06 Outubro 2021
Marcus Wolf é pároco da Igreja de St. Gangolf na pequena cidade de Bamberg, no norte da Baviera. O padre puxa o registro paroquial e se dirige à seção marcada como “Kirchenaustritt”, um procedimento para que o nome seja riscado dos cadernos de batismo. Ele indica que 32 paroquianos abandonaram a Igreja em 2019. E mostra que outros 21 já o fizeram neste ano.
A reportagem é de Youna Rivallain, publicada em La Croix International, 05-10-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
“Eu mesmo pensei em abandonar a Igreja”, diz Wolf, indiferente. “Mas fiquei. Em parte, para cuidar dos meus paroquianos.”
Bamberg, que remonta ao século IX, é uma cidade católica e conservadora. Considerado uma das mais belas cidades da Alemanha, ela foi nomeada como Patrimônio Mundial da Unesco em 1993.
A Catedral de Bamberg, em homenagem a São Pedro e São Jorge, fica em uma colina de carvão com vista para as casas de enxaimel da velha cidade medieval. Os amantes da cerveja e os estudantes universitários matam a sede em uma das 60 cervejarias dessa cidade de 77.000 habitantes.
Assim como em todas as outras partes da Alemanha, essa diocese de 1.000 anos de idade, onde católicos e protestantes vivem lado a lado, ainda não se recuperou do choque sofrido três anos atrás.
Em setembro de 2018, o chamado estudo MHG foi publicado, revelando a extensão do abuso sexual na Igreja Católica na Alemanha.
No rastro disso, os bispos do país, liderados pelo fervoroso cardeal Reinhard Marx, de Munique, lançaram o chamado “Caminho Sinodal” (der Synodaler Weg).
Ele recém-iniciou a sua terceira e penúltima fase nesta semana.
Desde janeiro de 2020, seus participantes discutem o futuro da Igreja Católica alemã por meio de quatro temas:
Mas o Caminho Sinodal despertou preocupação entre os católicos fora da Alemanha e particularmente no Vaticano.
O La Croix conversou com várias pessoas em Bamberg para obter uma melhor compreensão do que está em jogo.
Nessa tranquila arquidiocese bávara, a maioria dos católicos parecem ser a favor dessa reflexão sobre a Igreja.
Eles são motivados pela urgência de restabelecer a confiança entre a Igreja e o seu povo, profundamente prejudicada pelo escândalo dos abusos.
O principal objetivo é a sobrevivência.
Pouco depois do lançamento do estudo MHG em 2019, a Arquidiocese de Bamberg registrou um aumento de 50% no “Kirchenaustritt”.
E cada vez mais católicos praticantes começaram a se juntar àqueles que planejam abandonar a Igreja.
“Esse é um sinal de alerta”, diz o Pe. Wolf.
Em Erlangen, 40 quilômetros ao sul de Bamberg, o enérgico Klaus Koschinsky ainda espera que a Igreja na Alemanha se recupere dessa crise.
Ele é o presidente do conselho paroquial da Igreja do Sagrado Coração e – junto com dois bispos, um padre e outro leigo – faz parte da delegação da Arquidiocese de Bamberg no Caminho Sinodal.
Koschinsky é um católico comprometido e diz que está profundamente ferido pela crise dos abusos.
Ele também pensou em abandonar a Igreja, mas decidiu ficar para ajudar a mudar a instituição a partir de dentro.
“O Caminho Sinodal não é uma revolução, mas sim uma reflexão sobre o sistema que permitiu os abusos e protegeu os perpetradores. Precisamos identificar as causas e garantir que não volte a acontecer”, explica.
Koschinsky diz que há uma profunda crise de confiança na Igreja.
Em uma região onde todo católico paga mensalmente o imposto obrigatório à Igreja, ser fiel custa caro.
“Como você pode dar 8% da sua renda e confiar em uma instituição que permitiu e protegeu esses horrores?”, pergunta ele.
Essa crise de confiança só se agrava com a escassez de padres, especialmente em um país onde a Igreja Católica opera muitas instituições educacionais e de saúde.
Christoph Uttenreuther, pároco na cidade de Hallstadt, ao norte de Bamberg, também é um representante diocesano no Caminho Sinodal.
Além da sua paróquia, ele também é responsável por cinco creches.
Ao longo dos anos, ele sentiu seus laços com os leigos se enfraquecerem.
“Os padres estão tão ocupados que não têm mais contato direto com os fiéis”, confidencia ele rapidamente, antes de entrar no carro para ir celebrar um funeral.
Foi nesse contexto que, em março de 2021, os católicos alemães receberam a nota da Congregação para a Doutrina da Fé sobre a proibição das bênçãos para casais homossexuais.
Vários padres alemães protestaram, organizando bênçãos para parceiros do mesmo sexo. E algumas paróquias da Arquidiocese de Bamberg agora exibem bandeiras com o arco-íris.
Embora tenha suas próprias reservas sobre essas bênçãos, “que poderiam ser confundidas com o matrimônio cristão”, o bispo auxiliar Herwig Gössl, de Bamberg, diz lamentar que a nota da Congregação para a Doutrina da Fé tenha sido publicada nesse contexto.
Por toda a Alemanha, especialmente nessa arquidiocese onde católicos e protestantes representam 30% da população cada, a proximidade das Igrejas da Reforma influencia o pensamento dos católicos.
“Quando você tem duas Igrejas lado a lado, não pode deixar de se perguntar por que as mulheres podem oficiar em uma e não na outra”, observa Astrid Franssen, membro do Caminho Sinodal.
Delegada para a igualdade de gênero da Arquidiocese de Bamberg, ela encoraja a presença de mulheres em cargos decisórios na diocese – mas sem deveres sacramentais.
Assim como o Pe. Uttenreuther, ela está aberta à ideia de ver mulheres batizando, pregando ou casando os fiéis.
Muitos observadores estrangeiros temem que a Alemanha está caminhando rumo a um cisma com Roma, especialmente depois que o papa enviou uma carta aos católicos do país em junho de 2019, instando-os a se concentrarem mais na evangelização.
Depois, em novembro de 2020, o papa fez alusão aos católicos envolvidos no Caminho Sinodal que “não escutam suficientemente o Espírito Santo”.
“Ninguém no Caminho Sinodal quer um cisma”, garante Dom Gossl. “Queremos restaurar o diálogo.”
De fato, muitos católicos acreditam que o cisma já ocorreu.
O movimento conservador Maria 1.0, que foi fundado em maio de 2019 e reúne cerca de 3.000 mulheres em toda a Alemanha, não esconde as suas preocupações.
“A Igreja não pode ser mudada em um estalar de dedos”, insiste sua presidente, Clara Steinbrecher, uma estudante de Eichstätt, uma diocese sufragânea da Arquidiocese de Bamberg.
“A agenda política dos católicos de esquerda está sendo imposta sob o pretexto de resolver a crise dos abusos. Para nós, o Caminho Sinodal alemão está no caminho errado e não é um modelo para o processo sinodal da Igreja universal”, avisa ela.
Apesar das divergências, Koschinsky quer acreditar que o diálogo é possível no Caminho Sinodal.
“Ao redor da mesa, há progressistas e conservadores, e no meio há os abusos. Além das nossas diferenças de opinião, a questão é: o que fazemos agora?”, diz o padre.
Os conservadores parecem ser minoria na Arquidiocese de Bamberg. São discretos e poucos nas paróquias.
“Em escala nacional, eles fazem muito barulho, mas são menos numerosos do que parecem”, diz Christian Bauer, natural da Baviera e professor de Teologia Prática na Universidade de Innsbruck, na Áustria.
Ele diz que há uma “tribalização da minoria conservadora, que tende, em reação, a endurecer as suas posições e a se recusar a fazer compromissos”.
De fora, o processo dá a imagem de uma Igreja alemã em turbulência. Mas, localmente, muitos são ainda mais pessimistas.
O Pe. Wolf está tendo problemas para oferecer esperança a seus paroquianos.
“Eles temem que Roma rejeitará as propostas de reforma da Igreja na Alemanha. Muitos ficaram decepcionados com o fracasso do Sínodo sobre a Amazônia”, diz o padre.
Stefan Hofknecht, presidente da Associação Juvenil Católica da Arquidiocese de Bamberg, ficou devastado com a crise dos abusos. Seus próprios pais estão pensando em abandonar a Igreja. Em casa, os debates são acalorados... o que o faz questionar novamente o seu lugar na instituição.
“Esses escândalos afetaram a Igreja, mas nos obrigaram a nos envolver mais como leigos”, diz Hofknecht.
Em última análise, muitos esperam que a Igreja alemã sirva de inspiração para a fase preparatória da assembleia do Sínodo dos Bispos sobre a sinodalidade, que o papa lançará no dia 10 de outubro.
Bauer quer ver o Caminho Sinodal como um processo de renovação interior.
“Antes de evangelizar externamente, a Igreja na Alemanha deve evangelizar a si mesma e aprender a ser uma minoria criativa”, diz.
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A silenciosa revolução dos católicos alemães - Instituto Humanitas Unisinos - IHU