04 Agosto 2018
“A ascensão pacífica da China mediante iniciativas como a Rota da Seda e o plano Made in China 2025, para se tornar a líder tecnológica mundial, está colidindo com a resposta de Washington, que declarou uma guerra comercial”, escreve o jornalista e analista político Raúl Zibechi.
A partir de um longo processo, “a China vai modificando seu perfil, construindo algumas forças armadas cada vez mais poderosas, com capacidade de intervir em todo o mundo”, considera o jornalista.
O artigo é publicado por La Jornada, 03-08-2018. A tradução é do Cepat.
Em fins deste século, a China será o novo hegemon, substituindo os Estados Unidos como líder do mundo, sendo a única dúvida se haverá guerra nuclear durante o processo. É curioso que boa parte das esquerdas do mundo observem com simpatia ou neutralidade esta ascensão que tende a tornar a China uma nova forma de imperialismo.
Os modos como a China vem ascendendo no cenário global são diferentes dos que os Estados Unidos mantiveram em uma etapa similar, em particular nos primeiros anos do século XX, quando interveio militarmente em suas áreas adjacentes ou quintal, em particular no Caribe, México e América Central. Ao contrário, a China está se convertendo em superpotência sem violência, nem guerras, o que marca uma diferença notável. Segundo as reiteradas declarações de seus dirigentes, seguirá pelo caminho da paz.
Em segundo lugar, a história da China é bem diferente daquela das potências hegemônicas anteriores: Estados Unidos, Inglaterra, Países Baixos e Veneza. O país do dragão sofreu invasões das potências coloniais, durante o século XIX, e do Japão, no século XX, o que nos fala de uma sociedade que sofreu os embates do colonialismo e o imperialismo.
Em contraste, desde 1823, quando a Doutrina Monroe proclamou que a América Latina era a esfera de influência dos Estados Unidos, a potência ascendente realizou 50 intervenções militares na região, a metade delas na primeira parte do século XX. O objetivo era derrubar governos que Washington considerava inimigos e impedir que personalidades ou partidos contrários a seus interesses chegassem ao poder.
A terceira questão é que em sua história a China nunca foi uma potência imperialista e se limitou a se defender mais do que a conquistar territórios. Foi um império relativamente frágil e com graves problemas de ordem interna, que precisou se deter a resolvê-los, sem a capacidade de se projetar para o exterior.
No entanto, devemos levar em conta outras razões que apontam em sentido contrário.
A primeira é que a China se tornou uma grande potência presente em todos os cantos do planeta, em uma grande exportadora de capital com poderosos monopólios estatais e privados, orientados pelo Estado. Embora na China não exista ainda uma oligarquia financeira, como nos países ocidentais, que representa o domínio do capital financeiro sobre o produtivo, registra-se uma forte tendência nessa direção, toda vez que o capitalismo chinês se orienta pela mesma lógica que o capitalismo global.
No entanto, a tendência ao predomínio do capital financeiro e a proteger os numerosos investimentos no exterior mediante formas, por agora, diplomáticas de intervenção, se dão para além da vontade declarada de seus governantes. A ascensão pacífica da China mediante iniciativas como a Rota da Seda e o plano Made in China 2025, para se tornar a líder tecnológica mundial, estão colidindo com a resposta de Washington, que declarou uma guerra comercial.
O país asiático é forçado a se envolver nessa guerra, do mesmo modo que deve se inserir no setor financeiro global para internacionalizar sua moeda, já que deve atuar com as regras vigentes. Ao longo deste amplo processo de ascensão, a China vai modificando seu perfil, construindo algumas forças armadas cada vez mais poderosas, com capacidade de intervir em todo o mundo, conforme demonstra a rápida construção de uma frota de porta-aviões e caças de quinta geração.
A segunda é que a cultura chinesa é profundamente conservadora, com um viés patriarcal muito poderoso. Sobre esta base está construindo um grande Estado para o controle de sua população, que chegará a instalar até 600 milhões de câmeras de vigilância, em seu propósito de fazer parte do que William I. Robinson denomina como “Estado policialesco global”.
O capitalismo digitalizado chinês precisa superar os Estados Unidos na revolução industrial em curso, baseada na robótica, impressão em 3D, Internet das coisas, inteligência artificial, aprendizagem automática, bio e nanotecnologia, computação quântica e em nuvem, novas formas de armazenamento de energia e veículos autônomos. A China já é a principal força pró-globalização, que aguça as tendências para o Estado policial global.
Por último, acredito que é imprescindível analisar a relação da cultura política chinesa com os movimentos antissistêmicos do mundo. As três datas que os movimentos celebramos em todo o mundo (8 de março, 1º de maio e 28 de junho) nasceram pelas lutas populares nos Estados Unidos e em países europeus, o que deve nos fazer refletir.
Não pretendo insinuar que na China não existam tradições revolucionárias. A revolução cultural orientada por Mao Tsé-Tung é um bom exemplo. Mas, essas tradições não estão desempenhando um papel hegemônico nos movimentos. Estamos diante de uma curva da história que nos impõe buscar referências, aprofundando as lutas.
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O próximo imperialismo. Artigo de Raúl Zibechi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU