04 Junho 2020
"Em 29 de abril, o general Mourão propôs aprofundar o relacionamento com a China, já que o "casamento" entre os dois países é "inevitável" e a globalização, após o Corona-19 certamente aumentará a importância geo-econômica da Ásia. Tudo em contrário ao proposto pelo Ernestinho. No passado recente, interviu reiterada vezes para por de volta nos trilhos as boas relações com a China, devido aos ataque bolsonaristas. Viajou à China e tem recebido altos dignitários daquele governo", escreve Mário Maestri, historiador e autor de Revolução e contra-revolução no Brasil: 1530-2019, em artigo publicado por Pravda, 02-06-2020.
A restauração capitalista na China, iniciada em 1979, com Deng Xiaoping, transformou o país em espaço privilegiado da acumulação capitalista mundial, apoiada na super-exploração de força de trabalho disciplinada chinês e na vampirização dos investimentos socialistas anteriores. Com a crescente globalização e a desregulamentação, proliferaram na China inicialmente pequenas e médias empresas. Muito logo, grandes grupos estrangeiros estabeleceram-se no país, em geral associadas a empresários locais ou ao Estado, para produzir mercadorias de baixo valor tecnológico e alta intensidade de trabalho vivo.
Esse movimento alavancou produção de mercadorias de maior composição tecnológica, voltadas à exportação e, a seguir, ao mercado interno. Em 2013, a direção chinesa passou a apoiar a expansão do mercado interno de um bilhão e 400 milhões de habitantes e a exportação de produtos e serviços de alta tecnologia. O governo seguiu investindo em infra-estruturas e alavancando a pesquisa e a inovação tecnológica, diminuindo o hiato relativo com os EUA, superados em algumas áreas importantes, como biotecnologia, tecnologia da informação, inteligência artificial.
Os capitais estabelecidos na China se comportaram segundo sua natureza profunda, ou seja, despreocupados com as sequelas em seus países desse movimento sócio-econômico de proporções jamais conhecidas. Com pouco mais de 25% da população chinesa, os Estados Unidos sofreram as sequelas da deslocalização de indústrias de alta intensidade de mão de obra, que acelerou a queda já em curso do valor médio do salário mínimo dos Estados Unidos e do poder de consumo da população do país. O movimento acelerou igualmente a concentração de renda. Os déficits públicos abismais yankees foram sustentados pela compra chinesa de títulos da dívida EUA, financiada pelo enorme desequilíbrio do balanço comercial estadunidense em favor da China.
O desbordar internacional quantitativo e qualitativo da produção não foi ato voluntarista do governo chinês. Ele nasceu naturalmente do processo de superação da capacidade de absorção do mercado interno e externo tradicional da reprodução ampliada do capital nacional e internacional investido na China. A produção em escala e os capitais excedentes exigiam necessariamente uma aplicação rentável no exterior. Ainda mais que parte dos capitais chineses deprimia-se no entesouramento em Títulos da Dívida Pública EUA, de rendimento não raro negativo. A monumental produção chinesa dependia da importação ininterrupta e a preços decrescentes de enormes quantidades de matérias-primas.
A exteriorização chinesa de capitais registrou-se no recuo relativo da compra de títulos da dívida EUA e na expansão da exportação de capitais públicos e privados, através de financiamento de infra-estruturas, compra de empresas, joints-ventures, etc. A aquisição de empresas de ponta permitia a obtenção de tecnologia não possuídas. Fundaram-se bancos de investimentos na Eurasia, intercontinentais como o Brics, etc. Em 2004, os investimentos diretos externos chineses explodiram, disparando em 2014-6, dirigidos sobretudo para a Ásia (70%) e com destaque para a América Latina (17%). No Brasil, os investimentos chineses avultaram-se a partir de 2010, somando, entre 2007 e 2018, US$ 58 bilhões.
Como os países capitalistas que os precederam, em forma apenas relativamente diversa, a China tornou-se nação imperialista, na acepção leninista do termo, dependente da exportação de capitais. Apoiado em seus recursos monumentais, o capital chinês propõe caminho doce para o avanço mundial de seus capitais, uma verdadeira necessidade, já que, apesar de ter conquistado a hegemonia econômica, os EUA mantém a hegemonia militar, diplomática, política e financeira, mantendo sob sua subordinação nações sub-imperialistas como o Japão, a França, a Inglaterra, a Alemanha. Os EUA dominam ainda importantes áreas tecnológicas. A China dispõe-se a financiar "comunidade [mundial] de destino associado", sobretudo através do projeto o "Cinturão e a Rota", com investimento, em 2016-2020, de 10 trilhões de dólares, dedicado sobretudo ao financiamento de infra-estruturas. Esse projeto ensejou que inúmeros países, sobretudo africanos, estejam hoje endividados junto aos entes chineses de financiamento.
Os EUA assentam sua hegemonia imperialista no domínio do dólar como moeda de troca-refúgio internacional, que se apoia no domínio militar-diplomático e, portanto, da espoliação mundial. O dinamismo econômico do imperialismo chinês corrói a hegemonia financeira e, consequentemente, militar. Em uma estreita janela de tempo, os EUA necessitam reconquistar o dinamismo econômico e a hegemonia plena, programa a ser realizado inevitavelmente através da desorganização do Estado russo e, sobretudo, chinês. Trata-se de projeto de desorganização soft, se for possível, hard, se for necessário, do dinamismo chinês.
Os EUA conheceram dez anos de expansão econômica ininterrupta, alcançando taxas históricas mínimas de desemprego, sem retomar substancialmente o poder de compra dos trabalhadores e assalariados estadunidense - trabalhos de baixa qualidade, de meia jornada, etc. Em boa parte a passada expansão apoiou-se na retomada da produção de petróleo e gás cracking, o que mascarou a decadência do parque industrial do país. Em 1950, o PIB EUA era 50% do PIB Global - hoje é 14%. Atualmente, o poder de compra da China supera o dos EUA.
A China tem investido fortemente em armamento, com destaque para a marinha de guerra, para defender suas rotas mundiais de abastecimento e comércio. Os EUA tem onze porta-aviões, arma hoje essencialmente de "projeção de poder" de um Estado longe das suas fronteiras, sem serventia no confronto entre grandes nações, devido sobretudo aos novos mísseis hipersônicos. A China tem dois porta-aviões e planeja construir mais dois. Os EUA mantém oitocentas bases militares no mundo, que pesam duramente sobre seu orçamento - a China estabeleceu sua primeira, em Djibuti, no nordeste da África.
A superioridade EUA em ogivas atômicas é neutralizada pela capacidade de retaliação da China e da Rússia. Agora, os Estados Unidos investem em armas atômicas táticas. Os EUA talvez vencessem guerra localizada contra a China ou a Rússia. A China se arma vigorosamente e a Rússia dispõe de pequena força armada, em relação a URSS, mas de altíssimo nível tecnológico, financiada parcialmente pelas exportações. Os EUA já não podem lutar contra a China e a Rússia unidas.
O tempo urge para o imperialismo EUA, o que o torna cada vez mais agressivo. Procura ferir a Rússia e a China fortalecendo tensões sociais e políticas internas, confrontos militares indiretos e terceirizados. Se esforça para bloquear o acesso às matérias-primas, aos mercados, à tecnologia. Usou esses métodos contra a URSS e segue usando contra Cuba, Irã, Venezuela, Coréia do Norte, com destaque para a China e a Rússia. Sobretudo a Rússia tem respondido com contra-medidas dura, até agora vitoriosas - Ossétia do Sul; Ucrânia/Crimeia; Síria, etc. O imperialismo estadunidense acirra a disputa pelo Mar da China Meridional e envia seus navios de guerra para regiões reclamadas pela China como águas territoriais. Estreita laços com Taiwan; apoia os separatistas de Hong Kong; agride diretamente a Huawei.
O ataque estadunidense se dá ainda sobretudo no plano econômico, tentando fazer retroceder a expansão mundial mercantil chinesa. As dificuldades são muitas: após a União Européia e os EUA, o terceiro parceiro comercial chinês são suas nações vizinhas, mercado de mais de seiscentos milhões de habitantes, já com relações estreitas com o Império do Meio. A China se aproxima da Itália para penetrar na Europa. Nos últimos vinte anos, os EUA não desenvolveram sequer uma grande iniciativa econômica estratégica, fora ou dentro do país. Suas guerras no exterior e a crise de 2008 dessangraram-no economicamente. Em crise, o imperialismo estadunidense pratica a política do bastão, sem a cenoura, com aliados e não aliados, para mantê-los no redil e utilizá-los na ofensiva contra a Rússia e a China.
Apoiando-se no enorme déficit comercial EUA, Trump impôs mega-tributação das importações chinesas, procurando reindustrializar o país. Entretanto, empresas que se retiraram da China, não voltaram para os EUA, mas estabeleceram-se em geral em outras nações do Oriente. Trump, comportando-se como bandido na disputa comercial, sobretudo quanto às empresas de computação e comunicação de ponta, com destaque para a Huawei, procurando recuperar o atraso EUA no 5G e na inteligência artificial.
A pandemia de covid-19, iniciada na China em novembro de 2019, acelerou fortemente as tendências dominantes das contradições inter-imperialistas entre a China e os EUA. Após vacilar inicialmente, a direção chinesa compreendeu a importância da crise, para seu país sob o duro ataque estadunidense. Foi imposta rígida quarentena para a província Wuhan -60 milhões de pessoas-, debelando-se o surto em inícios de abril - umas cinco mil vítimas-, com a pandemia já espalhada no mundo. As sequelas econômicas foram grande, mesmo que a produção industrial chinesa jamais tenha sido interrompida em outras regiões do país. Espera-se crescimento positivo do PIB chinês de 1,5% a 2% em 2020. Ou seja, estima-se queda de pouco mais de 4% do esperado. Cresceu o desemprego no país. A recuperação da economia chinesa depende fortemente da retomada do consumo mundial, com regressão ainda difícil de ser estimada. Devido a isso e ao acirramento da crise com os EUA, o governo projeta expansão do mercado consumidor interno.
A pandemia teria chegado nos EUA em 15 de janeiro. Pressionado pelos empresários estadunidenses, Trump assumiu posição negacionista: minimizou e ridicularizou a emergência sanitária gravíssima e confrontou-se com os governadores sobretudo democratas que tomam medida de diversa intensidade quando a crise assumiu caráter dramático - Nova Iorque, Nova Jérsei, Illinois, Califórnia, Massachusetts, Pensilvânia, Estados, todos eles, com mais de cinco mil mortos. Atualmente, os mortos reconhecidos ultrapassam os 100 mil.
Apesar da resistência de Trump, as medidas de quarentena se estendem através do país, que marcha em direção aos quarenta milhões de trabalhadores desempregados, fora os semi-desempregados e mal-empregados. A produção manufatureira alcançou seu mínimo em em onze anos. A queda do preço internacional do petróleo atirou por terra as empresas petrolíferas (cracking), que devem 200 bilhões para os bancos. Com queda do PIB de quase 5% no primeiros trimestre, esperando-se retrocesso de 6 a 7% em 2020, estados começam a por fim às medidas de quarentena. A expectativa é um retrocesso lento em 2021, devido, entre outros motivos, à degradação do consumo interno, grande apoio da economia EUA.
A China sai rengueando da crise da covid-19 e os EUA com as duas pernas quebradas. Para os EUA, é corrida perdida já na partida, se retomar apenas à disputa anterior, mesmo com as cotoveladas que distribuía mesmo sob os olhos dos juízes no concorrente chinês. Trump ensaia partir para um tudo ou nada contra a China, atualmente o saco de pancada de sua campanha eleitoral, devido à crescente perda de apoio motivada pela crise sanitária e pelo recuo da economia. Entretanto, vença ele ou um democrata, o ataque à China está inscrito nos destinos dos Estados Unidos como nação imperialista.
Apenas saiu da pandemia, a China empreendeu -assim como a Rússia e Cuba, em menor dimensão-, campanhas de apoio, ajudando não apenas os países sub-desenvolvidos na luta contra a covid-19. O presidente da Sérvia beijou discretamente a bandeira da China. Isso, enquanto os EUA confiscavam ventiladores pulmonares e máscaras cirúrgicas que passavam por seu território em direção de nações necessitadas, em operações de literal pirataria, sob a bandeira da consigna America First! Operações vergonhosas que registraram um atraso industrial que obriga o país a comprar máscaras, respiradores, etc. na China.
Os EUA exigem investigações sobre a covid-19 e propõem campanha internacional pela indenização dos países atingidos pela China, devido a pandemia ter explodido ali China e pela demora do governo em combatê-la. Isso, quando as autoridades estadunidenses seguem negando-se a combater realmente a pandemia no país. Trata-se de campanha de ódio, já que não há base material e jurídica para tal proposta. Entretanto, países servos dos EUA na diplomacia, como a Austrália, já abraçaram a iniciativa demagógica. Trump estreita os laços com Taiwan e prepara retorções contra Hong Kong devido à China ter criminalizado atividades separatistas, terroristas e anti-estatais, assim como interferência estrangeira naquela região. O enclave financeiro é a principal ponta de lança imperialista estadunidense contra a China.
Para fazer frente ao projeto Cinturão-Rota, os EUA criaram banco de financiamento para os países semi-colonial, com capital desmilinguido de 60 bilhões de dólares. Uma de suas finalidade é financiar a Ericson e a Nokia na disputa contra a Huawei pelo 5G. Os EUA realizam investimentos bilionários em armamentos de ponta, em forma acelerada. Em 15 de maio, Trump ameaçou nada menos do que cortar todas as relações com a China e que não pretende mais falar com Xi, ao menos por enquanto. Os EUA se retiraram do acordo "Céus abertos" com a Rússia, medida de distensão militar entre os dois países. Navios da OTAN navegam no mar de Barents, no Círculo Ártico, próximo das águas territoriais russas.
O golpe de 2016, objetivava retirar o controle do país das classes dominantes caboclas, em favor do grande capital imperialista, sob a direção estadunidense. Com a vitória golpista, o país iniciou transição do status semi-colonial, onde suas classes dominantes mantinham ainda o controle político sobre a nação, para o status neo-colonial globalizado, onde as grandes decisões políticas e econômicas são já tomadas fora de suas fronteiras. Projeto iniciado no governo Obama e concluído na administração Trump, em um viés religioso-obscurantista republicano. Esse movimento tinha dois grandes objetivos.
O primeiro objetivo era escancarar o país para o capital estadunidense e mundial, transformando-o em produtor de grãos e minérios e produtos de baixa tecnologia, com a destruição-privatização de suas empresas públicas e privadas de capital monopólico. O segundo, barrar o acesso do Brasil ao capital chinês, impedindo-o de comprar empresas estratégicas e não estratégicas de porte, e controlando-onerando suas compras de minérios, petróleo e grãos. Havia no governo lulista e dilmista militantes do PT e do PCdoB com fortes e antigos vínculos políticos com a China, que se reciclaram e se reciclam em lobistas.
Em 2018, candidato à Presidência, Bolsonaro propôs que a "China não compra no Brasil. A China está comprando o Bra571561sil". O que não era novidade, havia décadas, no relativo a outros países! Já eleito, neo-presidente, seus ministros terraplanistas e sua progenitura -Eduardo, sobretudo- não cessaram de imprecar contra a China, em pronunciamentos desconjuntados, mas todos dirigidos pela diplomacia estadunidense. O pai extremoso tentou mas não conseguiu emplacar o filho playboy como embaixador nos EUA! Os ataques à China causaram problemas diplomáticos, contornados com pedidos de desculpas de Bolsonaro, viagem do Mourão àquele país, declarações do presidente da Câmara, etc.
Aqueles ataques foram enfrentados com paciência chinesa pelos ofendidos, que não deixaram de lembrar que a China compra no Brasil como pode comprar em outras regiões - há mais de dez anos a China é o principal parceiro comercial do país, com um enorme superávit para o Brasil. O país é um dos grandes investidores no país. Após forte regressão em 2018, 290 milhões de dólares, devido ao clima eleitoral, os investimentos chineses voltaram a crescer fortemente no Brasil, aproximando-se dos dois bilhões de dólares, já emparelhando com os investimentos EUA. A economia brasileira já engatinhando após o golpe de 2016, não se aplastou totalmente devido precisamente ao agro-negócio, com destaque para as vendas de grãos, destinadas sobretudo para a China.
Empresários tupiniquins enfeitiçados com o programa golpista de redução da classe trabalhadora a situação de assalariados semi-escravizados, seguem esperando que os sobressaltos com o grande parceiro econômico sejam resolvidos e superados sem deixar sequelas. Não poucos sequer compreendem -ou não querem compreender- a partida atualmente em jogo. Seguem apostando, ainda que cada vez mais desanimados e assustados, suas fichas na nova ordem militarizada em implantação, esperando uma próxima volta ao passado e recuperação econômica, que jamais acontecerá.
Guedes e Bolsonaro seguem como dois cavaleiros do Apocalipse, distribuindo miséria, tristeza e morte, sem que ninguém no empresariado proponha realmente que sejam apeados. Há entretanto grandes interesses, não apenas nacionais, com a sorte atada aos destinos das relações sino-brasileiras. Após os impropérios de Eduardo Bolsonaro, em meados de março, a "Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA)" divulgou nota apoiando a China e se dissociando do deputado. E há também os que se perguntam quem financiará a retomada do Brasil, no sentido que for, após superação da pandemia. A resposta é sempre uma: só pode ser a China, que tem bala na agulha.
O alto comando das forças armadas, com destaque para as de terras, agem hoje como representantes dos interesses do imperialismo e do grande capital no Brasil, dispostos a tudo alienar e vender, Amazônia inclusive, e lançar a população na miséria negra, desde que bem remunerados. O alto comando é hoje o parlamento informal, de última instância, mas decisivo, para o qual começam a se voltar, direta ou indiretamente, as reivindicações e projetos das classes proprietárias brasileiras. Isso, enquanto se alastra a insatisfação popular com a cáfila de militares no governo federal.
Os chineses tem como norma não se imiscuírem nas questões políticas nacionais nos países onde investem seus capitais. Não possuem portanto qualquer contradição de princípio com o golpe de 2016, que certamente rentabiliza seus capitais no país. Desde que não contradiga suas necessidades. E nesse caso, o Brasil é um peão demasiadamente importante no atual confronto internacional, para deixar que seus interesses sejam manipulados grosseiramente pelo imperialismo estadunidense, através do governo Jair Bolsonaro. O deslocamento brusco do Brasil em favor de uma das partes em confronto terá certamente forte repercussão em grande parte da América Latina.
A publicização da reunião ministerial de 22 de abril, revelou muito mais do que a já conhecida rusticidade intelectual e golpista do presidente e de enorme parte de seus ministros, mesmo os mais próximos. Nas quatro referências não censuradas sobre a China, Bolsonaro fala de agentes chineses infiltrados em diversos ministérios e, sobretudo, da necessidade de seguir comerciando com a China, mas de se "aliar com quem tem (...) alguma afinidade conosco". Proposta reafirmada por Guedes ao propor que se deve vender, sabendo a orientação "geo-política" do governo do país. Ou seja, os EUA.
O Ernestinho, o menino que brinca com as relações exteriores do Brasil, foi mais longe, ao propor que a globalização criou uma situação onde "no centro da economia internacional está um país que não é democrático, que não respeita direitos humanos".
Ou seja, a China. Há outros trechos em que os despropósitos sobre a China seriam ainda maiores. Quais os sentidos dessas declarações, em uma reunião ministerial que deveria articular iniciativas -sejam quais forem- e não enfatizar propostas ideológicas de campanha? A reafirmação programática anti-chinesa e a proposta de espiões chineses infiltrados no governo tiveram certamente um destinatário presente, que se manteve ao lado do presidente com expressão facial própria a um Buda. O vice-presidente Mourão, general de cinco estrelas, político por excelência, neoliberal extremado e vende-pátria raiz, é tido como o homem simpático no governo ao capital chinês.
Em 29 de abril, o general Mourão propôs aprofundar o relacionamento com a China, já que o "casamento" entre os dois países é "inevitável" e a globalização, após o Corona-19 certamente aumentará a importância geo-econômica da Ásia. Tudo em contrário ao proposto pelo Ernestinho. No passado recente, interviu reiterada vezes para por de volta nos trilhos as boas relações com a China, devido aos ataque bolsonaristas. Viajou à China e tem recebido altos dignitários daquele governo.
A mais paradigmática declaração de Mourão foi em 27 de abril, quando propôs a venda da Embraer para a China, após o fracasso da negociação com a Boeing, registro das dificuldades do capitalismo estadunidense. "A China é o país que, no presente momento, é que está expandindo este tipo de aviação"."Então, é um momento em que a Embraer poderá se aproximar. Nós já temos penetração no mercado local com aeronaves da Embraer, e isso poderá ser aprofundado". Uma declaração que causou excitações na China e certamente despertou as iras do inferno no Departamento de Estado estadunidense. Para essa fusão, é necessário licença do atual governo - ela fica, portanto, para uma próxima administração.
As baionetas servem para tudo, menos para se sentar nelas. Um descompasso forte entre as necessidades do comércio com a China e dos investimentos desse país no Brasil, devido a pressões crescentes ideológicas estadunidenses, abrirão conflito e fissuras no governo e nas forças armadas. O exército brasileiro é historicamente filo-estadunidense - hoje se transformou política e ideologicamente em um quase puxadinho dos EUA. É difícil saber quais são os apoios de Mourão no exército e qual o investimento que os chineses podem fazer nele. Entretanto, a crise política e econômica geral enfraquecem fortemente o governo Bolsonaro e obrigam os generais a andar sobre ovos, sobretudo quando cresce a oposição a participação dos fardados no governo federal, sobretudo entre os segmentos trabalhadores.
O importante leilão para o estabelecimento do 5G no Brasil pode conhecer atraso, com provável realização apenas em 2021. Vai ser um momento de importante teste da capacidade de veto estadunidense nessa área extremamente importante para a disputa entre os dois países. Setores políticos pró-burgueses na oposição, com ainda algum eleitorado popular, como o PCdoB, com Flávio Dino à cabeça, já apostam no páreo em curso no chinês, como treinador e, quem sabe, como jóquei de 2022. Uma data hoje enormemente distante, devido ao acirramento das contradições internas no Brasil e externas entre EUA e China. O fortalecimento da atual proposta de rendição incondicional da oposição faz de conta (como um todo) para afastar Bolsonaro do governo e substituí-lo pelo vice, certamente fortalece essas contradições.
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O Mourão é o coringa chinês no poker estadunidense no Brasil? Artigo de Mário Maestri - Instituto Humanitas Unisinos - IHU