04 Abril 2017
O prefeito litúrgico da Santa Sé criticou as mudanças litúrgicas ocorridas na sequência do Concílio Vaticano II ao mesmo tempo em que elogiou as orientações polêmicas para as traduções do Missal que o Papa Francisco teria pedido revisão.
A reportagem é de Christopher Lamb, publicada por The Tablet, 03-04-2017. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Em mensagem enviada para uma comemoração do 10º aniversário desde a publicação do motu proprio Summorum Pontificum pelo Papa Bento XVI, o Cardeal Robert Sarah, prefeito da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, sustentou que aqueles que promovem uma “liturgia moderna” têm causado um desastre, uma devastação e um cisma ao tentar reduzir a missa a uma “simples refeição convivial”.
O encontro de 1962-1965 dos bispos durante do Concílio Vaticano II procurou renovar o catolicismo reconectando-o à Igreja primitiva, ao mesmo tempo convidando os fiéis a se engajarem no diálogo com o mundo: e os líderes eclesiásticos que se reuniram em Roma na época votaram, de forma quase unânime, a favor de reformar a liturgia. Mas numa mensagem enviada esta semana a um colóquio litúrgico alemão, Sarah disse que “a Igreja Católica pós-conciliar” havia “abandonado suas raízes cristãs”.
“Muitos acreditam e declaram em voz alta que o Concílio Vaticano II fez surgir uma verdadeira primavera na Igreja. No entanto, um número crescente de líderes eclesiásticos vê esta ‘primavera’ como uma rejeição, uma renúncia de sua herança de séculos, ou mesmo um questionamento radical de seu passado e tradição”, sustentou o cardeal. “O Concílio Vaticano II quis promover uma maior participação ativa do Povo de Deus e fazer um progresso, dia após dia, na vida cristã dos fiéis. Certamente, algumas boas iniciativas foram feitas nesse sentido”, explicou.
“No entanto, não podemos fechar os olhos para o desastre, a devastação e o cisma que os promotores modernos de uma liturgia viva causaram ao remodelar a liturgia católica segundo suas próprias ideias. Esqueceram-se que o ato litúrgico não é só uma ORAÇÃO [sic], mas também, e acima de tudo, um MISTÉRIO [sic] em que algo é realizado por nós e que nós não compreendemos plenamente, mas que devemos aceitar e receber na fé, no amor, na obediência e em silêncio adorador”.
O cardeal também acusou alguns bispos de se recusarem a “traduzir fielmente” o texto latino original do Missal Romano para os seus respectivos idiomas – com alguns, segundo ele, querendo traduzir o missal “de acordo com fantasias, ideologias e expressões culturais”.
Ele igualmente elogiou por completo o Liturgiam Authenticam, texto de 2001 publicado pelo Vaticano que estabeleceu os princípios de como traduzir o latim para as línguas vernáculas, apesar de fontes romanas dizerem que o papa quer revisar este texto. Os críticos deste documento dizem que ele produz uma tradução demasiado latinizada e frases que soam obscuras, as quais impedem a “participação ativa plena” do povo na missa, conforme desejado pelo Concílio Vaticano II.
Acredita-se que Francisco tenha criado uma comissão para analisar o Liturgiam Authenticam e que ele teria colocado Dom Arthur Roche, secretário do setor litúrgico e assessor número dois do Cardeal Sarah, como encarregado da tarefa. Apesar deste suposto movimento do papa, o cardeal elogiou o “trabalho tremendo, maravilhoso” daquelas conferências episcopais – que traduziram o missal em “perfeita conformidade” com o texto de 2001.
Esta não é a primeira vez que o Cardeal Sarah parece estar em desacordo com o Papa Francisco sobre a liturgia: no ano passado, Francisco repreendeu o prelado por sugerir que os padres deveriam se virar para o oriente e, consequentemente, celebrar a missa “ad orientem” (com as costas para a congregação).
A mensagem do cardeal foi enviada a um encontro que acontecia perto de Aachen para marcar os 10 anos desde que Bento XVI suspendeu as restrições à liturgia tridentina, coisa que o Vaticano II buscou reformar. Em um longo texto, o cardeal falou que o antigo rito (a forma extraordinária) deveria ajudar a enriquecer a missa reformada (a forma ordinária).
Citando Bento XVI, ele afirmou que a antiga missa pode desenvolver a versão contemporânea através da “descoberta de posturas que expressam a adoração do Santíssimo Sacramento: ajoelhar-se, a genuflexão, etc., e também um recolhimento maior caracterizado pelo silêncio sagrado”.
O Cardeal Sarah defende que a maioria dos católicos – incluindo os bispos e padres – desconhecem o ensinamento litúrgico do Vaticano II, que não foi uma reforma, mas uma “restauração” destinada a garantir que a liturgia glorificasse a Deus e que “os homens sejam santificados”.
Explicou que uma “renovação mística e espiritual” da liturgia se fazia necessária, uma liturgia que seja “missionária em caráter” e à qual “o Papa Francisco está nos chamando”. Mas, enfatizou o cardeal, isso não deve ser feito suprimindo-se as antigas formas da liturgia ou vendo-as como “totalmente negativas e ultrapassadas”.
Nota: Não houve confirmação alguma por parte do Vaticano sobre a criação da comissão que estria revendo o Liturgiam Authenticam, embora alguns blogs independentes publicaram uma lista de nomes. Além disso, quando o papa pediu que a congregação emitisse um simples decreto autorizando mulheres no ritual de lava-pés da Quinta-feira Santa, o departamento levou dez meses para produzi-lo.
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Cardeal Sarah ataca “devastação e cisma” da liturgia moderna e elogia texto que Francisco quer rever - Instituto Humanitas Unisinos - IHU