03 Junho 2020
Em 2006, Richard Louv, ensaísta, cofundador e presidente emérito da Children & Nature Network, criou um movimento internacional para conectar as crianças, as famílias e as comunidades com a natureza e possui uma dezena de livros publicados em 24 países sobre a necessidade humana da natureza. “Los últimos niños en el bosque” (Capitán Swing), que reúne estudos científicos sobre como o contato com a natureza é essencial para nosso desenvolvimento físico, emocional e espiritual, foi um best-seller internacional.
Insiste em que devemos imaginar um futuro para o qual todos queiramos ir e que deixemos de alimentar distopias. Em seu ensaio Vitamina N e em muitos artigos, expõe ações concretas para alcançar esse futuro e salvar o planeta. “A pandemia nos lembra que é crucial a proteção e expansão das áreas silvestres para preservar nossa saúde”.
A entrevista é de Ima Sanchís, publicada por La Vanguardia, 02-06-2020. A Tradução é do Cepat.
Durante a quarentena, muitos de nós ficamos fascinados com o aparente retorno da fauna silvestre em nossas cidades e bairros.
Não podemos conviver?
Devemos nos perguntar o que é necessário para que nossa espécie aja diante da alteração do clima, o colapso da biodiversidade e as atuais pandemias relacionadas ao nosso modo de tratar os animais.
Parece que os dados e a lógica não bastam.
Precisamos de um amor feroz, um profundo apego emocional à natureza que nos cerca e uma esperança imaginativa para descrever um futuro digno de ser criado.
Menos ‘Blade Runner’ e mais ‘Avatar’.
Para muita gente, talvez para a maioria, pensar no futuro evoca imagens de Blade Runner ou Mad Max, uma distopia pós-apocalíptica despojada da natureza, e os seres humanos de sua humanidade. Esta é uma fixação perigosa. Precisamos da imagem de um futuro para o qual queiramos ir, para poder nos dirigir a ele.
O anseio pela natureza existe.
Vemos esta emoção no acelerado interesse no desenho arquitetônico e urbano biofílico, que incorpora elementos naturais no ambiente de trabalho (que melhora a produtividade dos empregados e reduz os dias de baixa) e nos colégios, hospitais e lares, cada vez mais conscientes da necessidade da natureza.
Há 15 anos, você definiu o transtorno por déficit de natureza. Segue presente?
Sim, mas as pesquisas se multiplicaram, já não há dúvida de que as experiências na natureza oferecem grandes benefícios para a saúde física e psicológica e maior capacidade para aprender. Comprovamos que melhora o rendimento acadêmico.
E a companhia de animais nos melhora?
Recentes pesquisas demonstram que nos parques e redondezas urbanas, quanto maior é a biodiversidade, maior é a saúde psicológica das pessoas e melhor se tratam entre si.
Grilos, sapos, cães, gatos, pássaros...?
As crianças que passam mais tempo na natureza e com animais não humanos desenvolvem um sentido da empatia mais agudo que as acompanha por toda a vida. Como espécie em geral, as coisas caminham melhor para nós quando estamos em parentesco com espécies que não são a nossa. Por que não pensamos nas cidades como motores da biodiversidade e da saúde humana?
A conservação já não é o suficiente?
Não. Precisamos criar natureza onde vivemos, trabalhamos, aprendemos e brincamos. Necessitamos de uma expansão radical da natureza selvagem, porque devemos ecologizar o mundo para absorver o carbono e reverter o colapso da biodiversidade e o crescimento das extinções. É uma necessidade de saúde pública para os humanos e para as outras espécies.
Em minha cidade, não permitem passear com os cachorros pelos parques e matam a erva silvestre.
Concebo um tempo, não muito distante, em que a conexão com a natureza será um acontecimento diário. Projetaremos as cidades para trabalhar em harmonia com a natureza e a biodiversidade será um padrão habitual.
Soa bem.
Os desafios ambientais vão requerer mudanças fundamentais em nossas vidas e instituições. Necessitamos de líderes com um pensamento avançado.
Ajude-me a imaginar cidades melhores.
Nossas vidas estarão tão imersas diariamente na natureza, como estão na tecnologia. Isto inclui um novo tipo de cidade que incorpore a natureza em cada um de seus edifícios e espaços, que serve para fortalecer os residentes psicologicamente, fisicamente e inclusive espiritualmente.
Sem barulho e com ar limpo.
E com corredores verdes para as espécies. Tetos verdes e quintais com espécies autóctones que ajudem a recuperar as rotas migratórias das mariposas e as aves. Pense na energia que as crianças e suas famílias sentiriam se ajudassem a fazer com que isto acontecesse.
Repovoaremos o campo?
Imagine um mundo em que as pequenas cidades rurais, agora desertas, retornem conectadas à internet, cercadas por hortas orgânicas, prados comestíveis e beleza.
A ecologização das cidades exige grandes sacrifícios econômicos?
Sabemos que as cidades ricas em natureza constroem riqueza econômica: criam novos empregos verdes, aumenta o valor das propriedades, o aumento do turismo ao ar livre se soma às economias locais e uma afluência da chamada classe criativa se muda para estas regiões.
Por onde começamos?
As regiões urbanas melhor preparadas para os desafios ambientais e econômicos serão aquelas cujos sistemas educativos desenvolvem mentes híbridas (equilibrando as capacidades e aptidões dos mundos natural e virtual). Mas nada disto acontecerá ao ritmo que deveria, a menos que ocorram três coisas: financiamento, um movimento mundial e o reconhecimento de que esta conexão com a natureza é um direito humano, especialmente para as crianças.
Vislumbra esse futuro verde?
Acredito que está se estabelecendo uma nova consciência e que, conforme se expressa, a relação do homem com a natureza se transformará de pessoa que explora a pessoa que nutre.
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“Precisamos de um amor feroz, um profundo apego emocional à natureza”. Entrevista com Richard Louv - Instituto Humanitas Unisinos - IHU