28 Março 2025
“O que estamos vendo agora ultrapassa todas as agressões históricas contra os palestinos. O insano sonho genocida de Israel – o pesadelo palestino – está prestes a se tornar realidade. Destruirá para sempre o mito de que nós, ou qualquer nação ocidental, respeitamos o Estado de direito ou somos os protetores dos direitos humanos, da democracia e das chamadas “virtudes” da civilização ocidental. A barbárie de Israel é a nossa. Podemos não entender isso, mas o resto do mundo entende”. A reflexão é de Chris Hedges, escritor e jornalista vencedor do Prêmio Pulitzer, em artigo publicado por The Chris Hedges Report e reproduzido por Voces del Mundo, 23-03-2025. A tradução é do Cepat.
Este é o último capítulo do genocídio. É o último esforço, encharcado de sangue, para expulsar os palestinos de Gaza. Sem comida. Sem medicamentos. Sem abrigo. Sem água potável. Sem eletricidade. Israel está transformando rapidamente Gaza num dantesco caldeirão de miséria humana, onde os palestinos são assassinados às centenas e em breve, novamente, aos milhares e dezenas de milhares, ou serão forçados a sair, para nunca mais voltarem.
O último capítulo marca o fim das mentiras israelenses. A mentira da solução de dois Estados. A mentira de que Israel respeita as leis da guerra que protegem os civis. A mentira de que Israel bombardeia hospitais e escolas apenas porque o Hamas os utiliza como bases de operações. A mentira de que o Hamas utiliza civis como escudos humanos, enquanto Israel força rotineiramente palestinos cativos a entrar em túneis e edifícios potencialmente minados de armadilhas antes das tropas israelenses. A mentira de que o Hamas ou a Jihad Islâmica Palestina (JIP) são responsáveis – muitas vezes acusados de lançar foguetes palestinos erráticos – pela destruição de hospitais, instalações das Nações Unidas ou vítimas palestinas em massa. A mentira de que a ajuda humanitária a Gaza está bloqueada porque o Hamas sequestra caminhões ou contrabandeia através deles armas e materiais de guerra. A mentira de que os bebês israelenses são decapitados ou de que os palestinos cometem violações em massa contra mulheres israelenses. A mentira de que 75% das dezenas de milhares de mortos em Gaza eram “terroristas” do Hamas. A mentira de que o Hamas, ao supostamente rearmar e recrutar novos combatentes, é responsável pela ruptura do acordo de cessar-fogo.
A face nua e genocida de Israel é revelada. Ordenou a evacuação do norte de Gaza, onde os desesperados palestinos estão acampados entre os escombros das suas casas. O que está por vir agora é a fome em massa – a Agência das Nações Unidas de Assistência e Obras para os Refugiados da Palestina no Próximo Oriente (UNRWA) declarou em 21 de março que lhe restam seis dias de fornecimento de farinha –, mortes por doenças causadas por água e alimentos contaminados, dezenas de mortos e feridos todos os dias sob o ataque implacável de bombas, mísseis, projéteis e balas. Nada funcionará, panificadoras, estações de tratamento de água e esgoto, hospitais – Israel explodiu o já danificado Hospital Turco-Palestino em 21 de março –, escolas, centros de distribuição de ajuda ou clínicas. Menos de metade dos 53 veículos de emergência da Meia Lua Vermelha palestina estão em funcionamento devido à escassez de combustível. Em breve não haverá nenhum
A mensagem de Israel é inequívoca: Gaza será inabitável. Saiam ou morrerão.
Desde terça-feira, quando Israel rompeu o cessar-fogo com intensos bombardeios, mais de 700 palestinos foram mortos, incluindo 200 crianças. Num período de 24 horas mataram mais de 400 palestinos. Este é apenas o começo. Nenhuma potência ocidental, incluindo os Estados Unidos, que fornecem as armas para o genocídio, tem qualquer intenção de impedi-lo. As imagens de Gaza durante os quase 16 meses de ataques implacáveis foram horríveis. Mas o que está por vir agora será pior. Rivalizará com os crimes de guerra mais hediondos do século XX, incluindo a fome em massa, o massacre em massa e a destruição do Gueto de Varsóvia em 1943 pelos nazistas.
O dia 7 de outubro marcou a linha divisória entre uma política israelense que defendia a brutalização e a subjugação dos palestinos e uma política que apela ao seu extermínio e expulsão da Palestina histórica. O que estamos vendo é o equivalente histórico do momento desencadeado pela aniquilação de cerca de 200 soldados liderados por George Armstrong Custer, em junho de 1876, na Batalha de Little Big Horn. Depois dessa humilhante derrota, os nativos estadunidenses foram condenados à morte e os que permaneceram foram forçados a viver em campos de prisioneiros de guerra, mais tarde chamados de reservas, onde milhares de pessoas morreram de doenças, viveram sob o olhar impiedoso dos seus ocupantes armados e caíram numa vida de pauperização e desespero. Esperem o mesmo para os palestinos de Gaza, abandonados, temo eu, num dos maiores infernos do mundo e esquecidos.
“Moradores civis de Gaza, esse é o último aviso”, ameaçou o ministro da Defesa israelense, Israel Katz:
“O primeiro Sinwar destruiu Gaza e o segundo irá destruí-la por completo. Os ataques da Força Aérea contra os terroristas do Hamas foram apenas o primeiro passo. Agora será muito mais difícil e eles pagarão o preço total. A evacuação da população das zonas de combate recomeçará em breve... Libertem os reféns e eliminem o Hamas, e outras opções irão se abrir, incluindo ir a outros lugares do mundo para quem quiser. A alternativa é a destruição total”.
O acordo de cessar-fogo entre Israel e o Hamas foi concebido para ser implementado em três fases:
Na primeira, com duração de 42 dias, as hostilidades terminariam. O Hamas libertaria 33 reféns israelenses capturados em 7 de outubro de 2023 – incluindo mulheres, pessoas com mais de 50 anos e doentes – em troca de mais de 2.000 homens, mulheres e crianças palestinos presos por Israel (até 18 de março, Israel tinha libertado cerca de 1.900 prisioneiros palestinos). O Hamas libertou um total de 147 reféns, oito dos quais morreram. Israel afirma que ainda existem 59 israelenses detidos pelo Hamas, 35 dos quais Israel acredita terem morrido.
O exército israelense retirar-se-ia das zonas povoadas de Gaza no primeiro dia do cessar-fogo. No sétimo dia, os palestinos deslocados seriam autorizados a voltar ao norte de Gaza. Israel permitiria que 600 caminhões de ajuda com alimentos e suprimentos médicos entrassem diariamente em Gaza.
Na segunda fase, que se esperava que fosse negociada no décimo sexto dia do cessar-fogo, os reféns israelenses restantes seriam libertados. Israel completaria a sua retirada de Gaza mantendo a sua presença em algumas partes do Corredor da Filadélfia, que corre ao longo da fronteira de 13 quilômetros entre Gaza e o Egito. Israel abriria mão do controle da passagem fronteiriça de Rafah com o Egito.
Na terceira fase, seriam negociados o fim permanente da guerra e a reconstrução de Gaza.
Israel assina costumeiramente acordos, incluindo os Acordos de Camp David e o Acordo de Paz de Oslo, com calendários e fases. Consegue o que deseja – neste caso a libertação dos reféns – na primeira fase e depois deixa de cumprir as seguintes. Esse padrão nunca tinha sido quebrado.
Israel recusou-se a cumprir a segunda fase do acordo. Há duas semanas bloqueou a entrada de ajuda humanitária em Gaza, violando assim o acordo. Também matou pelo menos 137 palestinos durante a primeira fase do cessar-fogo, incluindo nove pessoas – três delas jornalistas – quando drones israelenses atacaram uma equipe de socorro em 15 de março em Beit Lahiya, norte de Gaza.
Os intensos bombardeios de Gaza por Israel recomeçaram no dia 18 de março, enquanto a maioria dos palestinos dormia ou preparava o suhoor, a refeição antes do amanhecer durante o mês sagrado do Ramadã. Israel não irá parar os seus ataques agora, mesmo se os restantes reféns forem libertados, a suposta razão de Israel para retomar os bombardeios e o cerco a Gaza.
A Casa Branca de Trump aplaude o massacre. Ataca os críticos do genocídio como “antissemitas” que deveriam ser silenciados, criminalizados ou deportados enquanto canalizam milhares de milhões de dólares em armas para Israel.
O ataque genocida de Israel a Gaza é o resultado inevitável do seu projeto colonial de assentamentos e do seu Estado de apartheid. A tomada de toda a Palestina histórica – receio que a Cisjordânia seja em breve anexada por Israel – e o deslocamento de todos os palestinos sempre foi o objetivo sionista.
Os piores excessos de Israel se produziram durante as guerras de 1948 e 1967, quando enormes áreas da Palestina histórica foram tomadas, milhares de palestinos foram assassinados e centenas de milhares sofreram uma limpeza étnica. Entre estas guerras, continuaram o roubo de terras em câmara lenta, os ataques assassinos e a constante limpeza étnica na Cisjordânia, incluindo Jerusalém Oriental.
Essa calibrada dança já acabou. Este é o fim. O que estamos vendo agora ultrapassa todas as agressões históricas contra os palestinos. O insano sonho genocida de Israel – o pesadelo palestino – está prestes a se tornar realidade. Destruirá para sempre o mito de que nós, ou qualquer nação ocidental, respeitamos o Estado de direito ou somos os protetores dos direitos humanos, da democracia e das chamadas “virtudes” da civilização ocidental. A barbárie de Israel é a nossa. Podemos não entender isso, mas o resto do mundo entende.