O encontro de Francisco com Al Sistani. “Reunião estratosférica. O diálogo passa por fora dos Estados”. Entrevista com Olivier Roy

Papa Francisco e Al Sistani (Foto: Vatican Media)

Mais Lidos

Revista ihu on-line

O veneno automático e infinito do ódio e suas atualizações no século XXI

Edição: 557

Leia mais

Um caleidoscópio chamado Rio Grande do Sul

Edição: 556

Leia mais

Entre códigos e consciência: desafios da IA

Edição: 555

Leia mais

08 Março 2021

O Papa Francisco visa o diálogo entre as religiões de forma autônoma dos Estados, contra as manipulações políticas da religião que tantos desastres e massacres causaram no Oriente Médio. Nesse sentido, a etapa em Najaf é fundamental para “reequilibrar os canais abertos primeiro com os sunitas, nas visitas pastorais ao Cairo e Abu Dhabi, a fim de abrir as portas também ao mundo xiita e ampliar as garantias em defesa dos cristãos do Oriente".

Para Olivier Roy, professor do Instituto Universitário Europeu de Florença, a oração comum em Ur, local de nascimento de Abraão e, portanto, das três religiões abraâmicas monoteístas, tem um impacto poderoso, capaz de neutralizar muitas derivas negativas. Até mesmo a República Islâmica do Irã, que se coloca como única representante do xiismo, "deve aceitar essa autonomia, porque diante de uma figura prestigiosa e inatacável como o Grande Aiatolá Ali Sistani há pouco a dizer: eles não estão contentes, mas não vão fazer nada para sabotar o Pontífice”.

A entrevista com Olivier Roy é editada por Giordano Stabile, publicada por La Stampa, 07-03-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.

 

Eis a entrevista.

 

Qual é a principal novidade da primeira viagem de um Papa ao Iraque?

É a primeira visita de um pontífice a um país de maioria xiita e isso explica a insistência de Francisco. Certamente não é uma viagem desprovida de perigos, como aquelas no Egito ou nos Emirados Árabes Unidos.

Existem riscos ligados à segurança aqui. No entanto, não vêm da frente xiita. O Irã, que tem enorme influência em termos políticos e militares no país, nada fará para sabotar esta visita.

O Papa está determinado a ampliar o diálogo com o Islã aos xiitas, com os mesmos princípios aplicados aos sunitas. Estabelece canais com figuras não vinculadas ao estado. Isso é ainda mais verdadeiro para Sistani do que para o Grande Mufti da Universidade de Al-Azhar, Ahmed al-Tayeb, a maior figura do sunismo. Sistani é um "marjah", o degrau mais alto na hierarquia xiita. Um título que, por exemplo, o Guia Supremo iraniano Ali Khamenei não pode exibir. Aquele de ontem foi, portanto, uma cúpula de nível estratosférico.

E que consequências isso terá?

Há uma primeira consequência para os cristãos do Oriente, que sofreram muito no Iraque, até quase desaparecerem. Sistani é uma garantia em sua defesa. Deve-se dizer que há muito menos controvérsia entre o cristianismo e o xiismo do que com o sunismo.

A perseguição aos cristãos pelos xiitas foi limitada, mesmo no passado. O Império Persa Safávida acolheu cristãos armênios em fuga desde o século XVI. A sociedade iraquiana é agora chamada a respeitar o compromisso assumido pelos dois líderes em Najaf. Chega de violência em nome da religião. É uma mensagem poderosa nesse contexto. Os iraquianos estão fartos de pagar o preço das manipulações e das guerras por procuração entre o Irã, as potências sunitas e os Estados Unidos. O desejo de convivência é sincero, real e sai fortalecido.

E as consequências políticas?

Elas vão chegar em cascata. Sistani é contrário à teoria khomeinista do velayati-e-faqih, o controle da política pelos religiosos. Ele sempre defendeu a autonomia das forças políticas. Ele interveio apenas em momentos de crise dramática. O principal, em junho de 2014, quando o ISIS ameaçava Bagdá e o aiatolá ordenou a mobilização de voluntários xiitas - aberta, deve-se dizer, a pequenos componentes cristãos, curdos e até sunitas - para detê-lo. Duzentos mil jovens atenderam à chamada. Mas depois ele pressionou pela integração das milícias nos aparatos de segurança do Estado, algo que o Irã não quer para poder usá-las conforme sua vontade. Agora, o primeiro-ministro Mustapha al-Kadhimi tem uma carta a mais para pressionar por um maior controle governamental sobre essas forças de “mobilização popular”, a fim de se libertar do cabo de guerra EUA-Irã.

No entanto, faltaram os judeus na oração inter-religiosa de Ur. É um ponto fraco na estratégia de Francisco?

O problema é que infelizmente os judeus do Iraque desapareceram. Mas, além do fato contingente, também deve ser dito que na região Israel permanece como a única voz dos judeus. O diálogo inter-religioso como Francisco o concebe, isto é, autonomamente dos estados, é paradoxalmente mais fácil nos EUA, onde os rabinos são independentes, do que no estado judeu, onde são basicamente altos funcionários do estado.

Leia mais