28 Julho 2020
No documentário La mentira verde (The Green Lie), de 2018, o diretor austríaco Werner Boote faz o policial bom e a jornalista alemã Kathrin Hartmann, a policial má. Boote (criador também do Plastic planet, Nos vigilan e Population Boom) faz o papel do consumidor que não rejeita o sistema, mas, sim, busca a melhor opção de compra para o meio ambiente. No entanto, mais de uma vez, Hartmann traz à tona o lado sombrio dos produtos, tentando provar que qualquer reivindicação de compra ecológica falha em algum lugar e só contribui para perpetuar um sistema viciado.
"Disfarçada de verde, a destruição continua. Não percebemos que o sistema é prejudicial. Precisamos mudá-lo”, incide no documentário esta combativa jornalista, que escreveu vários livros sobre greenwashing (No se vuelve más verde, Fin de la hora del cuento de hadas e De la sobreexplotación controlada). “Devemos estar conscientes de que as empresas criam harmonia para evitar conflitos, mas as mudanças são alcançadas através de conflitos”.
Ao longo de La mentira verde, são acusadas de greenwashing empresas como Unilever, Coca-Cola e Ikea..., mas também Tesla. De fato, em um ponto do filme, Boote e Hartmann deixam um carro elétrico dessa marca abandonado, com a bateria descarregada, em uma mina de carvão a céu aberto na Alemanha, em um gesto muito simbólico do que eles pensam sobre as chamadas tecnologias verdes.
Essa abordagem será muito extrema para muitos. No entanto, o documentário deixa algumas ideias interessantes: por que tem que ser o consumidor que precisa optar em sua compra em não explorar pessoas ou matar golfinhos? Isso não deveria ser um assunto a ser resolvido pela legislação? “A indústria nos faz acreditar que somos apenas consumidores. Não sou apenas consumidor, sou uma pessoa, uma cidadã”, destaca Hartmann.
A entrevista é de Laura Rodríguez, publicada por El Diario, 26-07-2020. A tradução é do Cepat.
O que é para vocês ‘greenwashing’?
A lavagem verde ocorre quando as empresas apresentam produtos cuja produção é social e ecologicamente prejudicial, como se fossem ecologicamente corretos e socialmente aceitáveis. Em resumo, o greenwashing procura preservar um negócio que em si mesmo é prejudicial, que apenas é rentável se não leva em consideração a proteção ambiental e os direitos humanos. Quanto mais baratas as matérias-primas e menores os salários, mais lucros. Devemos reverter a pergunta: se as corporações obtiveram lucros produzindo de maneira ecológica e socialmente justa, por que devem manter suas práticas prejudiciais?
É muito crítica em relação a qualquer reivindicação ou etiqueta verde das companhias?
As companhias não são pessoas que tomam decisões com base em considerações morais, são concentrações de poder cujo objetivo é obter lucros. No caso de empresas multinacionais, são obrigadas a pagar a seus acionistas os maiores dividendos possíveis. É por isso que lutam com sucesso, juntamente com os lobbies, contra qualquer tipo de regulamentação ou lei que as obrigue a respeitar legalmente os direitos humanos e proteger o meio ambiente. Todas produzem e compram no sistema, o que fazem infelizmente é legal e apoiado politicamente. Por exemplo, com acordos de livre comércio e com subsídios diretos e indiretos, com vantagens tributárias, créditos baratos e outros.
Não se pode confiar em nenhum código de autorregulamentação ou em nenhum certificado verde?
Para dar apenas um exemplo: em Bangladesh, em 2013, quando o edifício Rana Plaza, que também abrigava ilegalmente fábricas têxteis, desabou, mais de mil pessoas morreram. Todas as empresas de moda que tinham sua produção lá estavam mantendo códigos de conduta que soavam muito bem, assim como outras promessas admiráveis sobre como cuidavam de seus trabalhadores.
O desastre de Rana Plaza é a prova mais dramática de que a responsabilidade voluntária não melhora nada. Há apenas alguns meses antes, até mesmo a organização de certificação alemã TÜV-Rheinland, em nome da indústria da moda, havia inspecionado o prédio e simplesmente ignorou as terríveis condições de trabalho e seus defeitos de construção. Nem sequer uma única empresa foi punida – até mesmo a compensação muito baixa, que era pagar as vítimas muito depois, foi voluntária - e isso apenas ocorreu sob grande pressão do público.
De verdade, considera que não há nada das grandes empresas que não seja ‘greenwashing’?
Quando falamos de grandes marcas e multinacionais, não, não há exemplos positivos. Lembre-se de que essas empresas geralmente produzem coisas supérfluas e desnecessárias. Produzem em grandes quantidades, porque só podem gerar lucro, caso se consuma muito e depois se jogue fora e se compre novamente. Isso não acontece sem um custo.
O consumo é o motor do sistema capitalista baseado no crescimento, portanto, é uma questão política e não pragmática. Quanto maior a empresa, mais matérias-primas soa necessárias e quanto mais longe a produção e a origem dos materiais, mais prejudicial é o negócio global, mais vasto e elaborado é seu ‘greenwashing’.
Não existe nenhum exemplo de empresas que estejam agindo bem?
Obviamente, empresas menores e/ou locais que não dependem da importação de matérias-primas problemáticas ou que não consomem grandes quantidades de matérias-primas têm outras formas de produzir de maneira social e ecologicamente mais justa. Essas pequenas empresas não se preocupam com a lavagem verde da imagem. E, claro, também existem formas de organização de empresas que são ecologicamente e socialmente justas, como as cooperativas. Podem ser encontradas na produção de alimentos e também na moda, mas formam nichos bem pequenos.
A energia é um bom exemplo. Na Alemanha existem muitas pequenas cooperativas, parques eólicos ou solares de propriedade dos cidadãos. As mudanças na energia na Alemanha foram promovidas por essas pequenas empresas, as grandes empresas são muito lentas e apenas entraram no mercado porque a lei exigiu. Usam, ao contrário, todo o seu poder em lobbies (dizendo, por exemplo, que a energia nuclear é respeitosa ao meio ambiente) para manter a energia nuclear e o carvão, porque ganham muito dinheiro com isso.
No documentário 'La mentira verde', defende que a escolha na compra não serve para mudar o mundo?
Para mim, a questão mais importante não é: o que devemos comprar e quais empresas são melhores? Mas, sim: por que é na realidade legal que a maioria dos produtos que estão nas lojas tenham sido produzidos violando os direitos humanos e favorecendo a destruição ambiental? E como podemos, como cidadãos, lutar para que isto mude?
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“O consumo é o motor do sistema capitalista baseado no crescimento”. Entrevista com Kathrin Hartmann - Instituto Humanitas Unisinos - IHU