19 Fevereiro 2025
"As fotos em que o Papa Francisco aparece cada vez mais cansado, doente, fraco no físico, mas não no espírito, são a inversão da retórica dos fortes e dos vitoriosos; em uma sociedade que nos impõe diariamente o mito do vigor, da juventude eterna e da invulnerabilidade, essas imagens cutucam o poder, lembrando-nos de que a tênue casca que nos mantém vivos é apenas a película involuntária de nossa consciência".
O artigo é de Viola Ardone, publicado por La Stampa, 16-02-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis o artigo.
Encontrei-me com o Papa Francisco em 23 de junho de 2023 em uma audiência na Capela Sistina dedicada ao mundo da cultura. Ele atravessou a nave em uma cadeira de rodas, depois foi erguido e ajudado a se sentar em uma poltrona branca, de onde proferiu um discurso do qual me lembro nos mínimos detalhes. Não apenas pelas palavras, que eram belas e verdadeiras, e pronunciadas com o sorriso sincero de um homem que sabe que está acima de todos os seus semelhantes, mas que, ainda assim, é capaz de falar ao coração e à mente de cada um, mas também pelos gestos. A postura do papa Francisco, as mãos, as expressões do rosto, o olhar, o timbre da voz, as pausas, as risadas eram parte do discurso, talvez a parte mais forte, o testemunho mais tenaz de um pontífice que, apesar da doença, não limita suas aparições, mesmo na televisão, e que fez do próprio corpo uma mensagem.
As fotos em que o Papa Francisco aparece cada vez mais cansado, doente, fraco no físico, mas não no espírito, são a inversão da retórica dos fortes e dos vitoriosos; em uma sociedade que nos impõe diariamente o mito do vigor, da juventude eterna e da invulnerabilidade, essas imagens cutucam o poder, lembrando-nos de que a tênue casca que nos mantém vivos é apenas a película involuntária de nossa consciência.
Verbum caro factum est, podemos ler no Evangelho de João sobre o mistério da encarnação, “a palavra se fez carne” e o logos divino veio habitar entre nós.
O corpo do Papa Francisco, em particular, é um corpo fotografado, aguardado, venerado por multidões de fiéis, um corpo exposto a manifestações de devoção às vezes até excessivas, como uma relíquia viva, um corpo considerado de alguma forma taumatúrgico, como aquele dos antigos soberanos, capaz de doar conforto e saúde aos vivos. Saúde e salvação, por outro lado, vêm etimologicamente da mesma palavra latina salus, que não faz distinção entre as dores do corpo e as do espírito.
Mesmo no passado, os pontífices que mais abertamente manifestaram sua “humanidade” foram os mais apreciados pela comunidade de fiéis, mas também pelos não crentes. Em 11 de outubro de 1962, o papa João XXIII fez um breve discurso de improviso para a multidão reunida na Praça São Pedro, que terminou com estas palavras: “Ao voltar para casa, você encontrará as crianças; faça um carinho em seus filhos e diga: este é o carinho do Papa”. A frase do Papa Roncalli permaneceu na memória coletiva precisamente porque tinha a ver com o corpo, com um gesto destinado a todas as crianças do mundo por meio de seus pais: o carinho do Papa.
Da mesma forma, todos se lembram dos últimos momentos da vida do Papa João Paulo II, um pontífice que foi um viajante incansável, que escapou milagrosamente - é preciso dizer – do atentado de 13 de maio de 1981, que foi definido como o “atleta de Deus” por causa de sua paixão pelo esporte e que, com o passar dos anos, foi ficando cada vez mais fraco devido aos sinais da doença.
Aquele corpo vigoroso, que tinha sido sua força, gradualmente se tornava a sua fraqueza, uma fraqueza exposta e humaníssima, o símbolo de uma fragilidade que é a mais alta figura do humano e que, de certa forma, torna os mortais quase superiores aos deuses, porque estão destinados a viver com a consciência do limite e da luta – o “corpo a corpo”, justamente - que cada um de nós deve travar com seu próprio físico, que é inevitavelmente transitório e precário.
Guardo a foto em que aperto a mão do Papa Francisco entre minhas melhores lembranças, com a devoção reverencial de uma não crente que sentiu naquelas palavras e naqueles gestos a evidência de uma verdade universalmente válida.
O corpo do Papa, tão sofrido e, ao mesmo tempo, manifesto, evidente e não escondido, é quase uma figura da Eucaristia, o momento da liturgia em que o padre diz aos fiéis: tomem e comam todos, um ritual antiquíssimo que envolve a apropriação do corpo e do sangue da divindade, que simbolicamente se sacrifica pela palingenesia da humanidade. É a mesma coisa que essas imagens de Francisco parecem sugerir: comam e bebam todos, este é o meu corpo oferecido em sacrifício por vós. Não tenham medo de serem cansados, de tropeçar, de cair, de serem sustentados. Não se sintam culpados por aceitar o apoio de uma bengala, o braço de um amigo, a ajuda de um estranho. É justamente nesse tropeço que está o testemunho da limitação que nos torna tão humanos e, justamente por isso, tão caros ao divino.