18 Março 2020
É falso que houvesse "homens santos", "ritos místicos" e "cálices de contágio", mas é verdade que após um encontro religioso em Vallo del Diano, na Campânia*, dezesseis pessoas resultaram positivas para Covid-19 e um homem de 76 anos morreu. Existem inúmeras fake news que acompanham a história do retiro de uma comunidade neocatecumenal na província de Salerno que teria causado o pico de contágios de coronavírus, a ponto de obrigar o governador da região, Vincenzo De Luca, a colocar em quarentena quatro municípios: Sala Consilina, Polla, Atena Lucana e Caggiano.
A reportagem foi publicada por La Stampa, 16-03-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Enfurecido, De Luca mostrava pela manhã à imprensa como causa da epidemia um "rito místico" durante o qual todos os participantes haviam bebido no mesmo cálice, descuidando da higiene e dos riscos de transmissão do vírus. O governador também anunciou sanções penais.
Segundo o que foi informado ao Vatican Insider-La Stampa, das pessoas presentes no encontro, que ocorreu de 28 de fevereiro a 1 de março em um hotel em Atena Lucana, as coisas foram diferentes. Durante aquela que era uma simples missa, no sábado à noite, o sacerdote celebrante - um padre da diocese de Teggiano chamado especificamente para presidir a função - evitou distribuir o sangue de Cristo do cálice que as comunidades do Caminho Neocatecumenal costumam usar em suas liturgias eucarísticas. Com base em uma concessão da Santa Sé, estabelecida nos Estatutos publicados em 2008, eles recebem a comunhão "sob as duas espécies", pão e vinho.
A troca do sinal de paz também foi evitada, respeitando as normas difundidas (de maneira ainda informal e confusa) pelas várias dioceses naqueles primeiros dias em que a gravidade da emergência ainda não estava clara e pensava-se que o principal surto estivesse ocorrendo na China.
No retiro "indiciado" a Atena Lucana, afirmam os presentes, essas medidas de precaução foram seguidas. Apesar disso, mais da metade dos participantes foi infectada pela Covid-19, provavelmente devido à presença no mesmo local fechado, a alguns apertos de mão e à resistência do vírus nas superfícies. Ninguém parece ter apresentado os sintomas após o retiro, tanto que as mesmas pessoas se reuniram novamente em 4 de março para outro encontro na igreja de San Rocco, na Sala Consilina.
O único que teve febre alta no dia seguinte ao encontro foi RC, 76 anos, de Bellizzi, na província de Salerno, responsável pela comunidade e uma figura muito amada em sua cidade, conhecido como "pai e avô amoroso". Ele faleceu em 10 de março de insuficiência respiratória aguda causada pelo vírus. Os outros dezesseis membros do grupo fizeram o teste do swab e resultaram positivos. A livre circulação em suas respectivas cidades e os contatos tidos nos dias anteriores provavelmente contribuíram para a expansão indiscriminada do coronavírus na região.
"Lamento ver pessoas pertencentes a um percurso católico com propostas de vida cristã, passar por transmissores e desobedientes", é o comentário de Dom Antonio De Luca, bispo de Teggiano-Policastro, ao Vatican Insider. "Certamente eles não foram devidamente orientados nem coordenados por quem deveria ter a responsabilidade".
O prelado já havia emitido declarações pela manhã, através da mídia local, para contestar as fake news divulgadas nas redes sociais. Entre estas, o fato de um padre febril de Milão celebrar a missa. Os próprios participantes da "convivência" tentaram desmentir essas versões, começando com a filha do falecido de 76 anos, que aliás havia ficado trancada por dias em uma cidade do norte onde estuda, e que pediu "respeito pela dor" vivida por sua família.
D. De Luca confirma a reconstrução dos acontecimentos. O bispo fala em nome do padre que presidiu a celebração, que prefere permanecer anônimo e não quer fazer declarações porque está "muito abalado" com o que aconteceu. “Uma comunidade da arquidiocese de Salerno realizou um encontro em um hotel em Atena Lucana, que é o território da diocese de Teggiano. Convidaram um pároco local para celebrar a Eucaristia. Trata-se de um homem de cultura e profundidade pastoral, pouco mais de quarenta anos, de forma alguma um homem santo. Junto com ele havia outro padre, sempre da diocese de Teggiano-Policastro, que presidia o ritual da confissão. Esses padres fizeram cumprir as disposições indicadas pelas autoridades religiosas, civis e sanitárias: a distância de um metro e meio, nenhuma troca de sinais de paz, a Eucaristia na mão e, é claro, nenhum cálice para o vinho”. Com a notícia da morte de um homem e os vários testes positivos, no entanto, foi difícil conter os rumores de que a causa do contágio fosse ter bebido no mesmo cálice conforme o costume dos neocatecumenais.
Também se fala de "um ato de desobediência" da comunidade de Bellizzi na organização de um encontro de três dias, em um momento de total incerteza sobre as consequências do vírus. “Sim, certamente foi uma grave imprudência a escolha de não adiar tudo” diz o bispo, “pessoalmente eu não sabia que as reuniões seriam realizadas também porque o grupo vinha de outra diocese. No entanto, é preciso dizer que, naqueles dias confusos, recebemos apenas poucas ordenanças e nenhuma medida restritiva. Eu, por exemplo, enquanto mantinha todos os serviços de caridade ativos (que ainda funcionam), suspendi imediatamente escolinhas, catecismo e encontros para noivos. Mais por escrúpulo de consciência do que por prevenção. Só mais tarde percebemos o quão agressivo é esse vírus".
*Campânia é uma região no sudoeste da Itália conhecida por suas ruínas e litoral pitoresco. Nápoles, a capital regional, é uma cidade movimentada com um cenário natural impressionante entre o cone cinza do Monte Vesúvio e as águas azuis profundas do Golfo di Napoli. Ao sul, a Costa Amalfitana abriga cidades em tom pastel, como Positano, Amalfi e Ravello, situadas entre penhascos e o mar.
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Itália. Coronavírus, pico de contágio na Campânia após um retiro religioso. O bispo: “Nenhum rito místico, ninguém bebeu no mesmo cálice” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU