21 Abril 2021
“Precisamos começar a falar sobre o futuro da reforma litúrgica. A conversa revelará o que pensamos sobre Cristo, a Igreja e nosso lugar no mundo”, escreve Thomas Reese, jesuíta estadunidense, em artigo publicado por Religion News Service, 15-04-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Além do sexo, nada é mais debatido pelos católicos que a liturgia. Qualquer um tem opiniões fortes baseadas nos anos de experiência pessoal.
Nos anos 1960 e 1970, o Papa Paulo VI implementou reformas litúrgicas revolucionárias postas pelo Concílio Vaticano II, mas depois de sua morte em 1978, o Vaticano paralisou as mudanças. Agora é o tempo para a segunda fase.
Em um texto anterior, eu recomendo que a Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos em Roma atualizasse o processo pelo qual considera questões litúrgicas. Eu argumentei por mais transparência e consulta mantendo o princípio da colegialidade promovido pelo Vaticano II e o princípio da sinodalidade promovido pelo Papa Francisco.
O propósito de um processo colegial e transparente é desenvolver boa liturgia que esteja sustentada por um consenso com a comunidade.
Nessa coluna, eu ofereço minhas próprias ideias sobre melhoras na liturgia como uma tentativa de fazer uma conversa, convidando pesquisadores e outros para considerar minhas propostas (de forma transparente e colegial).
O rito romano foi desenvolvido na Itália e na Europa Ocidental séculos atrás. João Paulo II escreveu lindamente sobre a importância de inculturação do cristianismo – fundamentando-se em culturas para além de sua base europeia. A questão não respondida é como fazer a inculturação em termos concretos na liturgia de hoje.
Cada conferência episcopal necessita estar encorajada para reunir acadêmicos, poetas, músicos, artistas e pastores para desenvolver liturgias para suas culturas específicas. Quando a liturgia estiver fora da cultura local, tornar-se-á entediante e morrerá. Essas novas liturgias precisam ser testadas antes de serem adotadas.
As conferências episcopais devem discutir como novos ministérios litúrgicos são necessários e quem pode ser chamado a ministrar a liturgia. Pode o trabalho da liturgia ser separado do trabalho de administração? Os líderes litúrgicos precisam ser celibatários, homens, empregados com jornada integral? Pode um diácono ou leigo ungir os doentes ou ouvir confissões? Em uma era de declínio no número de padres, algumas questões devem ser enfrentadas.
Além da renovação litúrgica, o Vaticano II enfatizou a melhoria das relações com outras igrejas cristãs. Uma maneira de fazer isso é aproximar nossas cerimônias litúrgicas. A Eucaristia é um sinal da unidade existente entre as Igrejas ou pode ser também um meio de fomentar a unidade? O primeiro exclui a intercomunhão; o último não.
A Igreja também poderia permitir que os cônjuges dos católicos compartilhem a comunhão se eles compartilharem da nossa fé na Eucaristia. Em 2015, uma luterana perguntou a Francisco o que ela deveria fazer na comunhão, quando se juntou ao marido católico na missa. O papa respondeu com simpatia, mas indicou sua relutância em mudar a política da Igreja. Ele terminou dizendo: “Fale com o Senhor e depois siga em frente”. Muitos entenderam que isso significa que a mulher deve seguir sua consciência.
Teologicamente, se um casal se une no sacramento do matrimônio, como não permitir que se unam na Eucaristia? Pastoralmente, a prática de impedir a comunhão de pais não católicos dá aos filhos a impressão de que a igreja pensa que seus pais são pessoas ruins.
Quando chefiou a Congregação para a Doutrina da Fé, Joseph Ratzinger, agora Papa emérito Bento XVI, insistiu que os textos litúrgicos fossem traduzidos palavra por palavra do latim. Tradutores experientes e estudiosos litúrgicos discordaram e consideram a tradução inglesa resultante lamentavelmente inadequada. Houve outra tradução melhor, feita em 1998, que foi aprovada pelas conferências dos bispos de língua inglesa, mas rejeitada por Roma.
É mais importante que o significado do texto seja comunicado mais claramente do que a tradução literal. Não há razão para que a hierarquia não pudesse permitir que os padres usassem a tradução de 1998 como alternativa, permitindo-os decidir qual tradução funciona melhor em sua paróquia. Essa opção limitar-se-ia às orações do padre na missa, pois seria muito confuso mudar as respostas das pessoas sem uma preparação extensa.
Após as reformas paulinas da liturgia, presumia-se que a missa “tridentina” ou latina desapareceria. Os bispos receberam autoridade para suprimi-la em suas dioceses, mas algumas pessoas se apegaram à velha liturgia ao ponto do cisma.
Bento XVI retirou a autoridade dos bispos e ordenou que qualquer padre pudesse celebrar a missa tridentina quando quisesse.
É hora de devolver aos bispos a autoridade sobre a liturgia tridentina em suas dioceses. A Igreja precisa deixar claro que deseja que a liturgia não reformada desapareça e só a permitirá por bondade pastoral para os idosos que não entendem a necessidade de mudança. Não se deve permitir que crianças e jovens assistam a tais missas.
A oração eucarística infelizmente recebe pouca atenção dos fiéis ou de muitos padres que a recitam. Muitos se concentram exclusivamente na consagração do pão e do vinho, enquanto ignoram o significado da oração. Existem atualmente 13 orações eucarísticas aprovadas, embora a maioria dos padres use a mais curta, a Oração Eucarística II.
A Eucaristia se desenvolveu a partir da experiência da Última Ceia, que foi uma refeição pascal. Como resultado, as orações eucarísticas foram modeladas na Páscoa judaica ou nas orações do sábado (berakah) ditas pelo pai de uma família durante a refeição. Eles começam lembrando e dando graças e louvores a Deus por suas ações em favor de seu povo. Para os judeus, isso começa com a criação e inclui as obras de Deus contadas no Antigo Testamento.
Como a refeição da Páscoa, a Eucaristia é uma refeição sacrificial por meio da qual a família se une a Deus e uns aos outros. É também uma oportunidade para lembrar e renovar sua aliança com Deus. Damos graças a Deus por suas ações ao longo da história, especialmente pela vida, morte, ressurreição e promessa de retorno de Jesus. Por meio da Eucaristia, renovamos nossa aliança com o Pai por meio de Cristo.
Mais importante do que a transformação do pão e do vinho no corpo e sangue de Cristo é a transformação da comunidade no corpo de Cristo para que possamos viver a aliança que temos por meio de Cristo. Não adoramos Jesus, neste sentido; com Jesus adoramos o Pai e pedimos para sermos transformados pelo poder do espírito no corpo de Cristo.
A Igreja precisa de mais e melhores orações eucarísticas com base em nossa compreensão renovada da Eucaristia.
Também seria bom ter orações eucarísticas que usassem uma linguagem mais bíblica. Quando a leitura do Evangelho é de Lucas, o sacerdote pode usar uma oração eucarística evocando a linguagem e a teologia de Lucas. Um “prefácio” único para cada domingo, que retirasse temas das leituras das Escrituras, poderia também ligar a Liturgia da Palavra e a Liturgia da Eucaristia mais intimamente.
Outras orações eucarísticas podem desenvolver outros temas - a preocupação da igreja pelos pobres, ou pela justiça, paz, cura e meio ambiente. Todas essas novas orações exigiriam um teste antes da adoção.
Originalmente, o abraço da paz ocorre ao fim da conclusão da Liturgia da Palavra, onde é simbolizado o acordo da comunidade com o que escutaram nas Escrituras. Com a explicação propícia, seria uma boa ideia promover essa prática ancestral como uma opção alternativa ao momento atual que é antes da Comunhão.
Depois da Oração do Senhor, o padre quebra um pedaço de hóstia e o coloca no cálice. Nos tempos antigos, os bispos, em vez disso, enviavam esta partícula, chamada de “fermentum”, às paróquias de suas dioceses, cujos pastores a colocavam em seus cálices como um símbolo de comunhão.
A prática poderia ser revivida durante a Semana Santa, quando o bispo poderia enviar o fermentum da Missa Crismal, na Semana Santa, para que os pastores depositassem em seus cálices na Quinta-feira Santa ou no Domingo de Páscoa. Em ocasiões especiais (talvez Congressos Eucarísticos), o papa poderia compartilhar o fermentum com bispos de todo o mundo, que o colocariam em seus cálices.
E à medida que as relações ecumênicas melhoram, o papa poderia compartilhar o fermentum com o patriarca ecumênico ou outros bispos cristãos. Os papas já compartilharam anéis episcopais e báculos com bispos não católicos; compartilhar o fermentum seria um próximo passo lógico.
Duvido que verei muitas dessas reformas em minha vida, mas precisamos começar a falar sobre o futuro da reforma litúrgica. A conversa revelará o que pensamos sobre Cristo, a Igreja e nosso lugar no mundo.
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Ideias para o futuro da reforma litúrgica católica. Artigo de Thomas Reese - Instituto Humanitas Unisinos - IHU