03 Mai 2025
“Não, não creio que haverá um Francisco II, um Papa que novamente se chamará com o nome do santo de Assis”. O Cardeal Jean-Paul Vesco toca sua cruz peitoral com a mão. “Não sei que nome o próximo Pontífice escolherá. Com o Papa Bergoglio, o nome Francisco funcionou bem, aliás, muito bem. Mas acho que só pôde funcionar com ele”.
O arcebispo de Argel gosta de falar com franqueza. E vestir o hábito dominicano branco, a ordem à qual ele pertence. É assim que ele se apresenta na Praça São Pedro ou nas Congregações Gerais. E com o solidéu vermelho. Cardeal desde dezembro passado, no último Consistório do Papa Francisco.
“Francisco nos entrega uma Igreja saudável, que evitou o risco de se apagar”, conta o bispo de origem francesa ao Avvenire. “E ele nos confia uma Igreja comprometida com um caminho de reforma que está bem encaminhado. É por isso que gosto de defini-lo como um Papa reformador. Acredito que seu pontificado deixará uma marca na história. Aliás, já deixou, se penso nas centenas de milhares de pessoas que vieram a Roma para lhe prestar homenagem ou nas palavras de afeto que lhe reservaram os argelinos após sua morte”.
Com 63 anos, originário de Lyon e ex-advogado, maratonista por paixão, Jean-Paul Vesco está em Argel desde o fim de 2021, depois de ter liderado a Diocese de Oran, aquela em que Pierre Claverie, um dominicano como ele, havia sido bispo.
Assassinado em 1996. E beatificado desde 2018. Um cardeal da “fraternidade universal” em um país totalmente muçulmano, onde os cristãos são uma pequena minoria. E “a favor de aberturas” em muitos aspectos.
A entrevista é de Giacomo Gambassi, publicada por Avvenire, 29-04-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eminência, Francisco foi o papa do diálogo com o mundo islâmico. Como isto continuará?
Eu diria que ele foi o Papa da fraternidade porque simplesmente colocou o homem em primeiro lugar. Ele não partia da doutrina, mas da pessoa. E foi assim que despontou todo o seu empenho pela fraternidade da família humana.
O Papa Bergoglio entrega ao seu sucessor o Documento de Abu Dhabi assinado por ele e pelo grande Imã de al-Azhar. Texto histórico...
Eu o considero um documento de imensa esperança e de forte decepção. Imensa esperança porque eu nunca teria imaginado que dois líderes religiosos pudessem ter ido tão longe: foi um encontro para o bem da humanidade no qual as barreiras teológicas não se tornaram um obstáculo. Forte decepção porque, tanto na Igreja Católica quanto no planeta muçulmano, o texto não foi levado adiante e não produziu efeitos relevantes. Espero que o sucessor de Francisco relance o desafio da fraternidade, que é, antes de tudo, o desafio do diálogo com o mundo. A Igreja está no mundo e com o mundo deve se confrontar.
Por que, no Ocidente, o muçulmano assusta?
É surpreendente: no Ocidente, um muçulmano assusta; e nos países islâmicos, um cristão assusta. Nós temos medo uns dos outros. Portanto, o conhecimento mútuo é essencial. Assim como é fundamental entender que o outro tem dentro de si uma parte da verdade sobre Deus que me escapa. Pierre Claverie defendia: ‘Ninguém possui a verdade. Todos a procuram e eu preciso da verdade dos outros’. Cristo é, sim, o caminho, a verdade, a vida; e ele nos conduz ao Pai. Mas eu não controlo o plano de salvação de Deus para a humanidade. E Jesus morreu para redimir todos, não apenas alguns. É por isso que considero a ortopraxia mais importante do que a ortodoxia.
O Papa convidava a anunciar a alegria do Evangelho e censurava o proselitismo.
Extraordinário. Ele também repetiu isso durante sua visita ao Marrocos. E eu disse a mim mesmo: esta é a primeira vez que ouço isso de um líder religioso e seria impensável de um líder muçulmano. Com suas palavras, Francisco nos lembrou, por um lado, da importância de sermos testemunhas críveis e, por outro, da primazia da liberdade de consciência. Além disso, o Papa enfatizava que o tempo é superior ao espaço. O proselitismo pressupõe espaços a serem ocupados, enquanto a primazia do tempo é um lembrete para esperar pelos frutos do que se semeia.
Francisco quis a reforma da Cúria Romana. Seu sucessor a completará?
Há aqueles que afirmam que a Igreja está agora em um ponto sem volta. Em vez disso, acho que ela tomou a direção certa: aquela trilhada pelo Papa Francisco. Por isso, meu sonho é que o próximo papa siga o mesmo rumo e não mude de direção. Eu acrescentaria que Francisco contribuiu para fazer progredir a mentalidade eclesial. Lembro-me de que, quando fui recebido em audiência por ele, ele me repetiu que é possível conciliar 'uma Igreja que seja para todos, para todos, para todos' e os valores que a comunidade eclesial defende.
Fiducia supplicans, a declaração que abre as bênçãos para casais “irregulares”, incluindo os homossexuais, suscitou críticas.
Talvez tenha sido seu documento mais difícil. O Senhor ama incondicionalmente, como um pai ama seu filho sem reservas. Não afirma: 'Se você fizer isso, eu o renegarei'. O Senhor nunca nos renegará. Como sacerdotes e bispos, temos a oportunidade de dizer ‘Seja abençoado’, não importando a situação pessoal. É surpreendente que um Papa tenha nos liberado a esse ponto.
E quanto à comunhão para os separados e recasados?
Tivemos dois Sínodos sobre a Família e o pequeno passo à frente nessa questão está em uma nota de Amoris Laetitia que deixa uma possibilidade de reconciliação com relativo acompanhamento e reintegração na comunidade. Considero triste que se queira anular o casamento para voltar a receber a comunhão. O casamento é algo sério, mas também é arriscado por causa dos acidentes que podem acontecer. A Igreja não pode dizer: você não tem o direito de reconstruir sua vida depois do fracasso sofrido.
O papel das mulheres na Igreja. O que esperar após a “lufada de novidade” do Papa Bergoglio?
Francisco foi o mais longe que pôde, deixando de lado, por exemplo, o sacerdócio ou o diaconato feminino. Ele confiou às mulheres cargos na Cúria Romana e espero que não se volte atrás. É claro que, nas dioceses, já temos mulheres ecônomas ou chefes de escritório. O papa teve a inteligência de não dar o passo mais longo que a perna para evitar rupturas ou cismas.
Há aqueles que consideram que uma sinodalidade “turbinada” poderia diminuir o papel dos bispos.
Se nos limitarmos à figura do bispo ligada ao sacramento da Ordem, tudo fica bloqueado. Francisco envolveu leigos ou religiosos no Sínodo dos Bispos, que, portanto, também deveria mudar de nome. E acredito que é impensável que sejam apenas os bispos a decidir o futuro da Igreja: se, portanto, houver um Concílio Vaticano III, não poderá ser nos moldes daqueles que foram celebrados no passado.
O Conclave começa em 7 de maio. O atual Colégio Cardinalício realmente abrange o mundo. Uma riqueza ou um excesso de sensibilidades diferentes?
A diversidade geográfica não corresponde necessariamente a diferentes sensibilidades. Encontramos visões compartilhadas em todas as áreas. E a diversidade evita pressões: estou pensando nos grupos nacionais. Mas nós, cardeais, não tivemos a chance de nos conhecer de antemão, talvez dizendo: 'Vamos tomar um café e nos apresentar'. No máximo, nos cruzamos em uma sacristia. Vale a pena rever essa orientação.