13 Setembro 2019
O sociólogo e integrante da coordenação do Movimento Fé e Política, Pedro A. Ribeiro de Oliveira, se dirigiu à XXIII Assembleia Nacional do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), que acontece durante essa semana no Centro de Formação Vicente Cañas, em Luziânia (GO), com pessimismo sobre a atual conjuntura. “Nosso otimismo deve estar concentrado na ação porque a única leitura possível para o que estamos vivendo é a pessimista”, explicou.
XXIII Assembleia Geral do Cimi buscou debater a realidade brasileira à luz dos atuais ataques à Constituição Federal. Foto: Tiago Miotto | Cimi
A reportagem é publicada por Conselho Indigenista Missionário - Cimi, 12-09-2019.
Logo no início de sua fala, o sociólogo materializou esse pessimismo: a Terra está ameaçada de uma catástrofe climática cujo ápice será 2050, daqui a 30 anos. “O problema climático é também um problema político. A natureza não é vista como sujeito de direitos. A data limite seria 2021 para estancar o processo, mas estamos longe de conseguir. As empresas só pensam em lucro, lucro e lucro. Podemos viver a sexta grande extinção de espécies: a quinta ocorreu na extinção dos dinossauros. Nós, uma espécie viva, estamos matando as outras e nos matando como consequência”, defende.
Conforme o sociólogo, o Brasil está dentro do sistema-mundo regido pelo mercado. “Esse sistema nasceu no século XV, XVI na Itália, época das grandes navegações. Se aperfeiçoou em Amsterdã, entre os séculos XVII e XVIII, já no século 19 se deslocou para a Inglaterra, com a revolução industrial, e no século XX chega aos EUA. A questão é que ele está em crise”, explica. Em resumo, a crise é motivada por excesso de produção e ninguém compra.
O resultado dessa conta que não fecha é a financeirização do sistema-mundo. Essa é a fase do capitalismo em que as transações e mercados financeiros ganham força no sistema econômico mundial. “Essa fase marca a passagem do centro do capitalismo dos EUA para a China. A guerra destrói uma maneira antiga de produção para colocar uma nova. Estamos vivendo uma transição em que o centro do mundo sai da Europa e EUA para o pacífico, indo pra China e Índia. O poderia militar, porém, segue sendo dos EUA”, analisa.
“O mercado, por sua vez, não está em crise: todo mundo confia no dinheiro. Grandes bancos mandam hoje no mundo. Mandam tanto que são maiores que os estados nacionais. Numa grande corporação é um poder só, centralizado, que decide tudo de cima para baixo. O poder financeiro atinge a ONU (Nações Unidas), que está em crise e recebe empréstimos dessas empresas que governam, mas não se deixam governar”, diz. A necessidade do capitalismo é a de crescer, “mas a Terra não cresce: é do mesmo tamanho”.
A humanidade conviveu e convive com as mais variadas formas de guerra, ceifando a vida de milhões de pessoas. Guerras mundiais, guerras locais e a ameaça permanente de uma guerra nuclear são as mais conhecidas. “Existe uma outra que demoramos a perceber, uma quarta forma de guerra que não conhecíamos, que é a de quarta geração (híbrida). Guerra estratégia para se eliminar um poder. A novidade é o uso metódico e racional da informação. O espaço militar não é só a terra, os céus e o mar, mas também a internet”, explica.
Uma das estratégias dessa guerra é a de produzir informações sobre quem se considera inimigo. “Verdadeiras ou não, elas só devem parecer plausíveis. Depois difundir essas informações por meios que deem credibilidades a essas informações. Igrejas, cultos, jornais, grande imprensa, instituições. Desqualificar as outras fontes que possam questionar a informação. Técnicas específicas foram desenvolvidas pra isso. Não há um comando unificado, trabalha-se com a descentralização”, analisa o sociólogo.
Jair Bolsonaro ganha as eleições com base nessa estratégia, tendo o apoio de um dos principais formuladores da guerra híbrida, o estadunidense Steve Bannon, que coordenou a campanha vitoriosa de Donald Trump nos EUA. Porém, quem governa no Brasil é o ministro da Economia, Paulo Guedes. De escola hiperliberal, o ministro é um representante no país do capitalismo que se nega a ter controle de governos ou do Estado, o que Oliveira chama de “anarcocapitalismo”. Privatizações, conversão gradual da previdência pública em privada, desidratação de direitos trabalhistas, acabar com toda e qualquer regulamentação.
A Amazônia é um exemplo citado. “A internacionalização da Amazônia será por meio do capital. Se funda empresas no Brasil, com alguma fachada, para explorar a floresta com a imagem de que estão fazendo a salvação da Amazônia”, reflete. Ele aponta que a questão climática afeta a Amazônia e os demais biomas, mas a crise das queimadas é resultado, sobretudo, de uma política deliberada.
“O capitalismo está em crise, se transformando em capital financeiro para valorizar o capital, se apropriando dos bens comuns para transformá-los em mercadoria. E aí a Amazônia e demais biomas são uma mina de bens comuns. Então a ambição do capital hoje é transformar esses bens, água, biodiversidade, madeira, terras, em bens que se compra e vende no mercado”, explica.
Na sua avaliação, é uma estratégia de curto prazo do capitalismo e “uma estratégia desesperada, mas ele precisa disso e não vê a médio e longo prazo os danos que vai causar. Conta ainda com a cumplicidade do governo brasileiro e das Forças Armadas brasileiras, que acham que isso não é internacionalizar a Amazônia”. No entanto, o sociólogo considera que, para o grande capital, seria melhor um plano de médio prazo para a derrubada gradual da Amazônia, a privatização dos biomas.
“Ninguém permitiria um desmatamento legal da Amazônia. A pressão contrária seria enorme. O capitalismo recorre à doutrina do choque: vamos fazer um desastre e todo mundo vai ter que aceitar as soluções. Vamos trazer os capitais para dar um jeito nisso. É uma crueldade muito grande com os povos indígenas, com as populações que vivem da floresta e com a própria natureza. Não quero nem pensar o que isso significa para os povos indígenas isolados”, encerra.
Leia na íntegra o mapa da exposição do sociólogo Pedro A. Ribeiro de Oliveira, da coordenação do Movimento Fé e Política:
Análise de conjuntura – CIMI – Assembleia
Introdução
Foco inusitado: considerar o tempo da Terra e não o recorte habitual da política e da economia no âmbito do Estado brasileiro.
Terra é determinante em ultima instância!
Sem Terra não há política (nem vida)
Para isso, distinguir três planos estruturais:
Sistema de vida da Terra;
Sistema-mundo capitalista;
Sistema social, político e econômico do Brasil e Amazônia: alvo de guerra de 4º geração.
Sistema de vida Terra
A realidade do Planeta deve ser considerada em 1º lugar:
ajuda a explicar fenômenos aparentemente absurdos;
Se não é possível amenizar a catástrofe, é possível construir as bases de outra sociedade pós-catástrofe.
Ter em mente:
Tempo da Terra é longo (séculos)
Questão ambiental é questão política,
A Terra e sua comunidade de vidasão sujeito da história, e não coisas.
Catástrofe climático-ambiental antes de 2050, se não forem tomadas as medidas recomendadas pela comunidade científica internacional.
Data limite para estancar o processo: 2021
Estados nacionais a serviço dos lucros das empresas, sem considerar o equilíbrio climático e ecológico. (Ex: Trump e Bolsonaro) > 6ª grande extinção de espécies.
Não é mais possível crescimento econômico de longo prazo. (Mas projeto chinês da nova rota da seda com investimento de US$5 trilhões até 2049, não considera a iminência da catástrofe ambiental).
Sofrimento da Terra afeta a humanidade
Pressentimento da sua extinção > ódio ao diferente, voracidade de consumo e destruição do tecido social;
Porém favorece a consciência da Terra como sujeito de direitos e ser vivo do qual somos parte: Carta da Terra (2000) e sabedoria de povos originários (Sumak Kawsay / Bem-Viver);
Greta Thumberg: > Adolescente Prêmio Nobel da Paz?
