26 Setembro 2018
"A declaração do Vaticano-China diz que o acordo é "pastoral, não político". Mas tudo é político no contexto do Partido Comunista, e a última jogada de Pequim parece estar acabando com os laços do Vaticano com Taiwan, que foram assumidos pelos nacionalistas do continente depois que perderam a guerra civil para os comunistas em 1949", escreve Michael Sainsbury, ex-diretor editorial da ucanews.com, correspondente na China por 10 anos e residente do país por mais de quatro anos, em artigo publicado por Catholic Herald, 24-09-2018. A tradução é de Victor D. Thiesen.
Eis o artigo.
Finalmente, o Vaticano fez um acordo com a China, ou melhor, com o Partido Comunista Chinês, que vem conduzindo um programa crescente de repressão contra a religião.
O acordo já está encoberto por controvérsia e oposição de muitos católicos chineses e conservadores antipopulares. Mas o Vaticano espera que seja apenas o primeiro fruto de uma longa campanha, iniciada há 25 anos, quando o Vaticano retirou seu núncio de Taiwan.
As negociações mais recentes foram conduzidas sob a supervisão do cardeal Pietro Parolin, secretário de Estado do Vaticano, homem número 2 do Papa Francisco, que negociou um acordo com os governantes comunistas do Vietnã em 1996.
As especulações sobre o acordo atingiram o pico em meados de setembro, quando o acordo foi vazado para o Wall Street Journal. O acordo foi anunciado em 22 de setembro em um anúncio curto, sem detalhes, e sutil.
De fato, a regularização das nomeações de bispos sempre foi o objetivo central dessas conversas que levaram cinco anos para dar algum fruto, apesar de muitos relatos equivocados de que o Vaticano estava preparado para cortar relações diplomáticas com Taiwan, o único estado da Europa que continua a reconhecer Taipei.
O acordo é visto como apenas um primeiro passo de Roma para exercer mais influência sobre a Igreja chinesa. Como prometido, poucos de seus detalhes foram divulgados. Acredita-se que o acordo dê ao papa o poder de veto final sobre a nomeação de um candidato episcopal enviado a Roma, colocando no papel o que tem sido prática efetiva por alguns anos.
Por seu lado, o Vaticano reconheceu oficialmente oito bispos, anteriormente não reconhecidos por Roma e / ou excomungados. Um desses bispos morreu em 2017.
Este é um dos pontos chave do acordo que irritou os líderes dos chamados católicos clandestinos da China, líderes que se recusaram a aderir à Associação Patriótica Católica, controlada pelo Partido Comunista. Várias estimativas, inclusive do governo dos EUA, dizem que os católicos clandestinos representam até 50% dos estimados 10 milhões a 12 milhões de católicos no país. As mesmas estimativas dizem que os protestantes superam os católicos em cerca de 50 milhões.
A informação vazada do acordo desencadeou um movimento de resistência que foi publicamente e agressivamente apoiado pelo bispo aposentado, mas politicamente ativo, de Hong Kong, cardeal Joseph Zen Ze-kiun, de 86 anos, nascido em Xangai.
"Eles estão dando o rebanho na boca dos lobos. É uma incrível traição”, disse ele à agência de notícias britânica Reuters, acrescentando que o cardeal Parolin deveria renunciar.
“Eu não acho que ele tenha fé. Ele é apenas um bom diplomata, no sentido secular e mundano da palavra”.
O cardeal Zen, que participa regularmente dos protestos pró-democracia em Hong Kong, levou o caso ao papa Francisco, mas prometeu ficar em silêncio se o acordo fosse assinado. O cardeal Zen há muito disse que tal acordo faria com que os católicos clandestinos se dissolvessem, fosse para seus próprios lugares privados ou até mesmo para se unir a igrejas protestantes, mas não está claro sobre quantos católicos ele fala.
E, embora não haja outros sinais de que o cardeal Zen se oponha mais amplamente ao papa - ele fala publicamente e em particular com grande respeito e gentileza para com ele.
Os conservadores da Igreja que estão pressionando contra a agenda pastoral do papa migraram para a causa do Cardeal Zen, sentindo uma nova frente para combater o Papa Francisco.
Eles destacam que estão falando sobre cumplicidade efetiva do acordo com a escalada repressão à religião ocidental na China, onde as vendas on-line da Bíblia e a evangelização foram proibidas, menores proibidos de participar dos cultos e, em algumas províncias mais cristãs, cruzes foram destruídas e igrejas demolidas.
Mas é o massacre cada vez mais horrível de Pequim contra os uigures muçulmanos na província de Xinjiang, tanto na Ásia Central quanto na China, que lança a maior sombra de perseguição de direitos humanos e religiosos sobre o acordo e fornece uma ampla base para os críticos. As técnicas de vigilância usadas em Xinjiang já surgiram em outros lugares; o governo instalou câmeras de TV de circuito fechado em algumas igrejas católicas e protestantes.
Os uigures foram submetidos a nove anos de extrema repressão ao tendo a proibição de muitas práticas islâmicas tradicionais, desaparecimentos em massa, milhares de encarcerados e centenas de sentenças até a morte nos julgamentos dos estádios. Nos últimos 18 meses, acabaram em campos de concentração que as agências de direitos humanos estimam ter capacidade para 1 milhão de uigures.
A declaração do Vaticano-China diz que o acordo é "pastoral, não político". Mas tudo é político no contexto do Partido Comunista, e a última jogada de Pequim parece estar acabando com os laços do Vaticano com Taiwan, que foram assumidos pelos nacionalistas do continente depois que perderam a guerra civil para os comunistas em 1949.
Para Pequim, é tudo sobre poder e controle, legitimando sua igreja estatal; para o Vaticano, é sobre dar oficialmente à Igreja reconhecida pelo governo, pelo menos a comunhão espiritual com Roma.
“A esperança compartilhada”, afirma o comunicado, “é que este acordo pode favorecer um processo frutífero de diálogo institucional e pode contribuir positivamente para a vida da Igreja Católica na China, para o bem comum do povo chinês e para a paz no mundo. ”
De fato, o Vaticano imediatamente anunciou a nova diocese de Chengde em Hebei, a província do norte que os pesquisadores acreditam ter o maior número de católicos. As fronteiras diocesanas há muito são outra área de disputa entre os dois lados.
O papa Francisco foi fundamental na mediação de um acordo para romper um impasse diplomático de décadas entre os EUA e Cuba.
Este acordo foi descrito como provisório, com relatórios dizendo que vale por dois anos, e que esse tempo pode ser suficiente para nos dizer o que acontecerá depois. Sob essa luz, talvez uma decisão mais ponderada seria ignorar a onda de histeria que já está aumentando e apoiar a esperança do Papa Francisco de progredir ainda mais.
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O acordo do Vaticano com a China - Instituto Humanitas Unisinos - IHU