12 Junho 2019
Um milhão de pessoas nas ruas de Hong Kong para protestar contra a extradição forçada dos suspeitos de crimes para a China. Francesco Sisci, sinólogo: "A população de Hong Kong teme que, com essa emenda, Pequim possa facilmente pedir a extradição, com uma acusação mais ou menos inventada, até mesmo de dissidentes políticos que vivem em Hong Kong. O problema, portanto, não é a lei em si. O problema é a confiança que as pessoas têm em relação à China".
"Há um medo e o medo é que esta lei facilite a extradição de criminosos de Hong Kong para a China. Ora, a extradição é uma coisa civil e justa. O problema é a confiança, ou melhor, a falta de confiança que existe e cresceu em Hong Kong em relação à China”. Esse é o ponto de partida de Francesco Sisci, um dos principais sinólogos e especialistas sobre a China na Itália, para explicar o que levou um milhão de pessoas a sair às ruas para protestar contra um projeto de lei apresentado em Pequim que imporia a extradição forçada de suspeitos de crimes para a China continental, onde os processos seriam realizados.
"A população de Hong Kong - explica Sisci - teme que com esta emenda Pequim possa facilmente exigir a extradição, com uma acusação mais ou menos inventada, até mesmo de dissidentes políticos que vivem em Hong Kong. Teme isso porque a China é a China, e porque houve casos de sequestros de alguns escritores que de Hong Kong levados em circunstâncias pouco claras para a China."
A entrevista é de M. Chiara Biagioni, publicada por AgenSIR, 11-06-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
Um milhão de pessoas são muitas?
Em Hong Kong vivem 7-8 milhões de habitantes. Pode-se dizer que toda a cidade protestou. Isso significa que as pessoas estão com medo e isso é um dado.
E Pequim, diante desse protesto, como vai reagir?
Se der um passo para trás, demonstra que não sabe dominar a situação. Se, em vez disso, continuar insistindo, a questão de Hong Kong torna-se um assunto internacional. A manifestação de Hong Kong atraiu as manchetes dos jornais de todo o mundo. Se a China insistir, isso significa que quer subjugar Hong Kong e enviar uma mensagem forte ao mundo.
O que a China teme?
Teme que, nessa situação de crescente tensão, Hong Kong possa se tornar uma base revolucionária para subverter seu poder constituído. Gostaria de apagar todos os possíveis incêndios no território, só que esse modo de agir tão duro e direto não funciona, ao contrário, multiplica os incêndios e multiplica os protestos. Tudo isso ocorre em um momento de grande tensão com os Estados Unidos, ou seja, enquanto há negociações comerciais em andamento. Todas questões que podem se inflamar uma após a outra e nós poderíamos ver, nos próximos meses, um aumento vertical da tensão internacional em torno da China.
Qual é o estado de Hong Kong hoje?
Em 1997, Hong Kong retornou à China e por um período de 50 anos, ou seja, até 2047, a China se comprometeu a manter um acordo com Hong Kong baseado em "um país, dois sistemas". O ponto é os "dois sistemas". Hong Kong deveria manter suas leis, sua liberdade e sua autonomia. No entanto, se esta emenda de extradição for introduzida, a população de Hong Kong teme que, na realidade, os dois sistemas acabem. Até hoje, as pessoas têm tido liberdade para criticar, para dizer o que querem sobre a China. Se essa lei de extradição passar amanhã, o que poderá ou não poderá mais fazer Hong Kong? Dizem que esta emenda altera a própria natureza de Hong Kong. Por outro lado, a China não quer que Hong Kong com a desculpa de "um país, dois sistemas" se torne a base da subversão contra a própria China.
Neste ponto, que margem de movimento tem a China?
Tem duas opções. O primeiro é dar um passo atrás. Desta forma, a situação se acalma, mas esta opção tem um custo. A China, ou aqueles na China têm responsabilidade por Hong Kong, podem ser duramente criticados internamente. Dar um passo para trás pode significar perder a cara, demonstrar fraqueza. A outra opção é que o governo chinês não recue e continue a impor a emenda. Nesse caso, as tensões externas em torno da China aumentam, e ela vai ser considerada um sistema descaradamente arrogante que ignora a vontade popular.
Existe uma terceira saída?
O problema, neste ponto é que a China não pode deixar de reconhecer que as coisas em Hong Kong deram errado e deve assumir a responsabilidade por isso. Dar um passo para trás vai mostrar ao mundo que é razoável. Se consegue fazer isso, eu não sei. Devemos lembrar que Hong Kong é apenas a ponta de um iceberg de um problema maior que é o das reformas estruturais e políticas. A China deveria começar a enfrentar esse problema. No entanto, ela teme que quando se abre a porteira das reformas políticas, nunca se sabe o que irá sair. Efetivamente, é um risco, mas as reformas políticas precisam ser enfrentadas. O país não pode continuar nessas condições se quiser conversar com o resto do mundo.
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Manifestações em Hong Kong. “O problema não é a lei, mas a falta de confiança”, afirma sinólogo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU