceu? É o que diz a memória do batismo de Jesus conservada em todos os evangelhos, quando afirmam: “O Espírito Santo desceu sobre ele em forma de pomba” (Mc 1,9-11; Mt 3, 13-17; Lc 3, 22 e Jo 1, 32-34). Por que em forma de pomba? Vejamos.

 

A pomba, em hebraico Yoná, também Jonas em português, é uma ave frágil, de notória candura e fiel ao seu companheiro. Por isso, os judeus fizeram dela o símbolo da paz e do povo de Israel, que quer a paz, mas vive sempre, por causa da sua fragilidade, perseguido pelas nações do mundo. Em tempos atuais, não sei se poderíamos dizer o mesmo de Israel. Basta ver as suas ações políticas e econômicas em relação aos palestinos.

 

Assim como a pomba só pode se defender com as suas duas asas, Israel só tem as duas tábuas da Lei, dadas no Sinai a Moisés. Com isso, a pomba passou a ser a imagem da Presença divina e símbolo da Torá, assim como para nós, hoje, uma raposa, um galo ou um tamanduá podem representar um time de futebol.

 

Portanto, no batismo de Jesus, o que desce sobre Ele é a Torá-Pomba para lhe conferir a dignidade de Torá-Personificada. Torá confirma Torá. Deus envia seu Filho. Os cristãos compreenderam no batismo de Jesus que Deus mesmo se lhes oferecia em Jesus, em forma de Torá. A presença simbólica de uma pomba no batismo de Jesus quer ser a sua confirmação como israelita, judeu e membro do povo de Deus, que se faz presente como sinal de esperança e de força, na fragilidade e na candura de uma Yoná.

 

O fato de Jesus ser batizado por João é um dado histórico muito importante. Com isso, Lucas quer dizer que Jesus se une ao movimento penitencial para assumir a cruz, elemento importante na caminhada missionária de Jesus. Ele inicia aí a sua missão com o batismo, mas no fim da estrada está uma cruz esperando-O, assim como ocorre com todo cristão comprometido com a causa do reino anunciado por ele. Por isso, no batismo acolhemos nossas crianças com o sinal da cruz. Não há vida sem cruz.

 

No momento do batismo de Jesus, o céu rasga-se e o Espírito Santo, em forma de pomba, desce e diz que Ele é o seu Filho amado. O céu rasgou-se, assim como o desejo do profeta Isaías pedindo a Deus que fendesse o céu e descesse (Is 63,19). O povo sonhava novamente com uma descida de Deus no meio de seu povo, assim como ocorreu a manifestação no monte Sinai, a teofania, quando ele estava no deserto. No batismo, Deus se manifesta novamente, agora em seu Filho amado, o judeu e Messias Jesus, conforme previa a tradição (Sl 2,7; Is 42,1). Assim como Deus desceu, no tempo da escravidão no Egito, para libertar o seu povo (Ex 3, 7-8), o Espírito de Deus veio sobre Jesus para iniciar uma nova etapa na história da salvação.

 

O batismo de João Batista é o da água para a purificação. Nós também hoje realizamos o batismo, utilizando-nos da água. Há diferenças entre esses dois batismos. João Batista insistia na água para demonstrar a vinda do messias. O povo precisava passar por uma purificação para receber o enviado de Deus e começar uma nova história. Já o nosso batismo tem relação com a morte e ressurreição de Jesus e seu discipulado.

 

No batismo de Jesus, Deus volta a falar com o povo. Uma nova relação é restabelecida. Em e com Jesus não existe mais porta fechada para falar com Deus. Batismo não é para lavar pecados e livrar-se de culpas passadas do simbólico ser humano, chamado Adão. Uma criança batizada é confirmada na Graça de Deus, na qual ela nasceu sem pecado. Ser batizado é um recomeçar nas águas que nos lava no Espírito e no fogo que purifica. Na celebração do Batismo do Senhor renovemos nosso batismo, nosso compromisso com a vida de fé na comunidade e na transformação da sociedade. Sejamos instrumentos de paz e bem!

 

 

 

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