09 Abril 2025
Imigrantes acorrentados forçados a embarcar em um avião com destino à Guatemala. Homens formando fila carregados em um ônibus para serem repatriados enquanto uma música alegre se repete ao fundo: “Na Na Hey Hey Kiss Him Goodbye”, sucesso dos anos 1960 da banda Steam. A secretária de segurança dos EUA, Kristi Noem, que posa sorridente como em um safári humano diante de uma gaiola cheia de venezuelanos expulsos dos EUA. Irregulares tratados como terroristas, ridiculizados e expostos como troféus de uma guerra paralela, a do governo dos EUA contra os migrantes. Expulsões em massa filmadas pelas mídias do governo e publicadas no perfil oficial da Casa Branca no Instagram, como o vídeo agora viral feito com inteligência artificial em que a terra ainda coberta de sangue de Gaza se torna um resort exclusivo para super-ricos em busca de diversão.
O comentário é de Viola Ardone, escritora italiana, publicado por La Stampa, 08-04-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Obscenidades instagramáveis da nova desordem mundial, espalhadas globalmente para que cheguem a todos nós. Elas podem despertar aprovação ou indignação, mas, de qualquer forma, têm o poder, por um lado, de desviar a atenção do mundo da economia e dos problemas reais dos eleitores para os paroxismos das iniciativas trumpianas e, por outro, de construir uma nova linguagem na qual o ponteiro da ética se desvia implacavelmente em direção a um ponto sem retorno. Um ponto que está além até mesmo daquela “banalidade do mal” teorizada por Hanna Arendt com relação aos crimes nazistas. As cenas difundidas por Trump e seus colegas soberanistas, as frases usadas, a estética disfórica construída por elas são o terreno fértil de uma “normalidade do mal”, um mal que perde sua excepcionalidade não apenas porque é perpetrado por pessoas comuns (como no caso dos hierarcas nazistas), mas também porque se torna parte da vida cotidiana, contamina a todos nós, de alguma forma. Aparece nos nossos celulares, acompanhada por musiquinhas cativantes entre um conteúdo pop, dicas de dieta, o último flerte de uma estrela de Hollywood, o clima do fim de semana. E, entre uma cena e outra, o homem acorrentado, a mulher ajoelhada, o migrante enjaulado.
É o Manifesto da Nova Desumanidade que passa diante de nossos olhos cada vez mais acostumados, deslocando a fronteira do obsceno um quadro de cada vez, elevando de vídeo em vídeo a barra do indizível, do “inolhável”, do inominável. Nesse Manifesto da Nova Desumanidade, o outro não existe, ele é um obstáculo a ser eliminado, um problema a ser resolvido mandando-o de volta para o lugar de onde veio, se possível. Nesse Manifesto da Nova Desumanidade, o único fim é o lucro, as regras são “não ter regras”, exceto aquelas que maximizam a performance pessoal. Nesse Manifesto da Nova Desumanidade, reina o monólogo do chefe ou de seus seguidores, e até mesmo as redes sociais, originalmente nascidas para permitir a troca, a socialização, justamente, de conteúdos, tornam-se “redes privadas”, como o X, como o Truth (a rede social de Trump de seu nome evidentemente antifrástico), como as várias redes sociais da Meta, cujo fundador, com uma virada oportunista, se dobrou aos desejos do novo senhor da Casa Branca.
Em 1938, foi publicado na Itália o Manifesto da Raça. Tratava-se de um tratado com pretensões científicas que tinha a ambição de dar base a teorias racistas, antissemitas e discriminatórias que serviriam de suporte para as leis raciais promulgadas a partir do outono do mesmo ano. O Manifesto, redigido aparentemente com a contribuição do próprio Mussolini e assinado por professores universitários de comprovada fé fascista, contribuiu para alimentar o clima de ódio contra judeus, estrangeiros e membros de outras etnias. “Chegou a hora de os italianos se proclamarem francamente racistas”, se declara no ponto 7 do documento.
O Manifesto da Nova Desumanidade propagandeado por Trump e seus similares ao redor do mundo não é muito diferente, se baseia no mesmo princípio: dar voz ao tabu, legitimar o preconceito, reforçar o medo, estigmatizar o estranho como elemento de perturbação, que, se for eliminado, elimina os problemas do país. Desta vez, não haverá necessidade de leis raciais, óleo de rícino e camisas pretas. As leis que mais importam hoje em dia são as que chegam pelas mídias, aquelas que chegam até nós por meio de nossos celulares enquanto percorremos os feeds em nossas linhas do tempo. São elas, as leis que nos convencem subliminarmente dia após dia e nos transformam silenciosamente enquanto estamos ocupados em nos manter distraídos.