19 Setembro 2017
O papa emérito defendeu abertamente um cardeal africano que lidera a ala mais conservadora, contrária à abertura que Jorge Bergoglio está implementando.
A reportagem é de Julio Algañaraz, publicada por Clarín, 17-09-2017. A tradução é de André Langer.
Pela primeira vez nestes quase cinco anos de delicada e sem precedentes coexistência entre um Papa emérito e seu sucessor à frente da Igreja, Francisco e Bento XVI-Joseph Ratzinger se enfrentaram na questão que os conservadores estão brandindo "in crescendo" para desestabilizar o Pontífice argentino: a liturgia. A pedra de escândalo é o cardeal africano Robert Sarah, prefeito da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, que teve vários atritos com Francisco, que rejeitou abertamente suas decisões para retornar à antiga missa (em latim), que foi profundamente reformada pelo Concílio Vaticano II e por Paulo VI.
Sarah, cardeal de Guiné e homem de grande influência na igreja africana, é considerado o atual líder da conspiração tradicionalista, cujo líder era o cardeal Gerhard Müller até que, há alguns meses, foi removido do seu estratégico posto de guardião da ortodoxia por Jorge Bergoglio, que não renovou o seu mandato como prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, o ex-Santo Ofício (por sua vez, ex-Inquisição).
Atrás da figura do cardeal Sarah agrupam-se os ultramontanos que querem esterilizar as mudanças pastorais e o equilíbrio de força que Francisco patrocina, com sua vocação de uma Igreja dos pobres e para os pobres, aberta e inclusiva. Uma reforma que também inclui aberturas históricas, uma das quais é a permissão que os bispos podem dar aos católicos recasados para terem novamente acesso aos sacramentos perdidos.
Completamente isolado pelo papa argentino, que cercou Sarah com colaboradores progressistas, o cardeal africano volta ao campo com todas as honras com o prólogo ao seu livro A força do silêncio escrito pelo papa emérito, que declarou que "com o cardeal Sarah, a liturgia está em boas mãos". É uma clara declaração de estima que representa uma crítica aberta ao seu sucessor, com quem Joseph Ratzinger sempre manteve boas relações, baseadas na sua contínua insistência em afirmar que, como papa emérito, não se envolveria nos problemas da Igreja e do Papado.
Em uma conferência que deu em Londres, o cardeal Sarah lançou uma cruzada pelo retorno à missa tridentina, abolida pelo Concílio Vaticano II e pelo Papa Paulo VI, com uma reforma que modernizou a liturgia católica em todo o mundo, com o apoio mais do que majoritário dos fiéis. Na essência, o sacerdote não celebra mais a missa de costas para a assembleia e olhando "ad orientem", mas de frente para a assembleia. As línguas nacionais foram plenamente incorporadas à liturgia, assim como a participação do Povo de Deus, através da música e dos cantos em língua vernácula, entre outras modificações.
Em duas ou três ocasiões, o cardeal Sarah teve que ser abertamente corrigido pelo Papa Francisco, que defendeu a reforma litúrgica e advertiu que, como chefe absoluto da Igreja, manteria o caráter irreversível das profundas mudanças patrocinadas pelo Concílio Vaticano II.
Em seu prefácio ao livro A força do silêncio, o Papa emérito Bento XVI define Sarah como "um mestre espiritual" em união interior com Deus. Estes e outros elogios contrastam com a conflitante relação de Sarah com o Papa Francisco.
O ex-cardeal Joseph Ratzinger, guardião da ortodoxia no longo pontificado de João Paulo II, elaborou durante o seu pontificado, entre 2005 e fevereiro de 2013, a "reforma das reformas", que restaurou a liturgia da missa tradicional em latim e com os ritos antigos, embora sem atacar a reforma do Concílio e do Papa Paulo VI.
As posições conservadoras e ultraconservadoras de Ratzinger desencadearam uma forte contestação durante o seu pontificado, que muitos consideram fracassado. O Papa alemão levantou a excomunhão de quatro bispos do grupo cismático da Fraternidade Sacerdotal São Pio X, entre os quais estava o neonazista inglês Richard Williamson, que até hoje afirma que o Holocausto (Shoah) de seis milhões de judeus nos campos de concentração nazistas não existiu e que não há provas sobre o uso em massa de câmaras de gás.
Junto com o caos em que se encontrava a cúria romana e as finanças vaticanas, esses foram alguns dos pontos críticos que levaram Ratzinger a anunciar a sua renúncia em 11 de fevereiro de 2013.
Muitos conservadores, que lutam desde o início do pontificado do Papa argentino para impedir que ele faça as reformas na Igreja, sempre buscaram na figura de Bento XV o escudo de prestígio para travar a batalha contra Jorge Bergoglio. Mas Joseph Ratzinger recusou-se a acompanhar os conspiradores.
Daí a extrema importância deste primeiro gesto que rompe com a convivência entre o primeiro Papa emérito da história e o Pontífice Bispo de Roma, que concentra o poder absoluto na Igreja. Não abre propriamente uma guerra entre papas, mas soa os alarmes daqueles que aguardam novas ações da conspiração ultraconservadora contra Jorge Bergoglio.
Todos os personagens da ala mais conservadora da Igreja participaram, na semana passada, de um seminário e de uma peregrinação à Basílica do Vaticano. Motivo: o décimo aniversário do Motu Proprio Summorum Puntificum, com o qual Bento XVI-Joseph Ratzinger, reintroduziu a missa pré-conciliar durante o seu pontificado. Era uma espécie de congresso dos ultramontanos, que teve no cardeal Robert Sarah e no antigo guardião da ortodoxia, Gerhard Müller, alguns dos principais oradores.
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A renovação da Igreja opõe Francisco e Bento XVI - Instituto Humanitas Unisinos - IHU