12 Novembro 2020
"Diante da possibilidade de um futuro tão distópico, a sensatez recomenda não esperar para ver o que resultará da supremacia do novo capitalismo de algoritmos", escreve Antônio Sales Rios Neto, engenheiro civil e consultor organizacional, em artigo publicado por Outras Palavras, 10-11-2020.
“Se é para existir a verdade sobre o mundo, ela deverá ser não-humana” - Joseph Brodsky
Em uma de suas últimas entrevistas, o renomado sociólogo e filósofo polonês Zygmunt Bauman assim sintetizou o drama que aflige a humanidade nestes tempos demasiadamente líquidos: “O futuro (outrora a aposta segura para o investimento de esperanças) tem cada vez mais sabor de perigos indescritíveis (e recônditos!). Então, a esperança, enlutada, e desprovida de futuro, procura abrigo num passado outrora ridicularizado e condenado, morada de equívocos e superstições. Com as opções disponíveis entre ofertas de Tempo desacreditadas, cada qual carregando sua parte de horror, o fenômeno da ‘fadiga da imaginação’, a exaustão de opções, emerge. A aproximação do fim dos tempos pode ser ilógica, mas por certo não é inesperada.”
Bauman aponta, nestas poucas linhas, os grandes dilemas da encruzilhada civilizatória que marca a contemporaneidade. Enquanto um futuro sombrio nos espera, nos apegamos inutilmente ao resgate nostálgico dos mitos (o progresso talvez seja o maior deles) e de experiências fracassadas no passado, o que reflete o vazio criativo, notadamente na política, para lidar com as realidades emergentes.
Entre muitos críticos do nosso sistema-mundo parece haver um consenso de que a crise civilizatória que vem se arrastando e se amplificando nas últimas décadas está associada, em grande medida, a dois principais fatores. O primeiro diz respeito ao fenômeno crescente do declínio dos regimes democráticos, como consequência do projeto de supremacia capitalista (“fim da história” – “there is no alternative”), por meio da doutrina neoliberal instalada a partir dos anos 1970, que ultrapassou as fronteiras e ideologias de Estado. Esta hegemonia neoliberal é resultado do esforço levado a cabo por um punhado de corporações transnacionais, que, em simbiose com a revolução tecnológica, globalizou, financeirizou e virtualizou o capital e vem impondo, gradualmente, o padrão mercadológico de sociabilidade em praticamente todos os recantos do globo. Os efeitos mais nefastos deste fenômeno são a crescente degradação dos espaços políticos e, por consequência, o desmoronamento gradual dos Estados-nações, hoje sequestrados pelas forças de mercado por meio de expedientes como endividamento público, influência econômica nas campanhas políticas, lobbies empresariais, controle da informação, captura de processos decisórios governamentais, dentre outros.
O segundo fator, de longe bem mais destrutivo do que o primeiro, está relacionado às mudanças climáticas decorrentes da ação antrópica, refletida na relação extrativista e predatória do capital com a natureza. A maior evidência da incongruência do sistema de reprodução capitalista está na superpopulação que sobrecarregou o planeta. No início deste século, o notável ambientalista britânico James Lovelock já nos alertava, dizendo que “chegou a hora de planejarmos uma retirada da posição insustentável que agora atingimos pelo emprego inadequado da tecnologia. Melhor recuar agora, quando ainda dispomos de energia e tempo. Como Napoleão em Moscou, temos bocas demais para alimentar e recursos que diminuem diariamente enquanto não nos decidimos.” Segundo ele, a Terra padece de uma praga disseminada de gente. Nessa perspectiva, somos um organismo patogênico, pois não há como manter 7,8 bilhões de seres humanos (estimativa atual, segundo a ONU) sem que haja uma devastação dos ecossistemas da Terra.
A partir da primeira metade do século XIX, quando a Revolução Industrial estava se consolidando na Europa Ocidental e nos Estados Unidos, desencadeou-se um salto populacional exponencial que multiplicou por oito o número de pessoas no planeta, aumentando, concomitantemente e talvez em maior proporção, a pegada ecológica (quantidade de recursos naturais necessários ao padrão de consumo). Só nos últimos quarenta e cinco anos, o número de seres humanos dobrou em relação a todo o período de evolução do Homo sapiens, estimado em torno de 350 mil anos. Passamos de 4,06 bilhões em 1975 para 7,8 bilhões, agora, em 2020. Os humanos e os animais criados por eles ocupam hoje 97% da área global considerada área ecúmena (área habitável), restando apenas 3% para os animais silvestres. Segundo o Relatório Planeta Vivo (2020), divulgado pelo Fundo Mundial para a Natureza (WWF), entre 1970 e 2016, as populações desses vertebrados silvestres sofreram uma redução de 68%, o que evidencia que estamos a caminho de uma nova extinção em massa da vida na Terra.
Nas quatro últimas décadas, o sistema Terra vem sofrendo uma fenomenal carga de estresse que nós não sabemos como ele irá se readaptar, para além das catástrofes ambientais que já estamos assistindo. O escritor Reg Morrison, especialista em assuntos ambientais e evolutivos, sugere um desdobramento que parece bem factível, se considerarmos que a natureza se comporta como um sistema adaptativo complexo, uma teia de interações e retroalimentações buscando novos padrões de comportamento. Em um dos seus livros, prefaciado pela reconhecida bióloga Lynn Margulis, ele projeta que “a curva descendente deve espelhar a curva de crescimento da população” e, desse modo, prevê que, assim como tivemos um pico de crescimento populacional em apenas 45 anos, “o grosso do colapso não levará mais que cem anos, e, por volta de 2150, a biosfera deverá ter voltado, com segurança, à sua população de Homo sapiens pré-praga – algo entre meio e um bilhão”, equivalente ao período em que o capitalismo ainda estava nos seus primórdios. Ao que esta projeção indica, a conjugação destes dois fatores, mudanças climáticas e ausência de Estado, inevitavelmente irá nos empurrar para uma instabilidade mundial inaudita, com alguma chance da Terra e os seres humanos chegarem a uma espécie de reconciliação adaptativa. Dentro de todo esse quadro distópico e incognoscível, a necropolítica parece constituir a mais nova e sofisticada forma estatal de reprodução capitalista, como tão bem identificou o filósofo camaronês Achille Mbembe.
O historiador inglês Eric Hobsbawm batizou o século XX como a “era dos extremos” de guerra e paz. De fato, este foi período em que a humanidade vivenciou os maiores horrores contra a condição humana, expressados em 187 milhões de baixas (Brzezinski, 1993), o equivalente a algo em torno de 12% da população mundial em 1900. Ao mesmo tempo, observou-se a melhor experiência de Estado de bem-estar social (Welfare State), embora esta tenha se dado num período muito curto (1947-1973) e restrita mais aos países do norte. Neste início de século, algumas semelhanças com o século dos extremos já começam a se delinear. Os gulags de Stalin, os campos de concentração de Hitler e as comunas agrícolas de Mao Tsé-Tung talvez não fiquem tão distantes daquilo que os campos de refugiados, as inúmeras favelas e os desarranjos ambientais de hoje podem se tornar em um futuro próximo, onde a necropolítica vem sendo experimentada com crescente eficiência. Ao que tudo indica, brevemente faremos a passagem do antropoceno para o necroceno, como sugere Morrison. Por isso, há quem diga que, no tocante às regressões que poderemos vivenciar em breve, esse referencial de Hobsbawm poderá ser radicalmente revisado ao final deste século, como é o caso do prognóstico apontado pelo escritor britânico e professor de filosofia política John Gray: “muito provavelmente, olharemos o século XX como um tempo de paz”. Para ficar em apenas dois nomes, outro é o incansável e reverenciado filósofo, sociólogo e ativista político estadunidense Noam Chomsky, para quem “estamos em uma confluência surpreendente de crises muito graves” que podem nos levar à extinção.
Há cem anos, a filósofa e economista polaco-alemã Rosa Luxemburgo propunha a visão de que o sistema capitalista se comporta como um parasita. Uma vez não restando mais “terras intocadas”, o parasita estaria ameaçado por falta de hospedeiro. No entanto, com a doutrina neoliberal, o capitalismo parece ter alcançado os últimos confins do mundo e não manifesta qualquer sinal de arrefecimento. Por isso Bauman amplia a compreensão de Luxemburgo. Para ele, “o sistema funciona por um processo contínuo de destruição criativa”. Não são poucos aqueles que equivocadamente pensam que o capitalismo está em crise terminal e não percebem que “o que se destrói é a capacidade de autossustentação e vida digna nos inúmeros ‘organismos hospedeiros’ para os quais todos somos atraídos e ou seduzidos, de uma maneira ou de outra”. O capitalismo, hoje em sua versão algorítmica, está mais vivo e criativo do que nunca. Por isso Bauman suspeita que “um dos recursos cruciais do capitalismo deriva do fato de que a imaginação dos economistas – incluindo os que o criticam – está muito atrasada em relação à sua invenção, a arbitrariedade do seu procedimento e crueldade com que opera”. A visão economicista de mundo, vigente há mais de trezentos anos, criou um autômato que escapa à nossa capacidade de compreendê-lo. Daí a necessidade de buscarmos melhores métodos de compreensão da realidade e sermos bem mais criativos que o capital.
Diante de um cenário tão imponderável, que esforço imaginativo, como sugere Bauman, deve ser incorporado para propor um modo de vida compatível com as necessidades do tempo atual? Se as evidências de regressão e barbárie são tão contundentes, por que a civilização ainda insiste em continuar no atual modelo mercadológico autodestrutivo? Que tipo de política seria capaz de fazer frente à complexidade emergente, de modo a evitarmos o colapso para o qual estamos caminhando? Estas questões talvez traduzam as principais aflições do nosso tempo. A ideia aqui então é fazer este esforço, mesmo sabendo que, como o próprio Bauman reconhece, é extremamente difícil conseguir “resolver o problema de transformar as palavras em carne”. Inúmeros já tentaram, continuam tentando e não devem parar de tentar.
Mas há um alento, pois uma pequena parte deste esforço criativo já foi iniciada faz um bom tempo, o que nos falta é percebê-lo e, a partir dele, mudar nossa forma de interagir com o mundo e criar condições mais propícias a uma nova visão de mundo. Para tentar ser mais didático nesta reflexão, levantarei aqui três pressupostos, imbricados entre si, para tentar explicar a complexidade da realidade emergente e ao mesmo tempo identificar os impeditivos à nossa imaginação, os prováveis entraves à mudança do nosso modo de vida. São eles: a cegueira cognitiva, o patriarcado e a política que daí decorre. Vamos então aos tais pressupostos.
Um dos pressupostos da abordagem adotada aqui é o de que se há algo de muito problemático com o mundo e se o mundo é um espelho de como o vemos, um reflexo daquilo que chamamos de visão de mundo hegemônica, é porque o problema do mundo está no animal humano, na medida em que impomos um modelo de sociabilidade incongruente com o meio ambiente. Neste caso, temos, então, que reformular nossos modelos mentais a partir de uma perspectiva que melhor dialogue com a realidade que nos cerca. Dizendo de um modo mais claro, precisamos de uma nova visão de mundo que supere a atual visão mercadológica, ou que pelo menos nos permita criar uma realidade que não seja tão insustentável e distópica quanto a que temos à nossa frente.
O sociólogo e educador Pedro Demo, em um de seus muitos livros, disse: “a maior miséria da ciência é ter fundado uma neutralidade tão comprometedora e tão infeliz (…) ao lado de fantástica competência formal, que cresce em ritmo considerável, não tem nada a dizer sobre a felicidade do homem (…). A ciência emerge como possivelmente monstruosa: a criatura humana que engole o homem. Sabemos demais como fazer guerra, como controlar o povo, como interferir na ecologia, mas sabemos quase nada, por vezes nada, de como sermos mais felizes”. A ciência é um método de investigação e, portanto, sua principal função é aproximar o conhecimento humano da realidade. Se a ciência não cumpre este papel, ela termina por alimentar a nossa cegueira acerca da realidade e, assim, em vez de solucionar os problemas criados pelos humanos acaba por amplificá-los. Em boa medida, parece ter sido isso o que ocorreu com a ciência produzida até o início do século XX, como sugere Demo. Entretanto, a concepção de mundo oferecida pelas novas ciências da complexidade, surgida especialmente a partir da segunda metade do século XX, começou a superar esta situação e pode nos inspirar nesse difícil empreendimento de eliminar a nossa cegueira sobre a dinâmica da realidade em nosso entorno.
São muitas as contribuições, oriundas de diversas áreas do conhecimento, ao que hoje chamamos de ciência da complexidade ou pensamento complexo, que tem no sociólogo, antropólogo e filósofo francês Edgar Morin um de seus maiores expoentes, defensor da necessidade de uma reforma do pensamento. Em um artigo intitulado Visão complexa para uma forma complexa de agir, os pesquisadores Júlio Tôrres e Cecília Minayo, que trabalham no Brasil com a abordagem da complexidade, elencam as muitas referências na atualidade: o biólogo molecular e filósofo Henri Atlan, que trabalhou com teoria da informação e sistemas auto-organizados; a filósofa belga Isabelle Stengers, que defende uma aproximação das ciências da complexidade com a política, como forma de resistência a mercantilização do saber na atual economia do conhecimento; o biólogo Ludwig Von Bertalanffy, crítico da visão cartesiana de mundo e da compartimentalização da ciência que trabalhou com a ideia de sistemas abertos (sistemas em interação e troca contínua com o ambiente); o sociólogo alemão Niklas Luhmann, que desenvolveu uma compreensão da sociedade a partir conceito de autopoiese (autoprodução, a criação de si) desenvolvido pelos biólogos chilenos Humberto Maturana e Francisco Varela.
O arcabouço de teorias interligadas e associadas à noção de complexidade já vem de longa data e continua em expansão. Eis algumas consideradas mais relevantes: relatividade (Einstein, 1905), princípio da incerteza (Heisenberg, 1927), estruturas dissipativas (Prigogine, 1977), teoria do caos (Briggs, Peat, 2000; Gleick, 1989; Lorenz, 1996), teoria dos fractais (Mandelbrot, 1983; Zimmerman, Hurst, 1993), teoria das catástrofes (Thom, 1989), lógica fuzzy (Kosko, 1995). Outras contribuições são decorrentes da própria necessidade da ciência em compreender o tipo de sociedade que emerge na contemporaneidade, em que surgiram novos conceitos sociológicos como “pós-industrial” (Kumar, 1997), “pós-moderno” (Kumar, 1997; Harvey, 2001), “sociedade da informação” (Castells, 1999), “modernidade reflexiva” (Giddens, 1997), “modernidade líquida” (Bauman, 2001), “hipermodernidade” (Lipovetsky, 2004). Como bem constatou, ainda nos anos 1990, o Nobel em Química (1977), Ilya Prigogine, “assistimos ao surgimento de uma ciência que não mais se limita a situações simplificadas, idealizadas, mas nos põe diante da complexidade do mundo real”.
Diferentemente das visões de mundo que moldaram a experiência humana no passado e ainda a moldam no presente, a complexidade (a origem do termo complexo vem do latim complexus, significa “tecido junto”) é uma visão de mundo aberta. Ela procura acolher e conciliar as inúmeras “verdades” existentes acerca da realidade. Está em permanente processo de descoberta, desconstrução e reconstrução, em um permanente diálogo com a realidade. Seus principais atributos estão ligados à ideia de aleatoriedade, ambiguidade, instabilidade, multiplicidade, imprevisibilidade e incerteza. Como já intuía Dostoiévski, “nada é mais improvável que a realidade”. Como a visão de mundo hegemônica que sustenta o economicismo atual ainda é predominantemente orientada pelo pensamento cartesiano, pela ideia de fragmentação, ordem, controle e certeza, ainda estamos condicionados a um modelo mental que não consegue perceber e lidar com a complexidade do mundo real.
O fato é que estas novas descobertas científicas e leituras de mundo vinculadas à ideia de complexidade, associadas à silenciosa revolução sociocultural iniciada a partir dos anos 1960, clamando por um outro mundo possível, à interconexão e empoderamento proporcionados pela rede mundial de computadores, às mutações em curso dentro do próprio sistema capitalista, às regressões na política, são todos fenômenos emergentes cheios de contradições. Tanto carregam um potencial destrutivo quanto comportam possibilidades regenerativas, o que caracteriza a atual mudança de época histórica, uma transição marcada pela sensação de incerteza, instabilidade, descontinuidade, desorientação, insegurança e vulnerabilidade. Algo similar, por exemplo, ao que ocorreu na história quando o agrarianismo foi superado pelo industrialismo a partir do século XVIII.
Uma mudança de época é algo processual. Ela acontece de forma quase imperceptível, por isso a nossa cegueira diante de fenômenos emergentes, pois não temos um modelo mental aberto capaz de assimilá-los na mesma velocidade em que ocorrem, o que gera um estado de crise. Nesse contexto, os “sintomas mórbidos” surgem, como já ressaltava o grande filósofo italiano Antônio Gramsci, porque na crise o “velho está morrendo e o novo ainda não pode nascer”. No entanto, já existem algumas estratégias para melhorar nossa cognição em relação à complexidade do mundo natural. Uma delas, por exemplo, é aplicar os chamados Operadores Cognitivos do Pensamento Complexo, desenvolvidos, faz um bom tempo, por autores de diversas áreas do conhecimento. São eles: circularidade, autoprodução/auto-organização, operador dialógico, operador hologramático, integração sujeito-objeto e ecologia da ação.
Apesar do esforço já alcançado pela ciência, a complexidade é um campo vasto de conhecimento em desenvolvimento que poderá nos dar melhores referências sobre a condição humana. O escritor e médico psicoterapeuta Humberto Mariotti, um dos que mais tem se dedicado no Brasil aos estudos sobre o pensamento complexo e sua aplicação à ação humana, especialmente no mundo dos negócios, nos aponta caminhos para superar essa cegueira cognitiva e passarmos a entender que “a complexidade não é um conceito teórico e sim um fato. Corresponde à multiplicidade, ao entrelaçamento e à contínua interação da infinidade de sistemas e fenômenos que compõem o mundo natural. Os sistemas complexos estão dentro de nós e a recíproca é verdadeira. É preciso, pois, tanto quanto possível entendê-los para melhor conviver com eles.”
No tocante ao comportamento humano já começam a se delinear alguns consensos. O principal deles é o de que, para nos libertarmos desta cegueira diante da dinâmica complexa do mundo natural, devemos urgentemente incorporar um modo de viver a partir de crenças e valores ligados a ideia de alteridade, interdependência, cooperação, inclusão, pluralidade, diálogo, diversidade, comunidade, tolerância, cuidado, criatividade, flexibilidade e, especialmente, reintegração do homem como parte da natureza e não separado dela. No entanto, há outro grande impasse a ser superado, intimamente relacionado a esta nossa cegueira cognitiva: a trava da cultura patriarcal, como veremos a seguir.
O pressuposto de que há uma cegueira diante da complexidade do mundo real significa também que sua superação nos convida a revisar a história da humanidade a partir de uma outra lente. Isso leva a um segundo pressuposto, o de que o impulso que move o ser humano desde tempos imemoriais é não só de origem biológica (ou existencial como preferem alguns) mas também cultural, que podem ou não estar congruentes entre si. É neste ponto que a história precisa ser revisada. O cultural aqui refere-se às capacidades adquiridas, no sentido antropológico do termo, em que criamos crenças, valores, técnicas, arte, moral, costumes etc, que, em conjunto, expressam a visão de mundo por meio da qual moldamos a nossa realidade. Nesse sentido, a compreensão antropológica da trajetória do Homo sapiens tem uma vertente pouco estudada e valorizada que entende que há flutuações nesta congruência entre o biológico e o cultural, em que o cultural pode se sobrepor ao biológico.
Um dos estudos mais aprofundados sobre este assunto está registrado no livro O Cálice e a Espada: nossa história, nosso futuro (Palas Athena, 2007), da socióloga austríaca Riane Eisler, no qual ela investiga como se deu, em algum momento do neolítico, a “encruzilhada evolutiva em nossa pré-história, quando a sociedade humana foi violentamente transformada”. Ela se refere à passagem da “sociedade de parceria” para a “sociedade de dominação”. Amparada em estudos de conceituados arqueólogos, antropólogos e sociólogos, Eisler defende a ideia de que houve uma “transformação cultural”, a partir de uma revisão socioantropológica de como se deu a evolução das sociedades humanas, na qual ela propõe dois modelos básicos de sociedade: “O primeiro, que eu denominaria modelo dominador, é popularmente chamado patriarcado ou matriarcado – a supremacia de uma metade da humanidade sobre a outra. O segundo, no qual as relações sociais se baseiam primordialmente no princípio de união em vez da supremacia, pode ser melhor descrito como modelo de parceria. Neste modelo – a começar pela mais fundamental diferença em nossas espécies, entre macho e fêmea — a diversidade não é equiparada à inferioridade ou à superioridade.”
O trabalho de Eisler é talvez uma das pesquisas mais abrangentes e transdisciplinares acerca da nossa evolução cultural na pré-história. Além das muitas evidências arqueológicas, históricas e sociológicas, a teoria da “transformação cultural” defendida por Eisler ampara-se também em algumas das recentes teorias da complexidade, especialmente na teoria do caos e da auto-organização dos sistemas, em que grandes mudanças podem ser explicadas “nos pontos de bifurcação e nas encruzilhadas críticos dos sistemas”. Inclusive, essa ideia a faz pensar que o atual “modelo de dominação aparentemente está chegando a seus limites lógicos” e que “hoje nos encontramos em outro ponto de bifurcação potencialmente decisivo”. Esta concepção de Eisler converge, por exemplo, com as investigações de cientistas renomados como é o caso do neurobiólogo chileno Humberto Maturana, para quem “a origem antropológica do Homo sapiens não se deu através da competição, mas sim através da cooperação”. Essa incongruência entre o biológico e o cultural na evolução humana, desencadeada a partir do neolítico, tem a ver com aquilo que o biólogo e antropólogo inglês Gregory Bateson afirmava: “a fonte de todos os problemas de hoje é o hiato entre como pensamos e como a natureza funciona”.
Cabe aqui explicar a ideia em torno do que representa a cultura patriarcal para o nosso modo de viver, para além do senso comum que a traduz pelo comportamento machista, facilmente observado no cotidiano das sociedades. Inclusive, uma considerável parcela da academia reduz a compreensão da cultura patriarcal a um modo de viver caracterizado por um sistema de dominação e opressão do homem sobre a mulher. A noção de cultura patriarcal aqui abordada é bem mais ampla do que isso. Ela se caracteriza, conforme a definição de Maturana, “pelas coordenações de ações e emoções que fazem de nossa vida cotidiana um modo de coexistência que valoriza a guerra, a competição, a luta, as hierarquias, a autoridade, o poder, a procriação, o crescimento, a apropriação de recursos e a justificação racional do controle e da dominação dos outros por meio da apropriação da verdade”. Seu contraponto não seria a cultura matriarcal, que nesta concepção tem o mesmo sentido de hierarquia do patriarcado, no caso, a relação de superioridade e dominação do feminino sobre o masculino.
O estudo de Eisler revela que antes da cultura patriarcal predominava uma sociedade mais igualitária em relação a valores e símbolos masculinos e femininos, o que se convencionou chamar de cultura matrística. Essa cultura matrística pré-patriarcal era, também conforme define Maturana, caracterizada por “conversações de participação, inclusão, colaboração, compreensão, acordo, respeito e co-inspiração”, atributos que evidenciavam uma cultura “centrada no amor e na estética, na consciência da harmonia espontânea de todo o vivo e do não-vivo, em seu fluxo contínuo de ciclos entrelaçados de transformação de vida e morte”. Não significa dizer que não havia guerras e conflitos. Tais comportamentos existiam, mas não como regra e sim como contingência da realidade. Na cultura patriarcal que predomina há milênios, as sociedades mais igualitárias, em que a hierarquia e a apropriação da verdade não constituem o padrão, sempre foram a exceção e não a regra.
Dentre as muitas referências utilizadas por Eisler, está o filósofo, antropólogo e arqueólogo Gordon Childe. Embora alguns o vissem como marxista, ele não aceitava a justificativa da luta de classes como instrumento de mudança social. Eisler valeu-se dos estudos de Childe consignados no seu livro intitulado The Dawn of European Civilization (em português recebeu o título A Pré-história da Sociedade Europeia, editora Europa-América, 1974), publicado em 1925, com o qual ganhou enorme notoriedade. Ao contrário do que muitos pensam, Eisler afirma que “um dos traços mais notáveis e instigantes da antiga sociedade europeia revelada pela pá arqueológica é seu caráter essencialmente pacífico”. Para entender a grande bifurcação cultural que se deu à medida em que a guerra se transformou em regra entre os povos indo-europeus, ela recorreu também aos estudos de Childe. Para ele, a cultura dos europeus primitivos era “pacífica” e “democrática”, sem traços de “chefes concentrando a riqueza das comunidades”, o que o levou à conclusão de que “a antiga ideologia foi modificada, o que pode refletir uma mudança da organização da sociedade, de matrilinear para patrilinear”.
Nesta acepção, a cultura patriarcal constitui o modo de viver que permeou toda a trajetória da humanidade nos últimos seis ou sete mil anos e que forjou uma visão muito peculiar acerca da evolução das sociedades. A própria ideia de “civilização”, do homem que se concentra na cidade e organiza a divisão social, que tanto a ciência quanto o senso comum entendem como sendo um estágio avançado da sociedade humana, alcançado a partir da transição ocorrida com a chamada revolução do neolítico ou revolução agrícola, foi concebida a partir de um modelo linear de pensamento. Segundo este modelo, o que existiu antes da civilização foi antecedido primeiro por uma fase de “selvageria” (caçadores-coletores) e depois de “barbárie” (agricultores e pastores).
No entanto, depois da trágica experiência do século XX, não são poucas as leituras socioantropológicas que estão tendentes a pensar o contrário, ou seja, de que não há nada mais selvagem do que a civilização. E, contraditoriamente, esta selvageria reside exatamente nessa sobreposição da cultura patriarcal que deu “sustentação” ao desenvolvimento da civilização, uma vez que foram os valores, símbolos e crenças patriarcais que influenciaram todas as dimensões da experiência humana, seja ela religiosa, científica, institucional, política, dentre outras. A este respeito, o sociólogo estadunidense Immanuel Wallerstein fez a seguinte reflexão: “somos mais civilizados? Eu não sei. Esse é um conceito dúbio, primeiro porque o civilizado causa mais problemas que o não civilizado; os civilizados tentam destruir os bárbaros, não são os bárbaros que tentam destruir os civilizados. Os civilizados definem os bárbaros: os outros são bárbaros; nós, os civilizados.”
O fato é que, por conta dessa longa prevalência patriarcal, ainda somos hoje não só uma civilização totalmente desconectada da natureza, mas também uma civilização desintegrada, de indivíduos cada vez mais desconectados entre si, sem a alteridade que nos torna humanos, como defende Maturana. Uma das mais preocupantes consequências do patriarcado é que perdemos nossa capacidade de viver em comunidade, o elo que nos mantinha em congruência com a natureza. E esse fenômeno chega ao seu ápice com o neoliberalismo que hoje está conduzindo nosso sistema-mundo para um colapso ambiental. A visão econômica de mundo foi gradualmente forjando um arranjo civilizatório que, ao dar cada vez mais centralidade ao ego, criando e recriando subjetividades ligadas à satisfação do desejo individual, nos afastou da vida em comunidade. A partir daí, as relações humanas foram sendo orientadas por uma relação mercadológica doentia. Quem bem identificou esse desdobramento foi Dee Hock, fundador e ex-CEO da Visa, considerado uma das referências na aplicação do pensamento complexo. Para Hock, “a troca não-monetária de valor é o coração e a alma da comunidade, e a comunidade é o elemento essencial, inevitável, da sociedade civil. (…) Numa troca não-monetária de valor, dar e receber não é uma transação. É uma oferta e uma aceitação. Na natureza, quando um ciclo fechado de dar e receber se desequilibra, logo vem a morte e a destruição. É assim na sociedade.”
As maiores expressões do patriarcado, enquanto instância de controle e dominação, estão representadas nas duas principais forças que conduzem a humanidade: o Estado (hoje declinante), pela sua natureza autoritária, e o mercado (cada vez mais ascendente), pelas subjetividades que produz. Estas expressões podem também ser observadas sob as mais variadas formas de relações sociais: familiares, institucionais, educacionais, empresariais, religiosas, dentre muitas. Agora na contemporaneidade, o patriarcado, ao mesmo tempo em que aparenta chegar ao seu ápice, por levar a sociabilidade neoliberal a todos os cantos do globo e suprimir a política, também apresenta alguns sinais de esgotamento e vem sendo questionado de muitos modos, especialmente em decorrência do contexto relacional que permeia as profundas mudanças socioculturais e tecnológicas em curso nas últimas décadas. Por isso sempre há alguma esperança. Conforme Eisler prevê, talvez faça realmente sentido imaginar a possibilidade de que a transição de época histórica que vivenciamos atualmente resulte em uma nova bifurcação cultural em direção a uma sociedade neomatrística, na qual o Homo sapiens-demens, como prefere Morin, pode se reconciliar com a sua condição natural.
O ser humano é um animal que não vive sem ilusões e são elas que, para o bem ou o mal, dão significado ao nosso modo de viver. Por isso é importante que saibamos diferenciar as boas das más ilusões, para nos adaptarmos melhor às mudanças em curso. Gray afirma que “de agora em diante, nosso propósito será identificar nossas imbatíveis ilusões”. Para isso, ele sugere acolhermos os bons mitos, recomendando dois critérios para identificá-los: primeiro verificar se se aproxima dos conflitos e ambiguidades inerentes à condição humana e segundo que não seja excludente, demonizando e eliminando segmentos da sociedade tal como o fez o nazismo. No fundo, Gray está propondo que adotemos mitos que se aproximem da complexidade do mundo real e se afastem do nosso impulso patriarcal. Cabe então refletir sobre qual mito poderia orientar melhor o atual modo de fazer política, para lidarmos com as novas realidades emergentes e assim criarmos sociabilidades possíveis.
Alguns dizem que John Gray, no seu livro Cachorros de palha (Record, 2006), causou um certo pavor moral em muitos setores da ciência e da filosofia ainda impregnados com a ideia de que o progresso trará a salvação da humanidade. Em uma das passagens do livro, ele afirma: “a ação política veio a ser um substituto para a salvação, mas nenhum projeto político pode salvar a humanidade de sua condição natural. Por mais radicais que sejam, os programas políticos são modestos expedientes concebidos para lidar com males recorrentes. (…) Cachorros de palha argumenta a favor de uma mudança que se afaste do solipsismo humano. Os humanos não podem salvar o mundo, mas isso não é razão para desespero. Ele não precisa de salvação. Felizmente, os humanos nunca viverão num mundo construído por si mesmos.”
Para a maioria ainda condicionada ao pensamento binário que sustenta a cultura patriarcal, a filosofia de Gray é desconcertante, tal como a noção de complexidade. Por isso é tão difícil mudar uma visão de mundo que se proponha, ao mesmo tempo, a eliminar a nossa cegueira cognitiva diante da complexidade do mundo real e a superar nosso condicionamento patriarcal milenar, especialmente pela via da política, o campo mais sensível da experiência humana e certamente o mais importante para sairmos do impasse civilizatório atual. Mas numa coisa Gray tem razão, “fora da ciência, o progresso não passa de um mito” e por isso ele defende uma política que se aproxime de nossa “condição natural”, uma política que dialogue com a realidade complexa em que vivemos.
Os espaços políticos hoje estão deteriorados não só por conta do neoliberalismo que vem impondo o modelo empresa de sociabilidade, negador da institucionalidade e da política, mas porque o tipo de política de base patriarcal não é mais tolerado pela nova dinâmica sociocultural que emergiu depois de 1968, quando houve o movimento desencadeado por estudantes e trabalhadores na França, considerados por alguns como a primeira manifestação global pelo fim de posturas conservadoras e opressoras. Desenvolvi esta ideia em um artigo recente, sob o título O desenraizamento da democracia, no qual apresento uma lista de práticas políticas recorrentes que negam a democracia. Nela consta toda a cartilha da política patriarcal que ainda sustenta uma democracia patriarcal, de cima para baixo. Uma política adequada ao contexto emergente precisa de algum modo resgatar as antigas Ágoras atenienses. Diante dos crescentes fundamentalismos, religiosos e de mercado, que absorvem o Estado e degradam os regimes democráticos, os atores políticos que ainda não se dobraram ao fetiche neoliberal dificilmente conseguiram reverter as regressões em curso se continuarem adotando a mesma prática política orientada por lutas de classe ou ideológicas.
A maioria dos marxistas sustenta, em certa medida com razão, que a causa-raiz da crise civilizatória reside no Capital. De fato, o Capital ainda constitui o eixo estruturador da civilização. Mas ainda assim, recorrer a Marx como muitos vêm fazendo para superar a crise pela “luta de classes” não parece muito útil e só nos aprisiona ainda mais à arena patriarcal. O geógrafo britânico e professor emérito de antropologia na City University of New York, David Harvey, para quem a necessidade hoje consiste em “estender e aprofundar os mapas cognitivos que carregamos em mente”, é um dos poucos que resgata Marx e vai além do marxismo. Ele entende que “o capital não é o único sujeito possível de uma investigação rigorosa e exaustiva dos nossos males contemporâneos” e que a “ficção de uma dualidade produz todo tipo de desastre político e social”.
O filósofo francês Patrick Viveret, que diz que “maio de 1968 ainda não terminou”, nos ajuda a entender por que superar o patriarcado subjacente à visão mercadológica de mundo é bem mais produtivo do que tentar inutilmente vencer o capitalismo. Segundo ele, “o ponto cego de Marx é que o proletariado também é humano! Ele pode muito bem lutar contra a exploração, mas, libertado das correntes, não se tornar ipso facto totalmente humano, pois não é imune por natureza ao risco de uma regressão bárbara.” Neste caso, a proposta de muitos marxistas de eliminar o capitalismo, pela via da luta de classes, para pôr o socialismo no seu lugar não parece uma ideia minimamente realizável no contexto atual, inclusive porque o passado já demonstrou que “o fato de ter sido vítima não vacina contra a tentação de ser algoz, assim como o fato de ter sido colonizado não o impede de se tornar um dominador.” Foi exatamente isso que ocorreu com o “socialismo real” na Rússia. Na história da humanidade talvez não haja um registro de um sistema de dominação tão eficiente em sua crueldade quanto o foi o stalinismo.
O atual capitalismo de plataforma não só está muito vivo como desafia a noção de sensatez e sanidade. Eis dois exemplos convincentes, dentre muitos: 1) segundo o United States Geological Survey, em apenas dois anos, 2011 e 2012, para dar resposta à crise financeira de 2008, a China consumiu mais cimento (6,651 bilhões de toneladas) do que os EUA consumiram (4,405 bilhões de toneladas) ao longo de todo o século XX; 2) de acordo com uma estimativa da Bloomberg, empresa de monitoramento de mercados financeiros, Jeff Bezos, CEO da Amazon, ganhou em um só dia (20/7/2020) 13 bilhões de dólares, o equivalente a pouco mais da metade do PIB de Honduras (US$ 23,9 bilhões em 2018), mesmo com a economia em recessão por conta da pandemia. Por isso Harvey, ao refletir sobre os sentidos do mundo diante de aberrações econômicas como estas, defende a necessidade de criarmos novos “arcabouços teóricos” e, segundo ele, isso “exige que exploremos filosofias de investigação baseadas em processos e abracemos metodologias mais dialéticas em que as dualidades cartesianas típicas (como aquela entre natureza e cultura) se dissolvam em um único fluxo de destruição criativa histórica e geográfica”.
Estes dois exemplos citados dizem muito sobre como o capitalismo neoliberal deseja moldar o mundo. E não há em curso nenhum projeto político, no âmbito global, para desviá-lo dessas insanidades. Se a noção de complexidade define melhor o mundo real, como um sistema de pensamento aberto que abraça todas as realidades, por que não pensar, então, numa política do abraço. A metáfora do abraço carrega muitos simbolismos vinculados à noção de complexidade e por isso pode ser muito útil para nos ajudar a compreender melhor o cerne da gravíssima crise civilizatória que atravessamos e termos alguma chance de superação. Mas este abraço só será possível se conseguirmos suspender nossa índole patriarcal, nossa identificação com o ego. A este propósito, vale a pena ler o ensaio de Mariotti intitulado Os cinco saberes do pensamento complexo. Nele, Mariotti explica como o “saber abraçar” é uma poderosa estratégia de integração, que, se agregada à política, pode nos levar a um modo de viver mais matrístico e menos patriarcal.
Por isso cabe considerar até que ponto o crescente fenômeno do declínio das democracias em muitas nações não é fruto da falta de uma política do abraço entre governo e oposição, esquerda e direita, conservadores e progressistas, dentre outras dualidades. Falo não do abraço no sentido de submissão ao ideário do oponente, seja ele liberal, socialista, anarquista ou de qualquer outra vertente ideológica, mas do abraço que dissipa as polaridades e fundamentalismos, e cria novas sociabilidades inclusivas e plurais. Um dos maiores abraços registrados na História ocorreu na segunda guerra mundial. Hobsbawm o descreve nesta passagem do seu livro Era dos Extremos (Companhia das Letras, 1995): “a democracia só se salvou porque, para enfrentá-lo (Hitler), houve uma aliança temporária e bizarra entre capitalismo liberal e comunismo”. O que poderia resultar desse abraço se ele não tivesse se limitado a apenas solucionar o conflito mundial? O patriarcado não resistiria por muito tempo e teríamos um planeta bem mais saudável do que o atual.
Ao que parece, os atuais atores políticos precisam ler e compreender Bauman, Harvey, Morin, Maturana, Eisler e tantos outros. Diante da possibilidade de um futuro tão distópico, a sensatez recomenda não esperar para ver o que resultará da supremacia do novo capitalismo de algoritmos, sem mediação política adequada. Um cenário que tem tudo para se revelar a última e mais danosa expressão do patriarcado, sem contrapesos para o seu desejo insano de finalmente moldar o mundo à sua imagem: a autodestruição. Teremos alguma chance de ver a civilização não sucumbir num futuro próximo se abandonarmos essa ilusão de superioridade que afronta nossa condição natural. Tal como o grande abraço ocorrido no século XX, que chegou a tempo de frear a “solução final” nazista, um abraço tardio dos dualismos atuais pode não ser suficiente para conter o que está por vir.
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