23 Mai 2019
Na segunda-feira, 13 de maio, o jornal chinês de língua inglesa Global Times, membro do grupo People’s Daily, o órgão oficial do partido, publicou em sua primeira página uma entrevista exclusiva com o secretário de Estado da Santa Sé, o cardeal Pietro Parolin, junto com uma imagem do papa [disponível aqui, em inglês].
Foi a primeira vez na história da República Popular e também na história da China. Parolin argumentou que, nos últimos meses, desde o acordo temporário do dia 22 de setembro, as coisas estão melhorando, embora restem alguns problemas.
Sobre isso, entrevistamos o sinólogo italiano Francesco Sisci, professor da Universidade Renmin, em Pequim.
A reportagem é de Marco Bernardoni, publicada por Settimana News, 17-05-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Além do que foi dito, qual é o sentido da entrevista do secretário-geral da Santa Sé, o cardeal Pietro Parolin, com o Global Times?
Ela representa um grande avanço na posição da Igreja na China. O cardeal poderia ter dito as mesmas coisas em qualquer ocasião, e haveria muitas mídias no mundo dispostas a transmitirem as palavras do cardeal. No entanto, o fato de ser o Global Times, o jornal de língua inglesa mais popular da China e parte do People’s Daily, torna-o um evento especial em si mesmo.
Além disso, a entrevista foi publicada junto com uma foto do papa, salientando, assim, corretamente, que Parolin não falava por si mesmo, mas sim pelo papa. Talvez seja um sinal de mudança de pensamento de Pequim em relação à Igreja Católica no mundo e na China. O cardeal Parolin fala da Igreja na China aos chineses e às pessoas de todo o mundo com alguma “bênção” e aprovação da estrutura do Estado. É um resultado sem precedentes. Nunca na história chinesa o cristianismo recebeu esse tipo de reconhecimento oficial. Nem mesmo quando os jesuítas de Ricci, como von Schall ou Verbiest, eram membros poderosos da corte imperial, a Igreja recebeu esse tipo de reconhecimento.
Além disso, como o cardeal ressaltou na entrevista, ainda há problemas na vida das comunidades católicas na China, e, ao publicar esses comentários, de algum modo, Pequim reconhece os problemas e o trabalho que deve ser feito.
Parolin é a segunda pessoa mais importante da Igreja. Portanto, na China, a liderança deve estar ciente disso. Então, a história não pode ser apenas sobre a Igreja. Sendo a China, também deve haver um ponto de vista da China sobre isso. Qual?
Claro que não sei, mas uma entrevista desse tipo no Global Times, sendo a China a China, seria “abençoada” pela liderança. Então, isso prova que os líderes chineses e o presidente Xi Jinping podem ser bastante abertos. Na velha mentalidade comunista, a religião era o inimigo mais perigoso. Deng ou até mesmo reformador Zhao Ziyang abriram o mercado chinês, abrindo a sua economia, mas não abrindo a religião, especialmente à religião dos ex-colonizadores, o cristianismo. Xi está fazendo isso, provando que pode ser mais amigável.
A entrevista foi publicada nas mesmas horas do início da guerra comercial EUA-China, e, dois dias depois da entrevista, Xi abriu um grande congresso sobre o diálogo das civilizações. É apenas uma coincidência?
Pode ser, ou pode ter sido um sinal de Deus, já que era o dia de Nossa Senhora de Fátima. Ou pode ter sido em parte um projeto chinês. O fato é que, enquanto algumas pessoas nos Estados Unidos estão falando de um choque de civilizações com a China, a China fala de integração mútua de civilizações e de civilizações que aprendem umas com as outras. Isso está alinhado com as esperanças da Igreja, a meu ver. De fato, apesar da retórica beligerante anti-EUA em algumas mídias chinesas, Xi parece aberto a resolver os problemas com os EUA por meio do diálogo e da compreensão mútua.
Durante a conferência, Xi pediu que a civilização humana tenha um novo metabolismo que possa trazer nova vida a todos e afirmou que a China não deve se considerar isolada, mas alinhada com a Ásia e o mundo, quase refletindo alguns dos conceitos expressados por Parolin. Tudo isso indica que uma saída pacífica pode ser alcançada. A saída pacífica para uma iminente guerra mundial é um refrão constante do Papa Francisco e também de Parolin, que falou no dia 14 de maio em Milão sobre os esforços contra as guerras mundiais desde os tempos do Papa Bento XV.
Se tudo isso for verdade, seria um resultado importante. É isso mesmo?
Essa atual relação entre a Igreja e a China pareceria impossível se estivéssemos olhando para a situação atual há 18 anos, quando a relação entre a China e a Santa Sé explodiu com a canonização de 130 santos chineses no dia 1º de outubro de 2000. O presente resultado foi alcançado por ser muito franco, paciente e honesto – e por cometer muitos erros honestos. Houve, até onde eu sei, muitas coisas que deram errado, mas foram feitas de boa-fé por ambos os lados e, assim, ajudaram a preencher as lacunas, em vez de ampliá-las.
O Vaticano apresentou claramente as necessidades e as preocupações da Igreja e as preocupações e necessidades paralelas da China. Nem tudo foi resolvido, mas houve um progresso sem precedentes. As questões comerciais e geopolíticas, naturalmente, têm contornos e tempos diferentes. A Igreja pode esperar anos ou até mesmo décadas. Os políticos têm prazos muito mais curtos e prioridades muito diferentes, mas talvez ainda haja algo para aprender aqui.
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Parolin e a visão do papa na China. Entrevista com Francesco Sisci - Instituto Humanitas Unisinos - IHU