17 Junho 2020
"Nossa inconsequência com o que resta de patrimônio natural está diretamente relacionada com os maiores custos para a manutenção de nossa qualidade de vida e nossa saúde. Mas também está conectada com condição de manutenção da economia de forma sustentável. São as áreas naturais que garantem água em quantidade e boa qualidade. E que também colaboram com o equilíbrio do clima e a resiliência frente aos eventos climáticos extremos. É a biodiversidade que permite a polinização da agricultura, a conservação dos solos, a busca por novas tecnologias", escreve Clóvis Borges, diretor-executivo da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS) e conselheiro do Observatório de Justiça e Conservação (OJC), em artigo publicado por EcoDebate, 16-06-2020.
A cada ano o mês do Meio Ambiente toma vulto e chama mais a atenção da sociedade, além do Dia Mundial do Meio Ambiente, em junho também se comemora o Dia da Ecologia e o Dia Mundial dos Oceanos. No entanto, o fenômeno que traz maior notoriedade ao tema ambiental não ocorre em decorrência apenas de agendas comemorativas. Esta fama crescente se dá, a bem da verdade, pela apreensão causada com a sequência cada vez mais frequente e intensa de eventos ambientais extremos, que nos atingem de muitas formas diferentes.
É ainda distante e inconsistente nosso reconhecimento sobre a importância de proteger o patrimônio natural do Planeta. Nossas ações não seguem um comportamento responsável regrado a partir dos limites que a natureza estabelece. Embora seja de maçante obviedade, relutamos em admitir que os impactos causados pelos nossos excessos estão promovendo um processo já em curso de mudanças climáticas aliados a significativa perda da biodiversidade, num conjunto de desequilíbrios sem precedentes.
Entramos no século 21 e superamos os 7 bilhões de seres humanos. Vivemos enormes desequilíbrios sociais, agregados às pressões crescentes sobre a exploração de recursos naturais e o aumento do consumo. Sustentamos reiteradamente uma falsa premissa de que a economia só estará bem se houver crescimento, uma equação que não se ajusta ao fato de sermos apenas um planeta.
A busca pela superação destes desafios de enorme envergadura vem sendo, em parte, enfrentados por novas tecnologias, que minimizem os impactos ambientais causados por nossas atividades. Potencializamos o uso de matérias primas, diminuímos os efeitos de poluição, dentre outras muitas possibilidades que são colocadas em prática a partir do conhecimento cada vez mais avançado. São extraordinários os progressos no campo de tecnologia da informação e as expectativas de aplicação da biotecnologia são igualmente muito expressivas.
Mesmo com tanta riqueza gerada e com a brutal evolução tecnológica, não conseguimos estabelecer uma agenda de justiça social que possa ser definida como animadora. Ao contrário, há situações crescentes de tensão social que desafiam de maneira muito determinante a toda sociedade. A busca de alternativas que diminuam adequadamente as desigualdades que estão cronicamente estabelecidas e sua relação com os desequilíbrios ambientais são muito grandes.
São as comunidades menos favorecidas aquelas que mais sofrem com eventos ambientais extremos. Sejam grandes secas ou inundações, sejam situações críticas como a atual pandemia duramente presente. O conjunto cada vez mais complexo de danos causados pela degradação da natureza enreda todas as atividades econômicas que causam impactos mais significativos, abrindo a perspectiva de mudanças que são criticamente necessárias, dentre elas a mudança da matriz energética a base de combustíveis fósseis.
No entanto, existe um fator determinante para a nossa qualidade de vida dos próximos anos que, em geral, está descartado da agenda de prioridades que promovem os esforços na busca melhorias num mundo tão convulsionado como o nosso. Não estamos dando atenção mínima às áreas naturais e a sua biodiversidade, sendo que seguem as intervenções de destruição em praticamente todo o mundo, mais notadamente aqui no Brasil.
As ameaças de destruição da Amazônia nunca foram tão reais. E é doloroso perceber que vivemos um momento que que a própria gestão pública estabelece uma agenda contrária a proteção do meio ambiente. Aqui no Sul, em meio a uma excepcional crise hídrica que se mostra cada vez mais séria, o Paraná é o terceiro estado que mais desmata a Mata Atlântica, já drasticamente reduzida a partir de séculos de exploração desenfreada.
Nossa inconsequência com o que resta de patrimônio natural está diretamente relacionada com os maiores custos para a manutenção de nossa qualidade de vida e nossa saúde. Mas também está conectada com condição de manutenção da economia de forma sustentável. São as áreas naturais que garantem água em quantidade e boa qualidade. E que também colaboram com o equilíbrio do clima e a resiliência frente aos eventos climáticos extremos. É a biodiversidade que permite a polinização da agricultura, a conservação dos solos, a busca por novas tecnologias, como através da biomimética. É da biodiversidade que advém nossos alimentos e os medicamentos de toda ordem. Áreas naturais são áreas de produção, tão ou mais importantes do que as atividades convencionais que conhecemos.
Podemos afirmar que a própria alma da Terra está presente na diversidade de vida e de paisagens oferecida nesse enorme conjunto de ambientes naturais que ainda persiste. Uma alma que também gera negócios como o turismo de natureza, uma demanda crescente que deverá ser ainda mais importante nos anos seguintes, dada a expectativa de todos em visitar novos lugares, desfrutar de áreas protegidas, sua exuberância e sua inigualável beleza.
Se ainda existem dúvidas sobre o que representa o melhor negócio do mundo, possivelmente é porque existem muitas pessoas que perderam a sua alma, no papel de tomadores de decisão.
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Exploração predatória do patrimônio natural e o ‘melhor’ negócio do mundo. Artigo de Clóvis Borges - Instituto Humanitas Unisinos - IHU