20 Mai 2017
Em francês, o cardeal Robert Sarah publicou o seu último best-seller sem o prefácio de Bento XVI. E este também não apareceu na versão posterior em inglês.
A nota é de Sandro Magister, publicada por Settimo Cielo, 19-05-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Mas ei-la agora na edição alemã, nas livrarias nestes dias. E, em breve, também na edição italiana, que a editora Cantagalli porá à venda no fim de junho [intitulado La forza del silenzio. Contro la dittatura del rumore (A força do silêncio. Contra a ditadura do ruído)]. Enquanto isso, as edições em francês e em inglês vão publicá-la nas próximas reimpressões.
“Com o cardeal Sarah, um mestre do silêncio e da oração interior, a liturgia está em boas mãos”, conclui Bento XVI o seu escrito, redigido com sua caligrafia diminuta na semana de Páscoa. O livro tem o título original de La force du silence.
Agora Bento XVI escreve:
“Devemos ser gratos ao Papa Francisco por ter posto tal mestre do espírito à frente da Congregação que é responsável pela celebração da liturgia na Igreja.”
Não é nenhum segredo, porém, que Jorge Mario Bergoglio confiou o cardeal Sarah a tal cargo para neutralizá-lo, certamente não para promovê-lo. De fato, ele o privou de toda autoridade efetiva, cercou-o de homens que remam contra ele e até mesmo repudiou em público os seus propósitos de “reforma da reforma” em campo litúrgico.
Propósitos que, ao contrário, Bento XVI subscreve plenamente, quando, no prefácio, denuncia “os perigos que ameaçam continuamente a vida espiritual justamente também dos sacerdotes e dos bispos, ameaçando assim a própria Igreja, na qual, no lugar da Palavra, de modo algum raramente, entra em cena uma verbosidade em que se dissolve a grandeza da Palavra”.
Eis o texto integral do prefácio do “papa emérito” ao livro do cardeal Sarah.
Desde que, nos anos 1950, eu li pela primeira vez as Cartas de Santo Inácio de Antioquia, ficou particularmente impressa em mim uma passagem da sua Carta aos Efésios: “É melhor permanecer em silêncio e ser, do que dizer e não ser. É bom ensinar se se faz o que se diz. Um só é o Mestre que disse e fez, e aquilo que ele permanecendo em silêncio é digno do Pai. Quem verdadeiramente possui a palavra de Jesus pode perceber também o seu silêncio, de modo a ser perfeito, de modo a agir mediante a sua palavra e ser conhecido por meio do seu permanecer em silêncio” (15, 1s.).
O que significa perceber o silêncio de Jesus e reconhecê-lo por meio do seu permanecer em silêncio? A partir dos Evangelhos, sabemos que Jesus continuamente viveu as noites sozinho ‘sobre a montanha’ rezando, em diálogo com o Pai. Sabemos que o seu falar, a sua palavra provém do fato de permanecer em silêncio, e que só nele podia amadurecer. Por isso, é iluminador o fato de que a sua palavra só pode ser compreendida do modo certo se entrarmos também no seu silêncio; só se aprendermos a escutá-la a partir do seu permanecer em silêncio.
É claro, para interpretar as palavras de Jesus, é necessária uma competência histórica que nos ensine a entender o tempo e a linguagem da época. Mas só isso, em todo o caso, não basta para captar verdadeiramente a mensagem do Senhor em toda a sua profundidade. Quem hoje lê os comentários aos Evangelhos, que se tornaram cada vez mais volumosos, no fim, fica desapontado. Aprende muitas coisas úteis sobre o passado, e muitas hipóteses, que, porém, no fim, não favorecem em nada a compreensão do texto. No fim, tem-se a sensação de que àquele excedente de palavras falta alguma coisa de essencial: o fato de entrar no silêncio de Jesus do qual nasce a sua palavra. Se não conseguirmos entrar nesse silêncio, também escutaremos a palavra sempre e somente superficialmente e, assim, não a compreenderemos verdadeiramente.
Todos esses pensamentos novamente atravessaram a minha alma ao ler o novo livro do cardeal Robert Sarah. Ele nos ensina o silêncio: permanecer em silêncio junto com Jesus, o verdadeiro silêncio interior, e, justamente assim, ajuda-nos também a compreender de modo novo a palavra do Senhor. Naturalmente, ele fala pouco ou nada de si mesmo, mas, de vez em quando, permite-nos lançar um olhar sobre a sua vida interior.
A Nicolas Diat que lhe pergunta: “Na sua vida, às vezes, pensou que as palavras se tornam incômodas demais, pesadas demais, barulhentas demais?”, ele responde: “... Quando eu rezo, e, na minha vida interior, muitas vezes, senti a exigência de um silêncio mais profundo e completo... Os dias passados no silêncio, na solidão e no jejum absoluto foram de grande ajuda. Foram uma graça incrível, uma lenta purificação, um encontro pessoal com Deus... Os dias no silêncio, na solidão e no jejum, com a Palavra de Deus como único alimento, permitem que o homem oriente a sua vida ao essencial” (resposta n. 134, p. 156).
Nessas linhas, aparece a fonte de vida do cardeal, que confere à sua palavra profundidade interior. Essa é a base que, depois, permite-lhe reconhecer os perigos que ameaçam continuamente a vida espiritual justamente também dos sacerdotes e dos bispos, ameaçando assim a própria Igreja, na qual, no lugar da Palavra, de modo algum raramente, entra em cena uma verbosidade em que se dissolve a grandeza da Palavra.
Gostaria de citar uma única frase que pode ser origem de um exame de consciência para cada bispo: “Pode acontecer que um sacerdote bom e piedoso, uma vez elevado à dignidade episcopal, caia logo na mediocridade e na preocupação com as coisas temporais. Sobrecarregado desse modo pelo peso dos ofícios a ele confiados, movido pela ansiedade de agradar, preocupado com o seu poder, com a sua autoridade e as necessidades materiais do seu ofício, pouco a pouco, esgota-se” (resposta n. 15, p. 19).
O cardeal Sarah é um mestre do espírito que fala a partir do profundo permanecer em silêncio junto com o Senhor, a partir da profunda unidade com ele e, assim, verdadeiramente tem algo a dizer a cada um de nós.
Devemos ser gratos ao Papa Francisco por ter posto tal mestre do espírito à frente da Congregação que é responsável pela celebração da Liturgia na Igreja. Também para a Liturgia, assim como para a interpretação da Sagrada Escritura, é necessária uma competência específica. E, no entanto, também vale para a Liturgia que o conhecimento especializado, no fim, pode ignorar o essencial, se não se fundamentar sobre o fato profundo e interior de ser uma coisa só com a Igreja orante, que aprende sempre de novo com o próprio Senhor o que é o culto. Com o cardeal Sarah, um mestre do silêncio e da oração interior, a Liturgia está em boas mãos.
Bento XVI, papa emérito
Cidade do Vaticano, na Semana de Páscoa 2017
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"Muita verbosidade na Igreja ameaça a grandeza da Palavra": o prefácio de Bento XVI ao novo livro do cardeal Sarah - Instituto Humanitas Unisinos - IHU