12 Julho 2018
“No fundo, o que Trump e seu assessor em comércio internacional Peter Navarro estão atacando é a política industrial e tecnológica da China. Mas, essa batalha os Estados Unidos já perderam há tempo”, analisa o economista mexicano Alejandro Nadal, em artigo publicado por La Jornada, 11-07-2018. A tradução é do Cepat.
Os Estados Unidos lançaram o primeiro disparo de uma guerra comercial que pode durar muito tempo. Donald Trump mantém um discurso triunfalista que recorda o dos generais de sempre, que no início de uma aventura bélica prometem que os soldados retornarão a seus lares em algumas semanas. A história mostra como os horrores da guerra os desmentem cruelmente.
A China anunciou sua primeira resposta à ofensiva, sem levar o confronto para além do necessário, ainda que Washington tenha tornado conhecido seus planos para proceder com mais tributações sobre outras importações chinesas. Se a guerra comercial se detém nestas primeiras escaramuças, os efeitos sobre a economia mundial serão modestos e poderão ser absorvidos sem muito problema.
Contudo, há uma semana, Trump ameaçou impor tributos sobre importações chinesas no valor de 500 bilhões de dólares, número que é quase igual ao total das importações estadunidenses em 2017. E para justificar seu último atrevimento, Trump recorreu a um novo estratagema. A narrativa já não é apenas que a China roubou empregos, mas que retirou tecnologia dos Estados Unidos e invade suas patentes e segredos industriais. Neste discurso mercantilista, os subsídios às empresas chinesas constituem uma fonte de concorrência desleal que é preciso conter.
No fundo, o que Trump e seu assessor em comércio internacional Peter Navarro estão atacando é a política industrial e tecnológica da China. Mas, essa batalha os Estados Unidos já perderam há tempo. Até mesmo antes da contrarrevolução de Deng Xiaoping, a China já tinha uma indústria nuclear e militar bastante diversificada. E quando se impõe o atual modelo de capitalismo comunista, a China estava preparada para receber e absorver a tecnologia que viria associada aos investimentos estrangeiros. Hoje, o que resta é se perguntar se os instrumentos usados por Pequim são compatíveis com as regras da Organização Mundial do Comércio (OMC), organismo ao qual a China pertence desde 2001.
Para a administração Trump, o acesso da China à OMC foi um erro, porque abriu espaços para sua agressiva política de exportações sem que Pequim cumprisse com suas obrigações em matéria de reciprocidade. Contudo, qualquer processo de solução de controvérsias na OMC apontará que os instrumentos da política industrial e tecnológica do gigante asiático são compatíveis com as regras do comércio internacional.
Na atualidade, a China considera que sua economia tem ramos nos quais existe uma significativa dependência tecnológica. Entre os exemplos, destacam-se aviões, semicondutores e equipe médica de alta tecnologia. E nesses ramos o Estado chinês está realizando investimentos massivos para reduzir as importações e a dependência tecnológica. Claro que para um economista neoliberal isso parece anátema, mas para a OMC tudo isso é perfeitamente válido.
É certo que a China adquiriu no seio da OMC a obrigação de não exigir das empresas que queiram investir nesse país que transfiram tecnologia. Mas, a China mantém um amplo grau de discrição para definir em que setores se aceita o Investimento Estrangeiro Direto (IED) e em quais fica restrito ou regulado. E entre os ramos sujeitos à regulação, a China pode decidir que o IED só é aceito quando há empresas conjuntas nas quais se aplicam esquemas de transferência e absorção de tecnologia. Isso é permitido pela OMC.
O melhor exemplo da aplicação desta política tecnológica e industrial é a ferrovia de alta velocidade. As empresas que buscavam obter contratos para fornecer trilhos para altas velocidades no mercado chinês tiveram que se associar com as empresas estatais de ferrovias. E nesses esquemas de empresas conjuntas se incluíram contratos para transferir a produção de partes chaves para o território chinês.
Outro exemplo é o da indústria automotiva. Neste ramo, a China pôde criar uma cadeia de valor interna que compete vantajosamente com as existentes em qualquer outro país desenvolvido. A razão é que as empresas automotivas estrangeiras (como Ford, General Motors e Volvo) tiveram que transferir capacidade tecnológica à China para poder entrar nesse espaço econômico. Hoje, começam a ser vistos carros importados nos Estados Unidos com o selo Made in China. As políticas que conduziram a esses resultados nunca foram impugnadas pela OMC.
O contraste com o México é notável. Aqui, a reivindicação de Trump não é pela presença de uma política industrial e tecnológica ativa. É que por trás da fachada da indústria maquiladora, os governos neoliberais abandonaram os objetivos de desenvolvimento industrial às forças do mercado. Se a história econômica nos ensinou algo, é que nenhum país desenvolvido alcançou objetivos de industrialização e aquisição de capacidades tecnológicas endógenas sem a intervenção do Estado.
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Estados Unidos e China. Guerra comercial e política industrial - Instituto Humanitas Unisinos - IHU