21 Setembro 2018
A Santa Sé e a China devem assinar um acordo em Pequim sobre a nomeação de bispos em algum momento antes do final de setembro. “Será um marco histórico”, disse uma fonte do Vaticano à America. Ele confirmou que uma delegação de autoridades da Santa Sé vai viajar à capital chinesa para assinar o acordo e que esse evento revolucionário já tem data para acontecer.
A reportagem é de Gerard O’Connell, publicada por America, 18-09-2018. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
O acordo trata apenas da questão da nomeação dos bispos, dando a cada lado a possibilidade de ter voz na seleção de candidatos. Mas reconhece que o Papa dará a última palavra na nomeação de bispos para a Igreja Católica em todo o território da China.
Desde que os comunistas assumiram o poder, em 1949 - depois expulsaram o representante do papa e romperam relações com a Santa Sé em 1951 -, as autoridades chinesas insistem que Roma não deve “interferir nos assuntos internos da China”. O acordo oferece um entendimento mais pragmático da declaração ao reconhecer o importante papel do papa na nomeação dos bispos no país mais populoso do mundo.
Ambos os lados consideram o acordo “provisório”, ou seja, deve ser revisto em alguns anos. Algumas fontes disseram à America que a Santa Sé reconhece que “não [é] um bom acordo”, mas acredita que é o único possível no momento e que, de forma discreta mas significativa, abre a porta para desenvolver um diálogo construtivo cada vez melhor com a superpotência do mundo emergente.
A America descobriu que o texto do acordo não será divulgado mesmo após a assinatura.
De acordo com as informações das fontes, a Santa Sé e Pequim concordaram num processo para a nomeação dos bispos. Os candidatos serão escolhidos na diocese por meio de um sistema de “eleições democráticas” introduzido pelas autoridades chinesas em 1957, através do qual os padres da diocese, em conjunto com representantes dos leigos e das mulheres religiosas, votam dentre os candidatos apresentados pela autoridade que supervisiona os assuntos da Igreja. Os resultados dessa eleição serão enviados às autoridade de Pqeuim que supervisionam a igreja na China, incluindo a conferência dos bispos, que deve avaliá-los e submeter um nome para a Santa Sé através de canais diplomáticos. A Santa Sé terá alguns meses para implementar sua própria investigação sobre o candidato e, com base nesse trabalho, o papa deve aprovar ou exercer seu poder de veto. Depois, a Santa Sé comunicará a decisão a Pequim.
Se o papa aprovar o candidato, o processo continua. Mas se vetar, ambos os lados entram em diálogo, e Pequim teria que acabar escolhendo outro candidato para submeter ao papa.
A possibilidade de um acordo está no ar já há algum tempo, mas as expectativas aumentaram depois que uma delegação chinesa de prestígio teve um encontro com uma da Santa Sé no Vaticano em junho. Em resposta às demandas de Pequim, a Santa Sé confirmou que o Papa Francisco reconheceria os sete bispos chineses “ilegítimos”, ou seja, bispos que foram ordenados sem a aprovação do papa na última década ou há ainda mais tempo, dos quais três haviam sido excomungados. Os sete já haviam pedido por reconciliação com o Papa. Isso significa que pela primeira vez desde 1957 (quando Pequim começou a ordenar bispos sem aprovação papal) todos os bispos católico no território da China estarão em comunhão com o Papa.
A decisão de Francisco de reconhecer os sete bispos foi bem recebida pelas autoridades chinesas e abriu o caminho para que Pequim assinasse o acordo com a Santa Sé. A decisão, tomada nos mais altos escalões, foi comunicada ao Vaticano apenas há pouco mais de duas semanas.
Não muito tempo depois, no dia 13 de setembro, o Ministro do Exterior de Taiwan anunciou que tinha obtido informações “de várias fontes” de que era provável que um acordo entre o Vaticano e a China sobre “questões religiosas” fosse assinado em setembro ou outubro. A notícia se espalhou rapidamente na mídia, mas nem Pequim nem o Vaticano confirmaram oficialmente.
No final de dezembro de 2017, havia 101 bispos na China (apesar de alguns terem falecido desde então). Destes, 65 pertencem à comunidade da igreja “aberta” que é reconhecida pelas autoridades chinesas, 36 pertencem à comunidade da igreja “subterrânea” e não têm reconhecimento oficial por se recusarem a fazer parte da Associação Patriótica, uma entidade governamental criada em 1957 para controlar a igreja na China. A associação não é reconhecida pela Santa Sé.
O acordo é resultado de negociações que foram reanimadas depois que Francisco se tornou papa, em 2013. Elas foram conduzidas com paciência por muitos anos sob a liderança do cardeal Pietro Parolin, nomeado Secretário de Estado em agosto de 2013, e com a assistência do arcebispo Claudio Maria Celli, presidente emérito do antigo Pontifício Conselho para as Comunicações Sociais. O arcebispo trabalhou para alcançar esse objetivo desde o início dos anos 80. Recentemente, ele liderou a delegação da Santa Sé no Grupo de Trabalho Conjunto criado em 2014.
A America ficou sabendo que o governo Trump não está feliz com o acordo, assim como muitas forças políticas e econômicas dos Estados Unidos e alguns membros da Igreja nos EUA e em outros lugares. Para eles, o acordo representa o enfraquecimento da luta pela liberdade religiosa na China e apontam para a aplicação de duras medidas no que diz respeito à religião no país nos últimos meses, com o Presidente Xi Jinping.
Historicamente, a Santa Sé teve preocupações com essa liberdade fundamental, mas por motivos religiosos, e não políticos. O Papa Francisco acredita fortemente na cultura do encontro, não do confronto. Em Roma, dizem que ele está convicto de que mesmo na difícil situação atual da adoção de duras medidas à religião na China, há mais a ser ganho através do diálogo, do encontro e da amizade. Seguindo os passos de Matteo Ricci, o famoso missionário jesuíta italiano que está enterrado em Pequim, o papa jesuíta tem demonstrado forte liderança nesta direção.
A China, por outro lado, sempre viu a religião através de lentes políticas e claramente chegou à conclusão que há muito mais a ganhar assinando o acordo com a Santa Sé, apesar de haver apenas cerca de 12 milhões de católicos no território. O país entende que ambos os lados têm muito em comum em questões globais e podem trabalhar juntos buscando a paz e a estabilidade no mundo.
Após assinar o acordo provisório, restam muitas questões para serem resolvidas em negociações bilaterais. A primeira e mais importante refere-se à situação de mais de 30 bispos da igreja “clandestina” e suas comunidades.
Hoje, para serem oficialmente reconhecidos, esses bispos teriam de se juntar à Associação Patriótica, mas muitos relutam em fazê-lo. Em negociações posteriores, a Santa Sé espera convencer Pequim a contornar essa exigência e abrir outros caminhos para ganhar esse reconhecimento. A Santa Sé sabe que a resolução positiva da situação é fundamental para trazer reconciliação entre as comunidades clandestinas e aberta da igreja na China.
E também terá de resolver outras questões com Pequim, como o status da conferência dos bispos chineses (que não é reconhecida por Roma porque apenas bispos aprovados por Pequim pertencem ao grupo), o número de dioceses na China (o Vaticano afirma que há 144 dioceses, incluindo 32 vicariatos ou prefeituras, enquanto Pequim insiste que há 96) e a possibilidade de os bispos chineses visitarem a Santa Sé livremente e os funcionários do Vaticano visitá-los também.
Quanto à questão de estabelecer relações diplomáticas, fontes afirmaram à America que não se levantou o assunto nas negociações atuais com Pequim nem foi a questão das relações da Santa Sé com Taiwan.
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Fonte afirma que a China e o Vaticano devem assinar acordo histórico até o fim de setembro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU