15 Março 2018
Ao entrar no sexto ano de pontificado, o Papa Francisco está em boa saúde, alto astral e sustentado pela paz interior que se apresentou a ele no conclave e nunca o deixou, de acordo com fontes próximas ao 265º sucessor de Pedro.
Ao redor do mundo houve tentativas de fazer um balanço e extensas análises de seus primeiros cinco anos como Papa. No mundo anglófono, não foram poucos os que usaram a questão de como o papa lida com a questão do abuso sexual como a única medida para avaliar se seus cinco anos à frente da barca de Pedro foram ou não um sucesso.
A reportagem é de Gerard O’Connell, publicada por America, 13-03-2018. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
Claro que esta é uma questão de grande importância para a vida da Igreja e seu ministério papal, mas uma avaliação justa da liderança de Francisco não pode ser reduzida unicamente a isso, nem a qualquer outra questão. Há muitas outras questões de enorme importância para a pregação do Evangelho e o futuro da Igreja Católica que não devem ser esquecidas em uma análise abrangente. Questões que podem ser grandes preocupações em uma parte do mundo podem não ser tanto em outra.
Acima de tudo, Francisco é "um Papa missionário", que está determinado a transformar a Igreja numa "Igreja missionária". Ele acredita na pregação do Evangelho através da ação e, se necessário, das palavras. É um religiosos que inspira fé e esperança, trazendo o evangelho para a vida diante dos nossos olhos.
Quando Francisco se tornou papa, a Igreja estava em profunda crise nos Estados Unidos e em outros lugares no mundo ocidental, e muitas pessoas estavam desconfortáveis para se identificar como católicas. Hoje já não é o caso. Francisco energizou a Igreja não apenas no hemisfério sul, mas em todo o mundo católico, principalmente por seu foco na misericórdia, ao repetir às pessoas que "o nome de Deus é misericórdia" e que a misericórdia e os pobres são o cerne do Evangelho.
Ele transferiu o centro da Igreja Católica para a periferia quando, pela primeira vez na história, fez a abertura de um jubileu, o ano jubileu da misericórdia, em Bangui, capital da República Centro-Africana, em novembro de 2015. Ele mantém seu foco na misericórdia toda sexta-feira, com diferentes expressões das obras de misericórdia corporais e espirituais.
Como bispo em Buenos Aires, ele sempre foi um "cura callejero" — um padre de rua. Hoje, poderia ser considerado um "papa callejero", um papa peregrino, sempre em movimento — pois já visitou 33 países. Ele quer a Igreja peregrina em movimento, alcançando as pessoas em todas as esferas da vida, tornando as pessoas mais conscientes de que Deus está presente e ativo não só nas ruas das nossas grandes cidades, mas também nas periferias, nas favelas que as cercam. Para destacar este último ponto, ele escolheu muitos cardeais a partir dessas periferias, buscando trazer sua experiência para o coração da igreja e garantir que o conclave que vai eleger seu sucessor "é verdadeiramente católico", como ele próprio já disse.
É importante observar que existe uma dimensão "profética" no ministério de Francisco que é muitas vezes menosprezada ou mal compreendida e às vezes provoca resistência. O editorial da edição desta semana do La Civiltá Cattolica chamou a atenção para isso ao declarar que "Francisco é um Papa do Concílio do Vaticano II, não porque ele afirma e defende o concílio constantemente, mas porque compreende valor íntimo de reler o Evangelho à luz da experiência contemporânea." Neste contexto, o editorial recordou que Paulo VI, em seu discurso de encerramento da quarta e última sessão do Concílio, definiu caridade como "a religião do nosso Concílio” e lembrou os padres da história do Bom Samaritano.
Todos os dias, em suas homilias, Francisco caminha à luz desse Concílio, ao associar o Evangelho do dia à vida contemporânea. Suas homilias têm tido um impacto extraordinário em todo o mundo e foram publicadas em livros em muitas línguas. Francisco também seguiu o concílio em sua encíclica Laudato Si' e em sua exortação Amoris Laetitia, mas este caminho "profético" não tem apenas energizado muitos na Igreja, mas também perturbado alguns que resistem à sua mensagem.
O Papa Francisco quer transformar toda a Igreja através do caminho da conversão. Como o santo cujo nome usa, Francisco se dispôs "a reparar" a Igreja em todos os níveis, começando com a estrutura do papado em si. Há cinco anos ele está envolvido na chamada "conversão do papado" e tem buscado essa ambição principalmente pela ação, de formas que tiveram um grande impacto sobre os fiéis e os não fiéis.
Ele optou por não morar no Palácio Apostólico, mas sim num pequeno apartamento de três quartos em Santa Marta, a casa de hóspedes do Vaticano, e em vez da limusine papal optou por um Ford Focus econômico. Seu estilo de vida é simples e humilde e transcorre sob o marco da pobreza, não de um monarca ou príncipe. Ele está estabelecendo um padrão para os bispos e para o clero também. Ele insiste que é, antes de mais nada, "pecador" e que também pode e comete erros, que como papa não tem todas as respostas. Tem desmistificado o papado desta e de muitas outras formas e aproximado o povo. A maneira como ele está transformando o papado tem grande chance de condicionar como seus sucessores vivem e realizam o ministério petrino. Isso tem consequências importantes no campo ecumênico, mas também na perspectiva da evangelização.
Como Abraão, Francisco é acima de tudo um homem de fé, que, como papa, não tem medo do desconhecido e de correr riscos — "o risco da fé" — em busca da paz entre as nações, harmonia entre os seguidores de diferentes religiões e esperança para as pessoas em situações desesperadoras de conflito e sofrimento. Seu papel na reaproximação entre Cuba e Estados Unidos é um exemplo disso. Além disso, há as visitas para a República Centro-Africana, Egito, Colômbia e Myanmar, e sua disponibilidade para ir ao Iraque e Sudão do Sul assim que possível para consolar e incentivar as pessoas.
Nas reuniões do pré-conclave, os cardeais confiaram ao novo papa a difícil e complexa tarefa de reformar a Cúria Romana. Francisco já alcançou vários objetivos neste processo de reforma, mas muito ainda precisa ser feito, como unir ou reestruturar ainda mais outros gabinetes do Vaticano e finalizar uma nova constituição prevendo que a Cúria substitua o "Pastor Bonus", que foi promulgada por São João Paulo II. O cardeal Oswald Gracias, um dos nove membros do conselho de cardeais que aconselham o Papa a respeito dessa reforma, disse à America que esperava que grande parte da reforma fosse concluída até o final de 2018, mas enfatizou que o que Francisco mais quer é uma mudança muito mais do que estrutural, "uma mudança de mentalidade", para que a Cúria Romana esteja a serviço do papa no exercício do seu ministério petrino e a serviço das igrejas locais.
Muitas conferências episcopais já colheram os primeiros frutos da reforma quando vieram a Roma para a visita ad limina.
Encontraram uma nova atmosfera nos escritórios da Cúria, marcada por um espírito de acolhimento dos funcionários do Vaticano e disponibilidade para ouvir. Suas reuniões com o Papa passaram a ser um diálogo real, podendo durar duas ou mais horas, em que falam e perguntam livremente. O Papa escuta, responde e incentiva.
O Papa Francisco quer que a Cúria o ajude a promover a sinodalidade na Igreja para envolver todo o povo de Deus. Um fruto dessa sinodalidade ficou evidente nos dois sínodos sobre a família.
O Papa tem plena consciência de que a questão do abuso de menores por padres é um escândalo de grandes proporções e um obstáculo à evangelização. Ele está comprometido em buscar a política de "tolerância zero" iniciada pelo Papa Bento XVI, mas foi além, tentando responsabilizar bispos ou religiosos superiores a partir da lei canônica sobre encobrimento de abuso ou omissão de proteção às crianças. Ele quer que essa política não apenas seja plenamente aplicada e implementada na Cúria Romana, mas também pelos bispos nas dioceses no mundo todo, e que o sistema seja muito mais transparente, para que as pessoas possam ver os resultados concretos.
Houve críticas pertinentes a respeito de como o Papa lidou com a crise de abusos sexuais atual e algumas feridas autoinfligidas como a controvérsia em torno da nomeação do bispo Juan Barros no Chile e comentários do Papa sobre vítimas de abuso clerical nesse país sul-americano. No entanto, Francisco está profundamente comprometido em dar uma resposta pastoral à crise e tem reuniões com as vítimas quase toda semana. Muitos sacerdotes foram demitidos do ministério, vários bispos, bem como alguns superiores foram demitidos de funções de autoridade, e ele não assinou nenhum perdão dos 20 a 25 pedidos submetidos por sacerdotes condenados por abuso de menores, mas parte da mídia e algumas organizações de vítimas, com mínima evidência, colocaram isso em questão.
Como disse uma vez um ex-embaixador da União Europeia, "o Vaticano tem uma história para contar, mas não sabe contar direito”. Nos próximos anos, Francisco sabe que ele precisa garantir que o Vaticano vai contar sua história, esclarecer os fatos e agir de forma mais transparente.
Desde o primeiro dia de seu pontificado, o Papa Francisco procurou construir pontes com a China e desenvolver uma relação de trabalho positiva com sua liderança. Ele lutou para chegar a um acordo com Pequim sobre a questão crucial da nomeação dos bispos e está prestes a conclui-lo, se as autoridades chinesas consentirem. Assim que o acordo for assinado, Francisco vai partir para a próxima fase da viagem para desenvolver o relacionamento em diversas áreas, enquanto reza pela graça de entrar na Cidade Proibida como fez o missionário jesuíta Matteo Ricci há mais de 450 anos.
Francisco tem falado muito sobre a necessidade de elevar as mulheres a papéis de maior responsabilidade na Igreja e na Cúria. Ele já nomeou três mulheres para subsecretárias em dois grandes departamentos do Vaticano — o Secretariado dos Leigos, da Família e da Vida e a Congregação para os Institutos de Vida Consagrada. Ele também escolheu uma mulher para ser chefe dos museus do Vaticano e vice-diretora da Sala de Imprensa da Santa Sé - e deve tomar outras ações medidas concretas nesse sentido. O Papa ainda criou uma comissão para estudar a questão do diaconato feminino na Igreja primitiva e vai tirar conclusões sobre o papel contemporâneo das mulheres a partir desse estudo.
Francisco busca constantemente se aproximar dos mais jovens e ouvi-los. No próximo ano, ele terá duas grandes oportunidades para isso: o encontro de jovens pré-sínodo em Roma, na próxima semana, em preparação para o Sínodo dos Bispos de outubro sobre a juventude e a Jornada Mundial da Juventude, no Panamá, em janeiro de 2019.
Desde a Assembleia do Conselho Episcopal Latino-americano em Aparecida, no Brasil, em 2007, Francisco tem se preocupado com a dramática situação ambiental na região amazônica e as dificuldades para a evangelização na região. Por isso, convocou o sínodo na região amazônica. O evento acontece em outubro de 2019 e vai discutir a proteção desta casa comum, os pulmões do mundo.
Também deve abordar a questão da autorização ou não da ordenação de homens casados para garantir a Eucaristia para os povos nativos da região.
Como publicou o La Civiltá Cattolica em seu editorial, Francisco não acredita em “soluções prontas”. Ele não é como o diretor de uma empresa que tem um planejamento de cinco anos que pode gerar resultados óbvios. O pontificado do Papa Francisco é "um pontificado de sementes". As mudanças iniciadas por ele vão levar algum tempo para amadurecer. Seus sucessores vão fazer a colheita.
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Os primeiros cinco anos de Francisco foram um sucesso? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU