07 Mai 2020
“A saída ao que está acontecendo com a Covid-19 vai muito além de um mero fortalecimento do Estado em termos sanitários, como pensarão os burocratas e especialistas da OMS, mas, sim, está em incorporar políticas do cuidado que se encarreguem das determinações socioambientais da saúde, que por meio de modelos desenvolvimentistas baseados na pilhagem, produção e consumo ilimitado, adoece não apenas milhões de pessoas, mas também a Terra como sistema vivo”, escreve Andrés Kogan Valderrama, sociólogo, em artigo publicado por OPLAS, 06-05-2020. A tradução é do Cepat.
Em meio à emergência sociossanitária atual, em nível mundial, que conta com diferentes Estados em uma delirante batalha contra a Covid-19, se refletirá sobre uma das narrativas que a Organização Mundial da Saúde (OMS) tentou instalar no mundo, que é o modelo de determinantes sociais da saúde. Como se verá na sequência, embora visibilize as desigualdades sanitárias, não há uma tentativa de mudar as relações de poder existentes e muito menos de gerar alternativas sustentáveis à crise civilizacional atual, reproduzindo, desse modo, um enfoque epidemiológico de corte liberal e funcional ao biocapitalismo atual.
Um modelo de determinantes sociais da saúde de origem anglo-saxão e herdeiro do Relatório Lalonde, publicado em 1974, que sustentou que as desigualdades sanitárias correspondem à má distribuição do poder e da renda das pessoas, o que implica que o bem-estar individual depende de um contexto socioeconômico e político específico, que guarda relação com a governança (tipo de governo, as políticas macroeconômicas, as políticas públicas, as políticas sociais e os valores culturais existentes).
Não obstante, embora este modelo leve em consideração fatores estruturais da saúde, como a posição socioeconômica, o gênero, a etnia, o nível educacional, a ocupação e o nível de renda, para explicar o maior ou menor bem-estar da população, sua ênfase tem sido colocada em gerar políticas de promoção e prevenção que busquem mudar os estilos de vida das pessoas e organizações, invisibilizando processos de transformação provenientes da própria sociedade.
Um modelo questionado pela Medicina Social Latino-Americana, desde os anos 1970, ao destacar que as doenças vão muito além de um contexto político e econômico determinado, mas correspondem às próprias formas da propriedade e o poder instaurado com o capitalismo, a partir da divisão internacional do trabalho. Por isso, mudar os valores e estilos de vida da população só reproduz as desigualdades estruturais, como bem apresenta a Associação Latino-Americana de Medicina Social (ALAMES).
Em consequência, as visões latino-americanas apresentam, ao contrário, um enfoque de determinação social da saúde e não de determinantes sociais, colocando no centro a participação política coletiva acima das políticas públicas impostas de cima. Daí o enfoque de determinação social da saúde não aceitar a separação entre ciência e política, como se fossem dois polos sem conexão. Pelo contrário, considera que a ideia de fatores de risco do modelo anglo-saxão de determinantes sociais não faz mais que despolitizar a situação.
Além disso, é importante destacar que embora a crítica ao modelo de determinantes sociais da saúde seja oportuna, não é suficiente se apenas questiona o capitalismo como sistema de acumulação infinito, mas deixa de fora outros processos igualmente estruturantes como o antropocentrismo, o androcentrismo e o colonialismo, que afetam a maneira como estamos nos relacionando e estamos vivendo.
A ideia de crise civilizacional, por exemplo, vai muito além de uma mera crítica ao capitalismo, já que o que faz é questionar as grandes dicotomias da modernidade, como cultura-natureza, homem-mulher, desenvolvimento-subdesenvolvimento, razão pela qual a ideia de determinação social proposta pelos enfoques de saúde críticos latino-americanos, revisados anteriormente, não são suficientes para o contexto atual em nível global.
Por sorte, surgiram visões da região que foram capazes de integrar a crítica ao capitalismo, o racismo e o patriarcado de maneira entrelaçada, realizando dessa maneira uma guinada socioambiental em sua visão. São os casos do Grupo de Trabalho de Saúde Internacional do CLACSO e a própria ALAMES, que estão propondo explicitamente a ideia de determinações socioambientais da saúde, enxergando que a questão sanitária não responde apenas a um tipo de sociedade, mas também a um tipo de civilização que se acredita acima dos limites do planeta.
Como bem apresenta o epidemiologista crítico Gonzalo Basile, é fundamental o desenvolvimento do campo internacional Sul-Sul, que seja uma alternativa à saúde internacional pan-americana liberal impulsionada pela OMS, gerando assim processos de descolonização da ação política da saúde coletiva e bem-estar, através da convergência entre a soberania sanitária e a soberania alimentar, como alternativa a processos extrativistas em curso, como o desmatamento, o agronegócio, a megamineração e o fracking.
Por tudo o que foi destacado, a saída ao que está acontecendo com a Covid-19 vai muito além de um mero fortalecimento do Estado em termos sanitários, como pensarão os burocratas e especialistas da OMS, mas, sim, está em incorporar políticas do cuidado que se encarreguem das determinações socioambientais da saúde, que por meio de modelos desenvolvimentistas baseados na pilhagem, produção e consumo ilimitado, adoece não apenas milhões de pessoas, mas também a Terra como sistema vivo.
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Determinações socioambientais da saúde - Instituto Humanitas Unisinos - IHU