08 Janeiro 2019
“Há uma profunda dívida de democracia na Europa que também deriva de profundas questões estruturais da democracia atual. A moderna democracia do século XVIII na Inglaterra era destinada a pequenos grupos (apenas alguns homens proprietários de terra votavam, talvez algumas dezenas de milhares, possivelmente um pouco mais do que a ágora ateniense). A tomada de decisões durava tempos médios e longos; os boletins de notícias circulavam no espaço de semanas, senão de meses. Hoje os eleitores são centenas de milhões, e a informação viaja em minutos, senão em segundos. Portanto, é claro que a democracia de ontem não pode ser a de hoje.”
O artigo é do sinólogo italiano Francesco Sisci, professor da Universidade Renmin, em Pequim, na China. O artigo foi publicado por Settimana News, 06-01-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O pensamento popular reformulado, no coração dos partidos cristãos na Europa, pode ser um antídoto e uma cura para os movimentos populistas que varrem o velho continente?
Uma recente análise do padre Antonio Spadaro, editor da renomada revista católica bissemanal La Civiltà Cattolica, publicada no jornal Avvenire, desata um profundo e verdadeiro nó da política italiana, e possivelmente europeia, neste momento: a necessidade de as forças políticas se reconectarem com as pessoas comuns, sem aceitar seus piores instintos de raiva e hostilidade contra seus semelhantes.
Portanto, no esforço de religar, talvez seja necessário tentar começar a ser mais concretos com os problemas da Itália e da Europa neste momento.
O primeiro deles talvez seja a velocidade supersônica da comunicação através da tecnologia das novas plataformas, como também observou Claudio Cerasa no jornal Il Foglio (“Contra a ditadura do momento”).
Mensagens breves, como explosões, nos bombardeiam a qualquer momento em uma fuga ansiolítica que, no entanto, permanece como uma erupção de bolhas de sabão no rosto – elas confundem a visão por um momento e podem ser desorientadoras e distrativas, mas não são nada mais do que bolhas de sabão.
Uma enxurrada de frases no Twitter não substitui uma estratégia, que é o que as pessoas e os países querem, assim como uma bateria de cafezinhos não substitui as refeições bem estruturadas. O problema é que até agora a oferta tem sido apenas de café, de todos os partidos políticos (pelo menos na Itália); ninguém oferece a entrada, o primeiro prato, o segundo prato e a sobremesa. Não há estratégias políticas estruturadas e, portanto, na ausência de alimentos sólidos, há o rápido triunfo do café-Twitter.
Objetivamente, esperar que isso seja feito pelos antigos partidos Força Itália (FI) e pelo Partido Democrático (PD ou suas frações) é utópico. Simplesmente, como as pesquisas atestam, as pessoas não acreditam mais nisso. Os dois partidos podem imitar o Movimento Cinco Estrelas (M5s) e o governo da Liga, ou alguma nova força que possa emergir no futuro próximo.
É claro, uma coisa é fazer o café-Twitter, como o M5s e a Liga estão acostumados a fazer, outra coisa é fazer um almoço de quatro pratos e 4.000 calorias – ou seja, estratégias de médio e longo prazo. Mas isso é necessário.
O outro elemento é um problema real que criou o fracasso da velha política, a rebelião do populismo atual e a bomba do Brexit. O problema é a inadequação das estruturas europeias que têm sido capturadas entre o Estado e o não Estado: laços de mil tipos, mas também desinvestimento em relação a certas políticas locais.
A resposta mais óbvia a esse estado de coisas é que, depois de 20 anos de espera (prova da paciência dos europeus!), muitos na Europa não veem um caminho claro pela frente e, portanto, querem voltar para trás.
Há aqui um problema estrutural que deve ser resolvido. As burocracias de Bruxelas são excelentes, entre as melhores do mundo, mas isso não significa que elas tenham uma profunda responsabilidade: elas não respondem a um poder político claro; na verdade, elas são em grande parte autorreferenciais.
O Parlamento Europeu é eleito, mas sem poderes. A Comissão é nomeada pelos governos nacionais e, portanto, a dois ou três graus de distância do eleitorado. As eleições nacionais votam nos parlamentos, que nomeiam os governos, que nomeiam os representantes para a Comissão.
Por fim, há o Conselho da Europa, que é na verdade um grande mercado de barganha política. Lá, os chefes de governo negociam seus interesses nacionais, de tempos em tempos, com outros interesses nacionais, um pouco como uma espécie de ONU eficiente. Mas não há nenhum espírito europeu, e não há, para usar os argumentos do Pe. Spadaro, uma ideia de povo europeu. A ideia, ao contrário, é de vários povos nacionais que resolvem suas disputas entre seus representantes mediante um comércio político barato.
Esse fato dá poder às burocracias, que podem tomar as melhores decisões do mundo, mas carecem de democracia e não têm o problema de criar consenso ou de obter o apoio popular para suas políticas. As pessoas, certa ou erroneamente, não têm sentimentos por elas. As decisões são tomadas por cima das suas cabeças.
De fato, há uma profunda dívida de democracia na Europa que também deriva de profundas questões estruturais da democracia atual. A moderna democracia do século XVIII na Inglaterra era destinada a pequenos grupos (apenas alguns homens proprietários de terra votavam, talvez algumas dezenas de milhares, possivelmente um pouco mais do que a ágora ateniense).
A tomada de decisões durava tempos médios e longos; os boletins de notícias circulavam no espaço de semanas, senão de meses. Hoje os eleitores são centenas de milhões, e a informação viaja em minutos, senão em segundos. Portanto, é claro que a democracia de ontem não pode ser a de hoje.
Mas o problema básico continua sendo o mesmo: as pessoas que são submetidas às decisões devem ser chamadas a se envolver e a participar – caso contrário, os cidadãos se tornam súditos, escravos e, assim, insatisfeitos, exigem revolução.
Aqui está o ponto: um ministro alemão eleito na Baviera não guiará o seu ministério para barganhar os interesses da Baviera contra os da Saxônia, mas governará pensando no bem de toda a Alemanha. No entanto, este não é o caso da Europa, onde a esfera nacional é o que importa.
Mesmo as eleições para o Parlamento Europeu são realizadas não por partidos pan-europeus, mas por partidos nacionais que se encontram a granel em Bruxelas.
Esse foi um compromisso para uma fase passageira, mas não pode funcionar por muito tempo e, na verdade, não está mais funcionando.
Esse é o problema que deve ser tratado, ou então tudo entrará em colapso, pois já está em colapso. Em março, o Brexit, quer tenha sucesso ou não, será uma ferida na alma da Europa. No fim de maio, nas eleições europeias, haverá um avanço dos populistas. As respostas até agora têm sido defensivas, mas não abordam o problema da dívida política do continente.
A França e a Alemanha apresentaram uma proposta de reforma para uma maior união econômica e financeira. A proposta é excelente – é um passo à frente, mas será um passo suficiente? Falta a união política e social que as pessoas sentem no nível nacional. Então, isso é adequado? As rédeas econômicas cruéis, carentes de espírito e cultura, estão na base da atual crise.
A Itália apresentou um programa diferente com o ministro Paolo Savona. Ele talvez seja mais articulado e menos linear, mas levanta claramente a questão da unidade política. Talvez as duas ideias de reforma possam ser combinadas e se tornem uma base de discussão para avançar em breve a questão de uma união maior.
Por fim, a questão internacional. Ninguém vive sozinho, muito menos a Europa e os europeus que nasceram sob o impulso e a inspiração dos Estados Unidos depois de dois conflitos mundiais extenuantes. A questão europeia, no fim, também é um problema de relações entre a União Europeia e os Estados Unidos, e, se a união política na Europa deve existir, de fato, ela deve estar em coordenação com os Estados Unidos. Pensar em ignorar Washington seria infantil.
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Uma dívida de democracia mina a União Europeia. Artigo de Francesco Sisci - Instituto Humanitas Unisinos - IHU