27 Fevereiro 2025
Em linha com a lógica comercial do magnata, as imagens de odaliscas, hotéis e praias paradisíacas mostram como ficaria a Faixa se o republicano cumprisse sua promessa de desalojar os palestinos.
A informação é de Axel Schwarzfeld, publicado por Página12, 27-02-2025.
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, surpreendeu o mundo nesta quarta-feira ao compartilhar em suas redes sociais um vídeo indignante gerado por inteligência artificial, que mostra como ficaria a Faixa de Gaza se o republicano cumprisse sua promessa de desalojar os palestinos do enclave sitiado. Em sintonia com o desprezo com que Trump costuma se referir a Gaza, o vídeo de 33 segundos mostra pessoas em uma rua coberta de escombros, uma imagem típica dos ataques israelenses sobre o território palestino. Essas mesmas pessoas depois caminham por um túnel que desemboca em uma praia de águas turquesas, com palmeiras e arranha-céus ao fundo, uma fantasia que reflete a lógica comercial do magnata republicano.
Trump vision for Gaza Plaza
— The Uri (@uricohenisrael) February 26, 2025
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O governo de Gaza classificou o vídeo como "vergonhoso" e alertou que ele reflete uma "mentalidade colonial e racista". A gravação, que banaliza os palestinos, foi divulgada dois dias depois da revelação de que Trump revogou uma ordem emitida por seu antecessor Joe Biden, que exigia a garantia de que as armas vendidas ao exterior não fossem utilizadas em violação do direito internacional humanitário, justamente no momento em que a trégua entre Israel e o Hamas corre o risco de ser rompida.
O vídeo, gerado com inteligência artificial e com cerca de 30 segundos de duração, começa mostrando a situação atual de Gaza: totalmente destruída, com cidadãos caminhando entre os escombros de suas ruas bombardeadas. Em seguida, avança para o que poderia ser o futuro do território, com imagens que lembram um típico balneário marítimo, repleto de arranha-céus, hotéis e mercados para turistas.
Entre outras cenas carregadas de machismo, o vídeo mostra Elon Musk, atual assessor de Trump, aproveitando as praias da cidade, degustando a comida local e lançando dinheiro ao ar. Também intercala imagens do próprio ex-presidente, primeiro em uma boate e depois relaxando em uma espreguiçadeira à beira da piscina ao lado do primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, ambos de traje de banho. No final, o vídeo exibe um edifício transformado em um hotel da rede Trump e uma enorme estátua dourada do presidente dos Estados Unidos.
Em linha com suas propostas para a Faixa de Gaza, o jornal americano The Washington Post informou na segunda-feira que o magnata decidiu revogar o Memorando de Segurança Nacional (NSM-20), estabelecido há um ano pelo governo Biden. Esse memorando, elaborado sob pressão dos legisladores democratas que denunciavam o uso de equipamentos militares dos Estados Unidos por parte de Israel em Gaza, pedia aos países que recebiam ajuda militar garantias confiáveis de que não utilizariam esse material em violação ao direito internacional humanitário e que facilitariam a entrega de ajuda humanitária fornecida pelos EUA, sob a ameaça de suspender os suprimentos bélicos.
A anulação da medida foi qualificada como uma "excelente notícia" pelo senador republicano Jim Risch, presidente da Comissão de Assuntos Exteriores, em declarações publicadas pelo The Washington Post. Por sua vez, Christopher Le Mon, ex-funcionário sênior do Departamento de Estado para os direitos humanos durante a administração Biden, afirmou que a decisão resultaria em mais civis mortos com armas fornecidas pelos EUA e prejudicaria a posição do país no mundo.
A revogação do NSM-20 não é o primeiro passo do governo Trump para reverter políticas que impunham restrições destinadas a proteger os direitos humanos, indicou o jornal americano. Durante seu primeiro mandato, Trump introduziu uma política de transferência de armas convencionais que priorizava considerações econômicas em detrimento das preocupações civis. Nos primeiros dias após seu retorno ao cargo, o Pentágono começou a mover peças para abolir um escritório estabelecido pela Administração Biden para promover a segurança civil durante operações em campos de batalha.
O NSM-20 resultou na publicação de um relatório em maio de 2024, no qual se criticava o uso de armas americanas por Israel sem que houvesse a suspensão do envio dessas armas. Embora fosse razoável acreditar que Israel utilizou armas de maneira incompatível com o direito internacional humanitário e, portanto, com a legislação dos EUA, os EUA não puderam chegar a conclusões definitivas no momento devido à falta de informações suficientes, segundo o relatório.
Em setembro, 25 organizações — entre as quais se destacam Amnistia Internacional (AI) e Human Rights Watch (HRW) — enviaram uma carta a Biden expressando sua preocupação com a contínua assistência militar dos EUA ao governo israelense, apesar do NSM-20, e reiterando suas demandas por uma suspensão imediata das transferências de armas para esse país.
“A forma como sua administração tem fornecido armas ao governo israelense tem estado e continua estando surpreendentemente descompassada com as realidades dos danos e sofrimentos dos civis em Gaza”, afirmaram. “Fazemos um apelo urgente à sua administração para mudar sua abordagem e suspender as transferências de armas para Israel, que continuam causando danos devastadores e correm o risco de tornar os Estados Unidos cúmplices de crimes de guerra”, destacaram.
“Armas americanas foram utilizadas em ataques que mataram e mutilaram civis e provavelmente violaram o direito internacional humanitário. As forças israelenses destruíram hospitais, escolas, moradias e centros de abastecimento de água e saneamento e restringiram o fluxo de ajuda humanitária enquanto quase meio milhão de palestinos em Gaza enfrentam níveis catastróficos de insegurança alimentar”, detalharam as organizações. “O contínuo fornecimento de armas americanas também enviou um sinal político de apoio praticamente incondicional à conduta de Israel, quando os Estados Unidos deveriam ter exercido sua influência para parar o massacre em Gaza”, acrescentaram.
Tirana Hassan, diretora executiva da HRW, afirmou em julho que os funcionários americanos estão muito cientes de que as forças israelenses cometeram crimes de guerra com armas americanas. “Os legisladores dos EUA deveriam estar seriamente preocupados com os riscos de responsabilidade envolvidos em continuar fornecendo armas e inteligência com base nas fracas garantias de Israel de que está cumprindo as normas da ONU”, apontou em um comunicado.