09 Março 2021
Em uma coletiva de imprensa de uma hora no voo de volta de Bagdá para Roma, o Papa Francisco respondeu a cerca de oito perguntas relacionadas ao seu encontro com o grande aiatolá Ali al-Sistani, àquilo que ele sentiu quando visitou Mosul, se, ao tomar a decisão de ir para o Iraque, ele havia levado em consideração o risco de as pessoas contraírem a Covid-19 nos eventos papais e se ele visitará o Líbano.
A reportagem é de Gerard O’Connell, publicada por America, 08-03-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Ele também falou que “reviveu” durante a visita, depois de mais de um ano de “prisão”, quando não pôde encontrar as pessoas nas audiências ou nas viagens internacionais.
Ele expressou bons votos a todas as mulheres no Dia Internacional da Mulher neste 8 de março, a “festa da mulher”, e elogiou o grande trabalho que elas realizam na família e pela sociedade. O papa denunciou o fato de elas serem abusadas, traficadas, sofrerem violência e serem submetidas à mutilação genital em alguns países africanos.
O Papa Francisco revelou que está pensando em fazer uma visita ao Líbano, um país “em crise, em crise de vida”, e também planeja visitar a Hungria para o Congresso Eucarístico Internacional em setembro próximo, assim como a vizinha Eslováquia. Ele também disse que deseja visitar a sua terra natal, a Argentina, e que poderia aproveitar para visitar o Uruguai e o sul do Brasil, “que é um composto cultural muito grande”, se houver ocasião.
Houve muita discussão antes da viagem, principalmente na mídia dos EUA, sobre se era certo o papa ir ao Iraque por causa do risco de espalhar o coronavírus. Embora Francisco e seus acompanhantes tenham recebido a vacina, a maioria dos iraquianos não. Essa preocupação foi expressada em uma pergunta feita ao papa por um repórter do The Washington Post, que questionou se Francisco havia levado em consideração o fato de que muitas pessoas que compareceram aos eventos papais no Iraque poderiam ser infectadas com a Covid-19, adoecer e talvez até morrer.
O Papa Francisco respondeu explicando como ele tomou a decisão de ir apesar dos riscos. Ele explicou que “as viagens se ‘cozinham’ ao longo do tempo na minha consciência, e esta [a pandemia] é uma das coisas que mais me pressionavam... Rezei muito sobre isso e, no fim, tomei a decisão, livremente, que vinha de dentro. E eu disse: ‘Aquele que me permite decidir que se ocupe das pessoas’. E assim eu tomei a decisão, depois da oração e com a consciência dos riscos”.
O encontro do Papa Francisco com o grão-imã de al-Azhar levou à publicação do documento de Abu Dhabi sobre a fraternidade humana em 2019. Um repórter perguntou se o encontro do papa com o aiatolá al-Sistani levará a um segundo documento.
Ele lembrou que o documento sobre a fraternidade humana foi preparado com o grão-imã de al-Azhar “durante seis meses, em segredo, rezando, refletindo, corrigindo”. Ele o descreveu como “um primeiro passo” e disse que “este [com al-Sistani] seria o segundo. E haverá outros”. Ele disse: “O caminho da fraternidade humana é importante. O documento de Abu Dhabi deixou em mim a inquietação da fraternidade, e daí surgiu a encíclica Fratelli tutti”. Ele disse que é importante estudar ambos os documentos, que “vão na mesma direção, buscam a fraternidade”.
Ele lembrou que o aiatolá al-Sistani tem uma frase: “Os homens são ou irmãos por religião ou iguais por criação”. Francisco disse que o diálogo inter-religioso “é um caminho também cultural”. Ele enfatizou que os cristãos devem entender que, com os muçulmanos, “somos todos irmãos e devemos seguir em frente [no diálogo] com as outras religiões”. Ele lembrou que “o Concílio Vaticano II de um grande passo” na promoção desse diálogo, mediante a constituição dos conselhos para a Unidade dos Cristãos e para o Diálogo Inter-Religioso.
Depois, em uma parte significativa da sua resposta, o Papa Francisco enfatizou que “muitas vezes se deve arriscar para dar esse passo [no diálogo]”. Ele observou que “há algumas críticas que dizem que o papa não é corajoso; é inconsciente, que está dando passos contra a doutrina católica, que está a um passo da heresia… Há riscos”.
Respondendo a tais críticas, Francisco disse: “Essas decisões são tomadas sempre em oração, em diálogo, pedindo conselho, em reflexão. Não são um capricho e também estão na linha que o Concílio [Vaticano II] ensinou”.
Questionado por outro repórter se o seu encontro com o aiatolá al-Sistani foi, de certa forma, também uma mensagem aos líderes religiosos do Irã, o papa respondeu sem qualquer menção específica ao Irã. Ele disse:
“Eu acredito que foi uma mensagem universal. Eu senti o dever, nesta peregrinação de fé e de penitência, de ir encontrar um grande, um sábio, um homem de Deus. E, simplesmente ao ouvi-lo, percebe-se isso. Falando de mensagens, eu diria: é uma mensagem para todos. E ele é uma pessoa que tem essa sabedoria e também a prudência.”
O grande aiatolá disse a Francisco que “há 10 anos ele não recebe pessoas que vão visitá-lo com outros objetivos, políticos e culturais”. Francisco disse: “Ele foi muito respeitoso no encontro, e eu me senti honrado. Também na saudação: ele nunca se levanta, mas se levantou para me cumprimentar, duas vezes. É um homem humilde e sábio. Esse encontro fez bem à minha alma. É uma luz. E esses sábios estão por toda a parte, porque a sabedoria de Deus está espalhada por todo o mundo”.
“O mesmo acontece com os santos”, disse Francisco, “que não são apenas aqueles que estão sobre os altares. São os santos de todos os dias, aqueles que eu chamo ‘da porta ao lado’, os santos – homens e mulheres – que vivem a sua fé, qualquer que seja, com coerência, que vivem os valores humanos com coerência, a fraternidade com coerência. Eu acho que devemos descobrir essas pessoas, evidenciá-las, porque há muitos exemplos.”
Perguntado se visitaria o Líbano, um país agora em crise, mas que São João Paulo II e o Papa Bento XVI disseram ser uma mensagem ao mundo por causa da convivência pacífica entre cristãos e muçulmanos naquele país, o Papa Francisco disse que estava levando em consideração tal visita.
Ele concordou: “O Líbano é uma mensagem”, mas “o Líbano sofre [agora]. O Líbano é mais do que um equilíbrio, tem a fraqueza das diversidades, tem a fortaleza do grande povo reconciliado”.
Ele revelou que, antes de ir para o Iraque, o Patriarca Maronita Béchara Boutros al-Raï pediu-lhe para “fazer uma escala em Beirute, mas me pareceu muito pouco. Uma migalha diante do problema de um país que sofre como o Líbano”. Ele revelou que “fiz [a ele] a promessa de fazer uma viagem [ao Líbano], que neste momento está em crise”.
Francisco então elogiou o Líbano por ser “tão generoso na acolhida aos refugiados”.
O Papa Francisco, em resposta a outra pergunta, revelou que, uma semana antes de deixar o Vaticano para ir ao Iraque, “12 imigrantes iraquianos vieram me cumprimentar”. Ele lembrou que um deles havia perdido a perna ao escapar de um caminhão no Paquistão. Em seguida, reafirmou que “a migração é um direito duplo: direito a não migrar e direito a migrar. O mundo ainda não tomou consciência de que a migração é um direito humano”.
Ele disse que, na Itália, um sociólogo, falando sobre a baixíssima taxa de fertilidade do país, disse que “em 40 anos deveremos ‘importar’ estrangeiros para que trabalhem e paguem os impostos das nossas pensões”.
No domingo, o Papa Francisco se encontrou com o pai de Alan Kurdi, o menino de três anos de idade da Síria que se afogou ao tentar chegar à Grécia de balsa. A imagem do seu corpo estirado em uma praia na Turquia chamou a atenção para a situação dos migrantes que cruzaram o Mar Mediterrâneo em 2015. O papa descreveu o menino “como um símbolo que vai muito além de um menino morto na migração: é um símbolo de civilizações que morrem, que não podem sobreviver”.
Questionado sobre o que sentiu ao ver as ruínas das igrejas em Mosul, que ele visitou nesse domingo, Francisco disse: “Eu não imaginava as ruínas de Mosul, de Qaraqosh. Realmente não imaginava. Sim, eu tinha visto coisas, tinha lido um livro [sobre a destruição], mas isso toca, é tocante”.
Ele disse que, quando estava visitando as ruínas de uma igreja destruída em Mosul, um pensamento lhe veio à mente: “Quem vendeu as armas a esses destruidores? Pelo menos, eu pediria a essas pessoas que vendem as armas que tenham a sinceridade de dizer: nós vendemos as armas”.
Questionado sobre quando poderia recomeçar a realização de audiências públicas no Vaticano, o Papa Francisco respondeu que “há uma proposta para realizar pequenas audiências gerais, mas eu não decidi enquanto não ficar claro o desdobramento da situação”.
Depois, ele revelou a sua alegria por poder encontrar pessoas na visita ao Iraque e disse: “Depois destes meses de prisão, porque eu realmente me sentia um pouco aprisionado, isso para mim é reviver. Reviver porque é tocar a Igreja, tocar o santo povo de Deus, tocar todos os povos. Um padre se torna padre para servir, a serviço do povo de Deus, não por carreirismo, não pelo dinheiro”.
Ele acrescentou que “a única coisa que nos salva [os padres] da lepra da cupidez e da soberba é [a proximidade com] o santo povo de Deus. Isto é, não perder o pertencimento ao povo de Deus e não nos tornarmos uma casta privilegiada de consagrados ou clérigos. Por isso, o contato com o povo nos salva”.
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Papa Francisco diz que viagem ao Iraque o fez “reviver” após um ano na “prisão” da Covid-19 - Instituto Humanitas Unisinos - IHU