13 Março 2020
Até FMI concorda: países precisam garantir dinheiro para Saúde independentemente do orçamento que tenham.
A informação é publicada por Outra Saúde, 13-03-2020.
Pelos números oficiais contabilizados pelo Ministério da Saúde, o Brasil tem 77 casos confirmados. Mas ontem à tarde o Hospital Albert Einstein, em São Paulo, diagnosticou 60 novas infecções em 24 horas, e o total então deve passar de 130. O Rio Grande do Norte confirmou o seu primeiro caso.
A crise do coronavírus no Brasil está só no início e deve durar, pelo menos, quatro ou cinco meses, afirmou ontem o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, que foi evasivo sobre as manifestações convocadas para domingo. “O Ministério não manda em ninguém e o Brasil segue funcionando normalmente. Mas o meu conselho é, se estiver resfriado, não vá”, disse em evento da secretaria municipal de Saúde do Rio. Ele reconheceu que a capital fluminense o preocupa por suas especificidades: adensamento populacional e áreas de favela sem saneamento ou segurança para a entrada de profissionais de saúde. Mas contrapôs a isso o fato de o Rio da Janeiro ser um estado com um grande número de hospitais... O titular da Pasta segue pressionando o Congresso pela liberação de R$ 5 bilhões e disse que está disposto a empenhar recursos que seriam usados no fim do ano se os parlamentares demorarem muito. Mas, por enquanto, não há benefícios para a população previstos no pacote, que serviria para estender horário de unidades básicas de saúde e pagar médicos...
Mas muitos especialistas estrangeiros e brasileiros notam que, agora, o mais importante é diminuir, ou dilatar, a curva de transmissão para evitar o que acontece na Itália: boom de casos, caos no sistema de saúde. Para isso, medidas de distanciamento social são indicadas. Mas como ficam as pessoas que precisam, necessariamente, trabalhar para ganhar o pão de cada dia, como motoristas e entregadores de aplicativos, parcela de uma enorme população que esta no mercado informal de trabalho? Especialista em orçamento público, Grazielle David conversou com nossa editora Maíra Mathias para o podcast Tibungo e explicou porque até o Fundo Monetário Internacional (FMI) tem recomendado que os países façam manobras fiscais que deem margem ao fortalecimento de suas respostas sanitárias e, também, acolham as pessoas mais vulneráveis. E, por aqui, isso nos leva à outra discussão: chegou o momento de a sociedade debater o que significa o Teto de Gastos imposto pela Emenda Constitucional 95.
"Como para evitar a propagação da doença é importante que as pessoas não fiquem aglomeradas, fiquem mais em casa, muita gente, principalmente quem é mais vulnerável e está na informalidade, vai sofrer sérias consequências e vai precisar da assistência do governo. O que os países que já passaram por essa crise têm feito? Têm adotado medidas de transferência de renda para essas pessoas. Se as crianças não podem ir para a escola, as famílias possam ficar com elas sem sofrer as consequências de não ir para o emprego; quem trabalha de maneira informal e precisa lidar com muita gente possa parar suas atividades e não passar fome", sustenta Grazielle. E aponta: "É interessante que o documento do FMI fala uma coisa que a gente sempre falou e nunca imaginou vindo deles: que os gastos com saúde precisam ser feitos independente no orçamento que o país disponha. Isso não é irresponsabilidade fiscal, isso é compromisso com os direitos fundamentais previstos na Constituição e compromisso com a sociedade."
Mais do que correr atrás do prejuízo – com a contratação de leitos e de médicos, a compra de equipamentos, etc –, o governo brasileiro deveria estar concentrado também em medidas mais ostensivas de prevenção. O que, nesse momento, significa distanciamento social. A avaliação é do virologista Paolo Zanotto, que pesquisa vírus emergentes como zika e dengue na USP. De acordo com ele, o Brasil já perdeu tempo no início das infecções por aqui, quando deveria ter sido feita a testagem massiva de todos os contatos dos primeiros pacientes. Quando se toma esse tipo de medida, é possível manter a curva de crescimento da doença "achatada". Foi o que fez a Coreia do Sul.
