Presente de Deus. Destaques da semana

Arte: Marcelo Zanotti | IHU

Por: Cristina Guerini | 15 Novembro 2024

Donald Trump e sua parceria com Elon Musk continuam percorrendo os noticiários, assim como as nomeações dos atores que junto com o novo presidente dos Estados Unidos vão conduzir o governo a partir do ano que vem. Na COP29, um "presente de Deus" mina as discussões para reduzir o uso dos combustíveis fósseis. O Brasil passa pela Conferência das Partes sem protagonismo e ambição. Dentro do território desponta a proposta que visa reduzir a jornada de trabalho. Esses e outros assuntos nos Destaques da Semana do IHU.

Evento extremo

“A eleição de Trump é uma catástrofe climática, um evento climático extremo”, sentenciou Marcio Astrini. Para o secretário-executivo do Observatório do Clima, “as promessas de Trump para o clima são as piores possíveis. São promessas de um negacionista e de alguém que, em parte de sua trajetória, militou contra a agenda climática”. Ao que tudo indica Astrini tem razão. Os nomes dos membros da equipe que vai trabalhar com Trump na Casa Branca estão sendo anunciados e, até o momento, é dominado por negacionistas. Entre eles, Robert F Kennedy Jr, um conhecido antivacina. As nomeações tomaram as manchetes dos principais jornais e já preocupam, em especial, ambientalistas. O pior é que Trump “vendeu uma ficção distópica – não, apocalíptica – para obter os votos daqueles que se sentem inseguros ou ameaçados há décadas [...]. O terrível é que agora, para governar, ele terá que manter essa ficção” e ainda não sabemos o quão longe ele vai chegar. 

Superpoder

Uma das nomeações mais comentadas é do onipresente, que injetou milhões para turbinar a campanha de Donald TrumpElon Musk. Agora, o bilionário, dono da rede social X, “tem um poder que nenhum outro empresário do capitalismo teve”, configurando-se como a oligarquia mais perigosa de todos os tempos.

Elefante na sala

A escolha do “czar da fronteira” sinaliza em favor das deportações em massa. Tom Homan não terá apenas a responsabilidade de lutar contra a imigração ilegal, mas também será o responsável pela deportação em massa de imigrantes. A sua nomeação se soma à de Stephen Miller, outro falcão que tem na mira os imigrantes, como Vice-Chefe de Gabinete da Casa Branca. Um “elefante na sala da Casa Branca”, como definiu Paolo Naso ao afirmar que Trump “é o ponto final de uma crise que vem de longe, que não tem soluções fáceis”. “Aqueles que votaram em Trump sabem que sua presidência será ‘forte’, que tomará medidas sem precedentes contra os imigrantes”, complementou

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Banho de água fria

A COP29 começou na segunda-feira, 11 de novembro. Dois dias depois do início das discussões, a Global Carbon Project (GCP) deu um banho de água fria nas expectativas com a divulgação da sua mais recente pesquisa: o relatório do Global Carbon Budget deste ano projeta emissões totais anuais provenientes de combustíveis fósseis de 37,4 bilhões de toneladas de dióxido de carbono (CO2), isto é, um aumento de 0,8% em relação a 2023. O Brasil chegou ao evento apresentando sua nova e decepcionante meta climática (NDC), além disso, o Observatório do Clima avaliou que ela destoa das promessas do presidente. Já o Reino Unido foi bem mais ambicioso que o nosso país, que nessa altura do campeonato já devia ter feito a lição de casa, apresentando uma meta significativa de redução de emissões nos próximos dez anos. Apesar do Brasil derrapar na curva, o fiasco oficial ficou mesmo por conta da Argentina, que abandonou a Cúpula Climática por ordem do negacionista Javier Milei

Pedra no sapato

Assim como aconteceu na COP15 sobre a Biodiversidade, a COP29 sobre o Clima tem urgência em aprovar um financiamento bancado pelos países desenvolvidos para mitigação, adaptação e as perdas e danos da crise climática nos países em desenvolvimento. António Guterres soou o alerta mais uma vez: “paguem ou enfrentem o desastre do clima”. Ele ainda declarou que os ricos causam os problemas e os pobres pagam a conta.  Simon Stiell, secretário-executivo da Convenção-Quadro da ONU sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC) também foi enfático no seu discurso: “vamos acabar com a ideia de que o financiamento climático é caridade”. Assim como o presidente da COP, Mukhtar Babayev: “estamos a caminho da ruína. E não se trata de problemas futuros. A mudança climática já está aqui”.

Presente divino?

A “cereja do bolo” do lobby do petróleo ficou por conta do anfitrião da COP29. O presidente (e ditador) do Azerbaijão, Ilham Aliyev, aproveitou os holofotes para defender o setor de petróleo e gás e seus planos de expansão da produção de energia fóssil. Para ele, o petróleo e o gás do país são um “presente de Deus”. E foi mais longe: “os países não devem ser culpados por tê-los e não devem ser culpados por trazer esses recursos ao mercado porque o mercado precisa deles. O povo precisa deles”, acrescentou. A Ministra do Meio Ambiente do Brasil, Marina Silva, reagiu à declaração e pediu cautela no uso dos dons divinos e comparou o petróleo com o açúcar: faz mal comer demais. A COP, que acontece sobre as reservas do petróleo divino, contudo, já não entusiasma, nem com a fugaz aprovação do mercado de carbono e nem a quem esteve em todas as edições no evento, como Jeffrey Sachs. Para ele, a “COP29 não levará a nada, a nossa única esperança é um pacto com os países petrolíferos”.

6x1

Aterrissando no Brasil, nosso giro de notícias traz um sopro de ar puro ao mundo do trabalho. Essa semana a PEC que prevê a redução da jornada de trabalho e o fim da escala 6x1 atingiu o número mínimo de assinaturas para ir a plenário. Uma vitória dos trabalhadores que estão se mobilizando para um protesto massivo convocado em diferentes cidades para o dia do feriado da Proclamação de República. O alto escalão do governo está defendendo a proposta que viralizou nas discussões das redes sociais nos últimos dias. Entre as figuras que jogam no time do precariado, nessa disputa entre o trabalho e o capital, está Rick Azevedo e seu movimento Vida Além do Trabalho – VAT. Vereador recém-eleito no Rio de Janeiro, “um sinal de uma luta popular real, que pode simbolizar uma esperança para a reconstrução do pensamento trabalhista e sindical”. A ver se os trabalhadores vão conseguir furar a bolha do Congresso que mina os direitos trabalhistas.

Ajuste fiscal indigno

Os mais ricos estão endurecendo a chantagem para que o governo corte os gastos sociais, mirando, claro, os pobres. A Frente pela Vida se manifestou contra o “mercado”, assim como presidente Lula, que declarou: “as mesmas pessoas que falam que é preciso parar de gastar, são os ricos que se apoderam de uma parte do orçamento do país. E eles se queixam daquilo que você está gastando com pobre”. “São R$ 546 bilhões de benefício fiscal para os ricos”, destacou. O esboço do pacote fiscal do governo passa por mudanças e será apresentado após o G20. Existem sinais de que pode haver um racha na conta, que pode incluir supersalários, alta renda, emendas e reforma na previdência dos militares.

Bomba contra a democracia

Em mais um ato contra a democracia, homem explodiu carro e a si próprio na Praça dos Três Poderes em Brasília. Num ataque direto ao Supremo Tribunal Federal – STF, Francisco Wanderley Luiz, que foi candidato a vereador pelo PL em 2020, demonstrou que a ideia de anistia, aos terroristas dos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023, tem que ser enterrada a sete palmos. Coincidentemente, a ação, que já era estudada e planejada há tempos, ocorre na mesma semana em que a Folha de S.Paulo publicou um texto assinado por Jair Bolsonaro com o sugestivo título “Aceitem a democracia” .

Paróquia sitiada

Seguimos com o massacre em Gaza e os relatos que atravessam a fronteira em primeira pessoa. Na paróquia da cidade, o padre Gabriel Romanelli continua abrigado e sitiado junto com as famílias palestinas, que após um ano puderam comer frango, ovos e verduras. Já o general israelense Giora Eiland acredita na estratégia e matar de fome as pessoas na Faixa de Gaza para garantir a vitória na guerra, exterminando os civis. Diante o horror, voltemos aos rostos, “ao valor infinito e à singularidade de cada pessoa, os rostos, os rostos de Gaza, os rostos escondidos pelo emaranhado de mãos levantadas para tentar agarrar um pedaço de comida ou uma tigela de sopa que escaparam do bloqueio das ajudas impedidas pelo cerco pela fome”. Este é um convite para sair dos tormentos da modernidade feito por Raniero La Valle.

Essa semana, em virtude do feriado, não teremos a versão em áudio dos Destaques da Semana do IHU. 

Desejamos uma boa semana a todas e todos!