02 Mai 2012
Com uma forte marca autobiográfica, o prior de Bose relata como viveu a missa nos anos anteriores à reforma litúrgica. Palavras densas de memória e ricas de sugestões, que transparecem todo o afeto para com uma forma litúrgica que foi alimento espiritual imprescindível na primeira parte da sua vida.
Veja abaixo, em Para ler mais, as demais partes.
“Nos anos 1950 e 1960 do século passado, a pregação era uma oportunidade para a defesa da Igreja, para a luta contra o ateísmo, o comunismo e o desaparecimento da rigorosa moral sexual, em uma sociedade que perdia os seus parâmetros e conhecia uma nova cultura, cada vez menos tradicional e cada vez mais embebida de individualismo e de liberdade”, conta Bianchi
Publicamos aqui a quarta parte da análise do monge e teólogo italiano Enzo Bianchi, prior e fundador da Comunidade de Bose. O artigo foi publicado na Revista do Clero Italiano, n°. 3, de março de 2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
A missa tridentina – A pregação
É verdade que as pessoas "assistiam" e que essa era a sua participação: o que importava era a devoção, o exercício dos afetos, a atenção à presença de Deus, o temor pelo que acontecia sobre o altar. Não era dada a palavra do Senhor: o Antigo Testamento, durante a semana, era lido pouquíssimas vezes, as leituras da epístola e do evangelho eram – como se disse – sempre as mesmas, em ainda em latim (mais em geral, nas missas não "de morto", as leituras bíblicas eram muito escassas: textos quase que unicamente do evangelho segundo Mateus e admoestações tiradas do apóstolo Paulo).
Eu também me lembro que o meu pároco, considerado um inovador na liturgia e às vezes por isso criticado pelo bispo, a partir de 1951, me fazia ler em italiano, do parapeito, as leituras que ele, simultaneamente, lia em voz baixa em latim no altar. Então, as pessoas faziam silêncio, ouviam, como na elevação: eram os únicos momentos em que se suspendiam as devoções realizadas paralelamente com o desdobramento da missa.
No domingo, ao invés, as missas eram três: às 6h para as mulheres, que depois tinham que ir para casa para preparar o almoço; às 8h para os meninos, à qual se seguia a hora de catecismo; às 11h, a "missa grande", principalmente para os homens e os jovens.
Nessa última missa, em particular, havia os cantos: o coro da cidade executava em gregoriano a Missa de angelis. No início e no fim, cantavam-se hinos que eu recordo com verdadeira tristeza, por serem composições feias, com palavras carregadas de sentimentalismo, às vezes contendo elementos dramáticos.
Mas as pessoas – deve-se reconhecer – consideravam-nos como seus e os cantavam com paixão. Na "missa grande", não faltava a pregação, adaptada para o auditório: no primeiro pós-guerra, vinha um "josefino" de Asti ou um frei passionista do santuário das Rocche e, para não tornar a missa muito longa, ele pregava durante o desdobramento do rito.
Ele só parava no momento do Sanctus, ele também se ajoelhava na direção do altar e retomava o sermão depois do toque de sineta que se seguia à consagração. Tratava-se de pregações, não de homilias: era a ocasião para lembrar e repassar durante o ano a ética cristã, os mandamentos de Deus, os preceitos da Igreja.
Nos anos 1950 e 1960 do século passado, a pregação era uma oportunidade para a defesa da Igreja, para a luta contra o ateísmo, o comunismo e o desaparecimento da rigorosa moral sexual, em uma sociedade que perdia os seus parâmetros e conhecia uma nova cultura, cada vez menos tradicional e cada vez mais embebida de individualismo e de liberdade.
Muitos homens, durante a pregação, ficavam do lado de fora, formando pequenos grupos, e eu tinha que sair para forçá-los a entrar antes do ofertório, advertindo-os que, caso contrário, para eles, a missa não seria válida. O pároco me disse: "Vamos, força! Compelle intrare, faça-os entrar (Lc 14, 23)". Aqueles que entravam, saíam de novo para o pátio da igreja depois do Pai Nosso, dizendo com alívio: "Acabou!", e se queixavam da pregação resmungando.
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Da missa tridentina à reforma litúrgica do Vaticano II – Parte 4. Artigo de Enzo Bianchi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU