"Estamos vivendo um tempo tão forte de significados para a nossa espiritualidade cristã. O Menino Jesus que se encarnou no ventre de uma mulher, Maria, como Deus, Ele veio humano e divino na Pessoa do Filho, montou sua tenda no meio de nós. E hoje, pelo Batismo, fazemos memória do início da Sua missão. Assim, a Igreja nos convida a renovar nosso compromisso de anunciar e testemunhar a Palavra de Deus, revelada a nós por Jesus de Nazaré."
A reflexão é de Celia Soares de Sousa, graduada em teologia pela Faculdade de Teologia N. Sra. Assunção, SP (1999), mestre (2013) e doutoranda em teologia pela Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP. Tem experiência na formação de leigos e leigas.
1ª Leitura - Is 42,1-4.6-7
Salmo - Sl 28,1a.2.3ac-4.3b.9b-10 (R.11b)
2ª Leitura - At 10,34-38
Evangelho - Lc 3,15-16.21-22
Hoje a Igreja celebra a Festa do Batismo do Senhor. Neste dia, se conclui o ciclo do Natal e se inicia o Tempo Comum.
Estamos vivendo um tempo tão forte de significados para a nossa espiritualidade cristã. O Menino Jesus que se encarnou no ventre de uma mulher, Maria, como Deus, Ele veio humano e divino na Pessoa do Filho, montou sua tenda no meio de nós. E hoje, pelo Batismo, fazemos memória do início da Sua missão. Assim, a Igreja nos convida a renovar nosso compromisso de anunciar e testemunhar a Palavra de Deus, revelada a nós por Jesus de Nazaré.
Na liturgia deste domingo, a primeira leitura (Is 42,1-4.6-7), está inserida em um conjunto de poemas proféticos, encontrados nos capítulos 40-55 do livro do profeta Isaías, onde se respira a mesma esperança. São cânticos e poemas destinados a consolar e animar o povo com a perspectiva de novos dias, já que a Babilônia estava decadente e os persas, com o rei Ciro à frente, estavam às portas (cf. Is 45,1-7). Neste contexto, no seio daquela comunidade profética, surgiram os “cânticos dos servos de Javé” (cf. Is 42,1-4; 49,1-6; 50,4-7; 52,13-53,12).
O mesmo esforço de tentar refletir e compreender a dor e o sofrimento do povo da Bíblia, é exigido de nós hoje, sobretudo neste contexto de pandemia da Covid, dos desmatamentos, da falta de vacina e de tantos outros descasos e desgovernos. Nossa missão como pessoas batizadas à luz da missão de Jesus de Nazaré, o Servo de Javé, é assumir o tríplice múnus como Sacerdote, Rei, Profeta e Sacerdotisas, rainhas e profetizas.
A profecia de Isaías relata que o servo – formado e constituído como centro da aliança do povo (cf. Is 42,6) - virá com autoridade pelo envio recebido para fazer desta uma nova terra, onde a justiça será estabelecida para todo o povo (cf. Is 42,4). Sua missão consiste em “abrir os olhos dos cegos, tirar os cativos da prisão, livrar do cárcere os que vivem nas trevas” (Is 42, 7).
Esta profecia é sinal de esperança, e para nós, Povo de Deus, se realiza na Pessoa de Jesus de Nazaré. Ele continua a contar com a nossa participação nesta travessia, sem esmorecer nem se deixar abater (cf. Is 42, 2).
No Evangelho de Lucas (Lc 3,15-16.21-22), a narrativa do Batismo de Jesus aparece entre dois batismos: o de João, com água, e o de Jesus, no Espírito Santo e no fogo (Is 3,20). O batismo de João é chamado nos evangelhos (Mc 1,4) de “batismo de conversão”. Ele anuncia que é tempo de mudança de vida e de atitude para seguir Jesus e Seu Projeto com radicalidade. O batismo no Espírito Santo e no fogo remete ao Pentecostes. É o mesmo fogo de Pentecostes que dá dinamismo às discípulas e aos discípulos que estavam com medo da morte e da perseguição do Império Romano (At 2, 1-13).
A comunidade lucana relata que o povo estava na “expectativa” se João seria o Messias. Vale destacar a atitude de expectativa e de espera, pois o povo vivia um tempo de opressão, representada por Tibério e por Herodes, em aliança com o templo de Jerusalém. Contudo, João cumpriu sua missão como profeta de fazer a ponte entre a Aliança de Deus com Israel e a Aliança em Jesus com toda a humanidade. Sua função é apontar Jesus, anunciar a sua presença e a sua ação e depois desaparecer. João não se aproveitou para ganhar fama, poder, prestigio ou likes.
Lucas não diz que Jesus foi batizado por João, porque o tempo de João passou. Chegou o tempo do Reino (Lc 16,16).
Neste sentido, o Papa Francisco convida toda a Igreja a refletir sobre um tema que é decisivo para a sua vida e para a sua missão: “O caminho da sinodalidade é precisamente o caminho que Deus espera da Igreja do terceiro milênio”.
Há, portanto, uma profunda relação entre batismo e sinodalidade, e Jesus experimentou o “caminhar juntos” na sua práxis, batiza-Se para nos ensinar a ser povo a caminho - na comunhão, participação e missão. Vejamos: “Quando todo o povo estava sendo batizado, Jesus também recebeu o batismo” (cf. Lc 3, 21). Batizado no meio do povo, Jesus não só faz a parte dele, como também se solidariza com sua situação. Jesus reza, e essa atitude demonstra sua intimidade com o Pai, o Abba, O qual irá chamá-Lo de “Filho amado”. Foi sobre Ele que o Espírito desceu. É uma relação de bem querer, de cuidado, de amor e de ternura entre Deus e o Filho na Trindade (o Pai, o Filho e o Espírito Santo) para com a humanidade.
Essa mesma relação de cuidado e de ternura é mencionada nos Atos dos Apóstolos, na segunda leitura (At 10,34-38) deste domingo, quando Pedro menciona que Deus não faz distinção entre as pessoas (At 10, 34). Pelo contrário, “ele aceita quem o teme e pratica a justiça, qualquer que seja a nação a que pertença” (cf. At 10, 35).
Jesus de Nazaré, ungido pelo Espírito Santo, andou por toda a parte fazendo o bem e curando aos que estavam dominados pela força do mal – o demônio. Portanto, batizar não deve representar um rito vazio ou uma festinha para a família. É uma decisão de maturidade na fé que implica tomar consciência da missão de Jesus e assumi-La nas nossas atitudes e nas nossas ações. Esse é o compromisso almejado para as famílias e comunidades, com o objetivo de anunciar e testemunhar com alegria a Palavra de Deus, na fraternidade, no respeito, na justiça e com solidariedade, com sororidade, principalmente com as pessoas que mais sofrem.
Deixemo-nos questionar: como temos vivido nosso Batismo na Igreja e na Sociedade? Denunciamos as injustiças e as opressões sociais? Nos sensibilizamos e denunciamos todo tipo de violência contra mulheres, crianças, jovens, idosos?
Testemunhar Jesus Cristo, em uma sociedade tão conflituosa e preconceituosa, implica cuidar das feridas dos caídos à beira do caminho, como disseram os Bispos na V Conferência de Aparecida, 32: “Desejamos que a alegria da boa nova do Reino de Deus, de Jesus Cristo vencedor do pecado e da morte, chegue a todos quantos jazem à beira do caminho, pedindo esmola e compaixão (cf. Lc 10,29-37; 18,25- 43)”.
Jesus rezou e o céu se abriu. Oremos, também nós, para que a Trindade Santa, “que é unidade e comunhão inseparável, permita-nos superar o egoísmo para nos encontrarmos plenamente no serviço às pessoas mais necessitadas” (cf. Doc. Aparecida, 240) e para que possamos perseverar constantemente em Seu amor.