27 de setembro greve mundial pelo clima;
Salvar a Amazônia é salvar a Terra.
Sistema-mundo capitalista em crise
Séc. 21: Chíndia e a economia verde?
Lembrar: de Gênova (s. 15) para Amsterdã (s. 16-17), depois Londres (s.18-19), e agora N. Iorque (s. 19-20).
Em todas: financeirização do capital = crise de longa duração (fim do ciclo de acumulação do capital)
Todas as transições : “destruição criativa” = guerra.
(ARRIGHI, Giovanni: O longo século XX: dinheiro, poder e as origens de nosso tempo; Contraponto e UNESP, 1996).
Séc. 21: Fim do desenvolvimentismo (no Sul) e fechamento das economias (do Norte).
2008: crise do ciclo de acumulação puxado pelos EUA no sec. 20 > Financeirização do capital.
Megacorporações, superconcentração da riqueza e aumento da pobreza e miséria no mundo.
Polo mundial passa do Atlântico Norte ao Pacífico;
Séc. 21: Pequim, nova rota da seda e alta tecnologia.
Porém poderio militar dominante ainda é dos EUA.
Sistema-mundo capitalista
Mercado: única instituição social que escapa da crise geral.
147 grupos controlam 40% do sistema corporativo mundial, sendo 75% deles bancos.
Financiam os organismos internacionais (Ladislau Dowbor).
Paraísos fiscais abrigam : US$20 tri (do Brasil US$520 bi).
1% dos habitantes da Terra detêm riqueza igual a dos 99% restantes. (6 homens têm riqueza igual a de ½ da população mundial).
Sistema só funciona se crescer.
Problema: a Terra não cresce…
Sistema-mundo em guerra
US$ – moeda das transações internacionais apesar de EUA ter a maior dívida externa mundial.
Geopolítica: assegurar o domínio do Estado além do próprio território.
Três formas de guerra:
Clássicas (até 1945);
nuclear e extinção da espécie humana (pior hipótese);
localizadas, étnicas, contra drogas, terrorismo etc;
de 4ª geração ou híbridas.
Trump: acirra provocações à China (guerra comercial).
Guerra de 4ª geração
Toda guerra: estratégia para eliminar um poder hostil.
Novidade: o uso racional e metódico da informação.
Produzir informações parcialmente verdadeiras ou falsas (fake-news) mas plausíveispara quem recebe.
Difusão: Mídia (TVs, rádios e jornais), redes digitais e instituições (Igrejas, ONGs, institutos de pesquisa).
Desqualificaroutras fontes como corrompidas. > Informação é replicada na rede (= vírus do hacker).
Deslegitimadoo poder “hostil” (corrupto), pode ser derrubado por meios militares, políticos ou judiciais.
Agentes da guerra de 4ª geração
Não requer uma assembleia, nem tem comando central.
Rede de fluxos de dinheiro, poder ou informação.
Cada nodo econômico, político, cultural e militar se conecta e desliga em vista de seus próprios interesses.
Agências governamentais / fundações dos EUA formam bolsistas para pensar e atuar conforme suas leis e valores.
Alvos: Brasil, Venezuela e Irã, grandes exportadores de petróleo que se uniram economicamente à China (e Rússia) tornaram-se ameaça à hegemonia do US$.
Adaptação livre do que diz Euclides Mance em O Golpe
Guerra de 4ª geração no Brasil
Governos do PT = poder hostil para corporações dos EUA
2014: Aliança entre nodos do EUA e muito ricos do Brasil, que rompem o pacto de 2002: suspensão das reformas (agrária, fiscal, política) e a auditoria da dívida pública em troca da governabilidade e social-desenvolvimentismo.
2016: Temer executa projeto do PSDB Ponte para o futuro:
Exploração do petróleo por empresas privadas;
Política externa alinhada aos EUA.
Bolsonaro: cobertura à política ultraliberal de P. Guedes: tudo ao mercado, nada ao Estado de proteção social. No limite do anarcocapitalismo.
Os muito-ricos do Brasil
150.000.000 adultos (eleitores)
120.000.000 ganham menos de R$2.000 / mês
20.000 ganham mais de R$160.000 / mês
6.000 ganham mais de R$320.000 / mês.
São quem manda na economia de mercado.
Samuel Pinheiro Guimarães (Dados: Receita Federal)
PIB / capita: R$2.700 / mês = R$10.800 / família / mês.
Se tirar 40% de impostos = R$1.500 / pessoa / mês
Pós-guerra de 4ª geração no Brasil
Classes trabalhadoras e setores nacionalistas derrotados:
instituições republicanas fragilizadas.
estagnação da economia desde 2014.
classes médias e massa popular conquistadas pela mídia, redes e Igrejas de origem cristã.
Agressões a Partidos de esquerda, Movimentos (MST, MTST, de Indígenas, negros, mulheres, LGBT e outros), CNBB, intelectualidade, sindicatos e universidades.
aval à violência (policial-militar ou miliciana) contra povos originários e defensores de Direitos Humanos.
Eliminar a oposição em vez da disputa política > fascismo.
Pós-guerra de 4ª geração no Brasil
Porém, sinais de vitalidade dos derrotados:
Bancada na Câmara pode rejeitar PECs (com alianças); presença no Senado e conquista de Governos estaduais;
Resiliência de Movimentos Sociais, Povos Indígenas, Partidos de esquerda, Sindicatos e novos coletivos;
Oposição de intelectuais, artistas e estudantes a propostas antidemocráticas;
CEBs, Pastorais sociais, bispos, padres e pastores (mesmo em minoria), sustentam o
Cristianismo da Libertação;
Unidades de economia solidária, cooperativas populares e assentamentos são alternativas à economia capitalista.
Momento conjuntural do Brasil
Custo político da mudança na lei da Previdência: Rodrigo Maia ganha destaque, presidente perde;
Lava jato desmoralizada por revelação do jogo;
Mídia corporativa contra Bolsonaro (Globo poupa Moro);
Fogo na Amazônia isola Bolsonaro no mundo e diminui seu prestígio interno. Ele aumenta sua agressividade.
Impedimento? Falta vontade na sociedade civil.
Apoio militar? Até agora, FF. AA mantém seu apoio.
Movimentos sociais apostam em manifestações de rua.
Resposta virá do Congresso?
Amazônia: alvo de guerra de 4ª geração
Amazônia (água, minérios, biodiversidade e terra) deve ser explorada pelo grande capital > commodities para exportação.
Estratégia (Bolsonaro e R. Salles)
afrouxar os limites legais > queimadas. Próximo passo: legalizar as terras queimadas / invadidas;
privatizar reservas ambientais (como Temer tentou);
implantar empresas em territórios de povos originários;
Atrair capitais de fora para empresas locais;
É a doutrina do choque: mercado como remédio para desastres naturais ou provocados (Naomi Klein).
Não há invasão armada, como nas guerras do passado!
Campanha de informação > empreendimentos são a salvação econômica e social da Amazônia pós-incêndios.
Grandes empresas de exportação (água, minérios, biotecnologia e agropecuária): só sede no Brasil.
Para isso: vencer a resistência de defensores dos Direitos Ambientais e Humanos contra grandes empresas.
Intuição genial do Papa Francisco: Amazônia tema do próximo sínodo da Igreja Católica, para mobilizar toda a Igreja católica do Brasil e de outros países.
Não internacionalizar a Amazônia: amazonizar o mundo
Conclusão
Perceber a geopolítica: ultraliberalismo associado ao autoritarismo (judiciário, policial e militar).
América Latina e Caribe em processo de destruição econômica, política e moral (cultural).
Cortina de ouro separa o mundo dos ricos da massa miserável > formação de uma sub-raça humana.
Mas considerar a vitalidade dos derrotados (classes trabalhadoras, povos originários, grupos de DD.HH).
“Combatentes derrotados de uma causa invencível”.
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Guerra de 4ª Geração e sistema-mundo em crise modelam conjuntura, defende sociólogo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU