02 Março 2021
Restam bem poucos dias para que o Iraque receba o Papa Francisco, na sexta-feira, em sua primeira viagem internacional após a pandemia. O arcebispo de Kirkuk, no norte do país, Yousif Thomas Mirkis (Mosul, 1949), fala a respeito do profundo significado desta delicada viagem apostólica.
A entrevista é de Anna Buj, publicada por La Vanguardia, 01-03-2021. A tradução é do Cepat.
O que representa para os cristãos, no Iraque, a visita do Papa Francisco?
Francisco foi o primeiro papa latino-americano e agora bate outro recorde. É a primeira visita de um papa ao Iraque, e não só isso, a primeira visita após o coronavírus. Escolheu-nos para dar carinho e também atenção ao Iraque, que está em uma situação muito ruim. As centenas de jornalistas que cobrirão esta visita nos dão a oportunidade de dizer ao mundo que ele não se esquece de nós. Vai nos ajudar para que não se esqueçam do Iraque.
Francisco escolheu como destino um país devastado.
Desde a queda de Saddam Hussein, o Iraque não teve humanidade. Ninguém se ocupou de nós. Foi como a guerra do Vietnã, mas com mais bombas. Também sofremos nos anos de sanções, em que 600.000 crianças morreram em consequência da pobreza. Todo este drama não deve ficar focado apenas no Estado Islâmico, porque foi só uma consequência do que o país vivia. O fanatismo islâmico veio após o afundamento da situação política.
Um terço da população iraquiana vive abaixo da linha da pobreza. A maioria dos cristãos foram embora, migraram para o mundo todo. Isto não é a solução. A Europa não gosta da imigração, mas para nós é uma maldição. Por isso, a visita do Papa não dará esperança apenas para os cristãos, mas para todo o país.
Espera dele alguma mensagem em particular?
Não é importante a mensagem, penso que o Papa sempre surpreende com suas palavras. Eu me sinto otimista com o que dirá. Estamos orgulhosos dele e de suas posições com mente aberta e, sobretudo, por sempre estar ao lado dos mais pobres.
Em sua avaliação, quais são as consequências que esta viagem terá para o seu país?
Precisamos de um gesto significativo frente ao futuro. Eu penso que um país está em depressão quando seu passado é mais glorioso do que seu futuro. Esta é a nossa situação. Talvez você escutará que o Iraque é a fundação de nossa civilização, mas o presente é muito obscuro. Gosto de me sentir orgulhoso de meus ancestrais, mas prefiro estar orgulhoso por estar vivendo agora no Iraque.
Teme que os problemas de segurança ou a pandemia possam provocar o cancelamento da viagem?
Não acredito que seja a cancele. É muito obstinado, estou quase certo de que virá porque quer compartilhar o que vivemos no dia a dia. Estamos com o coronavírus, com o terrorismo, com a herança de tudo o que aconteceu neste país, nas últimas décadas. Para ele, três dias de sua vida não são muito.
Os muçulmanos também celebram sua chegada?
Estão contentes porque o Iraque é uma sociedade muito hospitaleira. Mas esta visita também revela suas divisões. O Iraque não é muito velho, tem apenas cem anos, e não há um sentimento patriótico. Aqui, não se sentem iraquianos, sentem-se sunitas, xiitas, curdos, yazidis, cristãos...
Mas não só isto, pois o Papa viajará muito perto de Nassíria. Muitos jovens estão protestando e, na sexta-feira, seis pessoas foram assassinadas nas manifestações. Leve em conta que 60% da população é menor de 30 anos. Estes jovens estão dizendo às velhas gerações que não as querem, que não querem suas políticas, nem o seu pensamento. Esta brecha geracional é o mais importante para o futuro.
O Papa irá a Ur, lar do profeta Abraão. É simbólico?
O monoteísmo nasceu em Ur, Abraão é o pai de todos os crentes em um só Deus. Acredito que, hoje, Abraão é muito significativo. Porque a religião não é uma instituição. É ser bom, amar a Deus, como Abraão que sacrificou seu filho por Deus.
Penso que muitos jovens iraquianos agora estão dizendo que têm fé, mas não querem religiões. Muitos deles estão seguindo o ateísmo. Alguns, secretamente, rejeitam a religião de seus pais porque têm um problema com sua família: seu pai rezava, mas era corrupto. Os jovens julgam seus pais.
Muitas pessoas ficam surpresas de que o Iraque seja um dos países mais corruptos do mundo. O atual Governo é muito frágil, não pode ser respeitado porque muitos ministros estão paralisados pela corrupção. Muitas pessoas são eleitas só porque pertencem a certo setor, como acontece no Líbano. Um país não pode funcionar assim.
O que acredita que sairá do encontro com o aiatolá Al-Sistani?
É um grande homem. Sempre esteve ao lado dos pobres e contra as guerras e misturar políticas e religião. Há anos evitou uma guerra civil entre xiitas e sunitas. Estou muito contente de que o Papa o visitará, pois é um homem sábio e devemos agradecê-lo. Se não fosse por ele, poderíamos estar inclusive em situação pior. Não sabemos se assinarão um documento de fraternidade, como o que assinou com o Grande Imã de Al-Azhar. Mesmo que o assinem, o trabalho virá depois. A visita será um guia para o futuro.
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“O Papa ajudará para que não se esqueçam do Iraque”. Entrevista com dom Yousif Thomas Mirkis - Instituto Humanitas Unisinos - IHU