Agora que a transmissão local está disseminada e os casos suspeitos se multiplicam, o distanciamento social é a chave... Mas não é algo que as pessoas possam decidir fazer e levar adiante por conta própria: uma coisa é deixar de ir a um show, outra bem diferente é parar o trabalho ou, pelo menos, levar o serviço pra casa. Ninguém quer correr o risco de perder o emprego. Outro problema são as escolas: quando se determina pausa nas aulas mas os pais não estão liberados, com quem ficam as crianças?
"O distanciamento social só vai poder ser encorajado se houver garantias para as pessoas. Então, as pessoas que trabalham têm que saber que podem faltar ao trabalho e não serem penalizadas. As crianças que podem deveriam ficar em casa. Os pais que não têm condição enviarão seus filhos às escolas. As crianças mais pobres, que precisam das escolas para comer, o Estado deveria arrumar uma maneira de fazer com que essa merenda fosse levada à criança sem ter que ir à escola. O que vai acontecer com o pai ou a mãe? Deveriam ser liberados do trabalho."
Mas se é difícil pra quem tem carteira assinada, imagina para os mais de 40% da população ocupada que não têm... "Em última análise, [o coronavírus] lança luz sobre o tamanho do Estado. Trabalhamos meses para pagar nossos impostos. Agora, mais do que nunca, veremos se o Estado vai fazer bom uso deles", defendeu.
A falta desse tipo de garantia é uma das críticas dos autores deste artigo em relação à "Lei da Quarentena" – publicada em fevereiro para tratar das medidas emergenciais de enfrentamento ao Covid-19, e regulamentada na quarta-feira. No texto, os pesquisadores Deisy Ventura, Fernando Aith e Danielle Rached fazem alguns elogios. De acordo com eles, a legislação epidemiológica brasileira já previa algumas medidas descritas agora, mas a nova lei é um avanço na medida em que as regula e atribui salvaguardas importantes (como o fato de que as medidas só poderão ser tomadas mediante evidências científicas, de que as pessoas devem ter o direito a tratamento gratuito e de que o período de vigência é limitado à duração da emergência em saúde pública internacional).
Mas um dos problemas é que ela se limita "a considerar falta justificada ao serviço público ou à atividade laboral privada o período de ausência decorrente destas medidas (art. 3° § 3o). Certamente seria bem-vinda uma regulação que protegesse o trabalhador, de forma mais ampla, de riscos econômicos", escrevem.
Eles ressaltam ainda que seria importante ter uma lei epidemiológica geral e permanente, ou seja, não desenhada apenas para uma emergência específica. "Com uma população mundial de 7,8 bilhões de pessoas, parte delas capazes de realizar cerca 1,5 bilhão de viagens internacionais por ano, o ecossistema global serve hoje como uma espécie de 'playground' para emergência e troca de vírus animais com elevadas taxas de mutação que se transformam em ameaças existenciais para os humanos", alertam, dizendo que as "pandemias tendem a integrar de forma definitiva o panorama político jurídico nos planos nacional e global".
O Conselho Nacional de Saúde divulgou ontem uma nota pública pedindo a revogação da Emenda 95, a do Teto dos Gastos, para obter mais verba para o combate ao coronavírus. Como já dissemos aqui, um estudo da Comissão de Orçamento e Financiamento do Conselho estima já ter havido um prejuízo de R$ 20 bilhões até agora, bem mais do que os R$ 5 bilhões demandados emergencialmente pelo Ministério da Saúde.
O chefe da Secretaria Especial de Comunicação (Secom), Fabio Wajngarten, foi diagnosticado com coronavírus. Os exames foram realizados em São Paulo e a informação foi confirmada pelo Palácio do Planalto no início da tarde de ontem, após exames testarem positivo. Wajngarten fez parte da comitiva presidencial na viagem aos Estados Unidos e chegou a tirar fotos com Donald Trump. O coronavírus foi tratado como “fantasia” pelo presidente Jair Bolsonaro há três dias... Mas agora que chegou mais perto, além do teste para a doença, cujo resultado sai hoje, o presidente caiu na real. Quer dizer: resolveu performar. Com máscara, Bolsonaro fez uma transmissão ao vivo nas redes sociais para sugerir que as manifestações a seu favor e contra o Congresso marcadas para o domingo sejam adiadas.
Em tempo: a esposa do primeiro-ministro do Canadá Justin Trudeau testou positivo para o vírus.
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Coronavírus: a hora de debater o Teto dos Gastos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU