Por: Wagner Fernandes de Azevedo | 24 Março 2018
Em cinco anos do pontificado de Francisco estendeu-se um debate sobre a Reforma da Reforma Litúrgica. Os holofotes da discussão se focam no cardeal Robert Sarah, prefeito da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, e as frequentes contradições em relação à Liturgia Pós-Conciliar. As proposições de Reforma da Reforma são, segundo Márcio Pimentel, embasadas em “uma falácia sobre a reforma litúrgica pós-conciliar, transformando-a em resultado de um motim modernista no interior da instituição católica, tornando-a primeira responsável pela deterioração da fé cristã”. O resgate da tradição pelo pontificado anterior enreda a Igreja do Concílio Vaticano II.
Em 2007 o papa Bento XVI publicou a carta apostólica Summorum Pontificum que em suma readmitia o rito litúrgico pré-conciliar. O chamado rito de Pio V realizado ad oriente (virado para o Oriente) e somente em latim perdurou de 1570-1962 no Missal Romano. Bento XVI ao retornar à ação pré-conciliar saudava a acolhida dos descontentes com a constituição Sacrosanctum Concilium, e inclusive de excomungados como os lefebvrianos. O ponto de partida de Bento XVI conduziu a um novo movimento reformista. Cardeal Robert Sarah manifesta declaradamente a necessidade de reconciliação litúrgica entre os ritos.
O cardeal guineense é enfático na sua investida de Reforma da Reforma. Sarah afirmou em 2016 “que nisto está o futuro da Igreja”. Em 2017, em carta de comemoração aos 10 anos da Summorum Pontificum posicionou-se com firmeza contra “o desastre, a devastação e o cisma que os promotores modernos de uma liturgia viva causaram ao remodelar a liturgia católica segundo suas próprias ideias”. Em artigo crítico à carta, Michael Seann Winter analisou que “o cardeal Sarah não trouxe palavras ásperas para os tradicionalistas, somente para os reformistas pós-conciliares [...] o cardeal e os tradicionalistas parecem estar exercendo uma variedade de secularismo em que creem que Deus parou com sua atividade no mundo, que ele se faz acessível no Rito Tridentino e somente nele e que todos os males da Igreja fluem do fato de termos abandonado aquela ‘idade de ouro’”.
Deste modo, ao se pensar na trajetória papal de Francisco, é crucial fazer uma análise com a disputa litúrgica em primeiro plano. Apesar do desmoronamento da Secretaria de Comunicação do Vaticano nas últimas semanas, Cardeal Sarah esteve em destaque nas principais controvérsias. Não foram poucas as vezes que o papa e o cardeal divergiram em discursos públicos. A admissão do passado por Bento XVI delibera a Francisco os embaraços de aprofundamento do próprio Concílio Vaticano II.
O professor Márcio Pimentel, especialista em Liturgia e assessor litúrgico da Arquidiocese de Belo Horizonte, sustenta que “é preciso recompor o caminho da Liturgia no horizonte da Constituição Conciliar Sacrosanctum Concilium, sobre a Sagrada Liturgia”. O espírito colegial e sinodal propostos por Francisco devem conduzir à continuidade da Reforma de 1965 com urgência, segundo Pimentel. O professor é ainda veemente em afirmar que “negar a reforma litúrgica é negar o Concílio”.
Nestes elementos de contradições que a Liturgia tende a ser reformulada e reconstruída. Porém, o já estabelecido pelo Vaticano II é a inserção de novos atores nesta disputa. A formação da Pastoral Litúrgica com leigos e jovens permite a enculturação e os elementos populares ao rito a partir dos seus costumes. Entretanto, Pimentel percebe com preocupação “que algo se rompeu no processo de transmissão da beleza eclesiológica e pastoral do Concílio Vaticano II, e que se vê outra rota consolidando-se publicamente pela perspectiva litúrgica insurgente destes grupos”. Assim, em cinco décadas de Reforma, tantos os embates internos de poder da Cúria Romana quanto nos outros espaços políticos da Igreja incidirão sobre os ritos litúrgicos.
O Instituto Humanitas Unisinos - IHU promove o aprofundamento e expansão no debate sobre o pontificado de Francisco com o XVIII Simpósio Internacional IHU – A virada profética de Francisco: Possibilidades e limites para o futuro da Igreja no mundo contemporâneo, entre os dias 21 e 24 de maio de 2018. O Marcio Pimentel é professor da Pós-Graduação em Liturgia da Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE), ministrará o minicurso A Liturgia Pós-Conciliar: uma abordagem a partir do Magistério do Papa Francisco, no dia 21 de maio, às 14h30min, na Unisinos Porto Alegre.
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A Liturgia Pós-Conciliar: uma abordagem a partir do Magistério do Papa Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU