17 Outubro 2019
Refugiados climáticos: Estudos reforçam a necessidade de uma atenção maior a fluxos migratórios internos do país, principalmente decorrentes da região Nordeste.
A reportagem é de Sucena Shkrada Resk, publicada por EcoDebate, 16-10-2019.
Compreender os processos migratórios no Brasil tem sido objeto de pesquisadores da área ambiental, especialmente de mudanças climáticas, nos últimos anos. O que antes era praticamente creditado a questões estritamente socioeconômicas, hoje já tem uma análise mais aprofundada. Os deslocamentos humanos ou processos migratórios ambientais têm ganhado uma atenção especial. Um contingente da população já é definido como migrantes, deslocados ou refugiados climáticos ou ambientais, um conjunto de terminologias que está sendo construído internacionalmente, pois ainda não há uma definição oficial no direito ambiental. Porém, o que é certo por aqui é que uma significativa parte deles provém da região Nordeste do país. A proposta é que deixem de ser invisibilizados, neste contexto, nas estruturas burocráticas. Com este enfoque, o estudo Mudanças no padrão espaço-temporal de secas no nordeste brasileiro, publicado na Atmopsheric Science Letters, no ano passado, revelou que a seca, entre 2012 e 2017, foi a pior em 30 anos e prejudicou a população de 24 milhões de pessoas que vive na região, promovendo milhares de deslocamentos, em especial para a região Sudeste, algo que já ocorria em determinados períodos, desde a década de 1990. As secas anteriores também analisadas aconteceram entre 1982-1983, 1992-1993 e 1997-1998. O trabalho foi realizado por pesquisadores do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) e de outras instituições, sob coordenação da pesquisadora Ana Paula Cunha.
Segundo os cientistas, alguns dos aspectos a serem considerados no processo da seca severa é a interferência do El Niño (em grande parte das ocorrências), que contribuiu para o aquecimento do oceano Pacífico Equatorial e fez com que as nuvens de chuva se dirigissem para longe do Nordeste e do continente. Mais uma causa associada é atribuída ao aquecimento do Oceano Atlântico no Hemisfério Norte do planeta, o mesmo fenômeno que tem motivado o aumento de registro de furacões, entre outras.
O levantamento alerta que a combinação de alta variabilidade espacial e temporal das chuvas, falta de irrigação, degradação da terra devido ao manejo inadequado do solo e a pobreza em larga escala nas áreas rurais tornam a região uma das áreas mais vulneráveis do mundo aos impactos das mudanças climáticas.
No aspecto de retaguarda às populações vulneráveis, o livro “A proteção internacional e nacional aos deslocados ambientais: o caso dos deslocados do sertão do nordeste brasileiro”, uma das autoras, Andrea Pacheco Pacífico, coordenadora do Núcleo de Estudo e Pesquisa sobre Deslocados Ambientais, da Universidade Estadual da Paraíba (NEPDA/UEPB), explica que o Brasil carece de uma estrutura de atendimento a estas pessoas e seria ideal que se enquadrasse no tratado Princípios Orientadores Relativos aos Deslocados Internos, da Organização das Nações Unidas (ONU). Ela escreveu a publicação em parceria com o advogado Reginaldo Alves Lins de Araújo Neto.
Quem atende a este perfil de público?
Segundo o documento, é preciso compreender que deslocados internos são pessoas, ou grupos de pessoas, forçadas ou obrigadas a fugir ou abandonar as suas casas ou seus locais de residência habituais, particularmente em consequência de ou com vista a evitar os efeitos dos conflitos armados, situações de violência generalizada, violações dos direitos humanos ou calamidades humanas ou naturais, e que não tenham atravessado uma fronteira internacionalmente reconhecida de um Estado.
E qual é o deve do poder público?
As autoridades nacionais têm o dever e responsabilidade primárias de garantir a proteção e a assistência humanitária aos deslocados internos que se encontrem na sua área de jurisdição.
Segundo a Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), desde o ano de 2009, estima-se que a cada segundo uma pessoa é deslocada em razão de um desastre ambiental. Em 2018, foram 17 milhões de novos deslocamentos relativos a desastres naturais e às mudanças climáticas, no planeta, de acordo com o Centro de Monitoramento de Deslocados Internos, que fica em Genebra. Nas próximas três décadas, o alerta é ainda maior. Segundo o Banco Mundial, a mudança climática deverá expulsar 140 milhões pessoas de suas casas. Todos estes dados reforçam que não é mais possível desconsiderar esta questão nas agendas das políticas públicas dos países e do próprio direito internacional.
“A maior parte dos relatórios relacionados às mudanças climáticas e principalmente à seca analisa outras questões associadas de indução, como pobreza, marginalização, condição socioeconômica e algumas políticas setoriais”, explica a bióloga Patrícia Fernanda do Pinho, doutora em Ecologia Humana, que integra o grupo de cientistas do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), da Organização das Nações Unidas (ONU). Sua área de atuação é especialmente relacionada a desigualdades, pobreza, desenvolvimento sustentável e objetivos do desenvolvimento sustentável.
Patrícia reitera que principalmente na região do semiárido brasileiro, as pessoas têm abandonado as regiões rurais, indo para as cidades ou outros estados e regiões. “Isto, sem dúvida, é decorrente da incidência da seca, como também de outros eventos extremos, que ocasionam deslizamentos e erosão. Existem migrações que ocorrem em outros biomas, como a Amazônia”, alerta, apontando para a necessidade de se ter uma visão mais ampla no Brasil a respeito desta agenda emergente.
Segundo a ecóloga, a terminologia “refugiados climáticos”, que abrange tanto os deslocamentos internos e externos ao país de origem, é uma categoria nova que ainda precisa ser melhor aprofundada no Brasil e no mundo. Mas já se tornou um dos principais desafios impostos nas negociações da Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima, que será realizada no Chile, em dezembro.
A 350.org é um movimento global de pessoas que trabalham para acabar com a era dos combustíveis fósseis e construir um mundo de energias renováveis e livres, lideradas pela comunidade e acessíveis a todos. Nossas ações vêm ao encontro de medidas que visem inibir a aceleração das mudanças climáticas pela ação humana, que incluem a manutenção das florestas.
Desde o início, trabalha questões de mudanças climáticas e luta contra os fósseis junto às comunidades indígenas e outras comunidades tradicionais por meio do Programa 350 Indígenas e vem reforçando seu posicionamento em defesa das comunidades afetadas por meio da campanha Defensores do Clima. Mais uma vertente das iniciativas apoiadas pela 350.org é da conjugação entre Fé, Paz e Clima.
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Emergência Climática – Refugiados climáticos: uma realidade brasileira - Instituto Humanitas Unisinos - IHU